O ofício 20/2018, assinado pelo promotor de justiça Frederico Meinberg Ceroy, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MP-DFT), disponibilizado pelo portal Conjur [1], contém acusações gravíssimas contra o Serpro, a empresa estatal responsável por serviços prestados à Receita Federal.
O Serpro é a mesma empresa que recepciona dados do Sped e do eSocial.
O Serpro emitiu uma nota em seu portal a respeito da repercussão do assunto [2]:
O caso me remete diretamente a riscos que a sociedade pode estar correndo com o Big Brother Fiscal, sempre apontado com um certo deslumbramento, não apenas pelo governo, mas também por vários setores do meio contábil com seus formadores de opinião alienados com o gramcismo fiscal. Convém aqui lembrar, mais uma vez, o alerta do saudoso professor Lopes de Sá, feito em 2009, sobre os perigos da espionagem no Sped:
O que me incomoda bastante no Sped, considerando uma potencial relação com os supostos problemas que geraram as acusações do promotor do MP-DFT, é o uso indevido de um imenso volume de dados que são sigilosos. Vou reproduzir um trecho do artigo de minha autoria, “Por que o eSocial deve ser destruído“:
“Munir o estado com uma arma de Big Brother que ficará sob o controle de políticos?
Quais as implicações e riscos de tais dados serem usados por corporações que possam ter algum privilégio político?
Quem garantirá que dossiês não serão feitos contra inimigos de políticos ou agentes públicos?
Aos inimigos, a lei! Quem garantirá que não haverá fiscalizações seletivas? [3]
Quem poderá abrir a caixa preta da Receita Federal? Quis custodiet ipsos custodes?
Não ficarei surpreso se um dia estourar algum escândalo sobre lista de indivíduos e entidades imunes aos processos de fiscalização ou quem sabe, suspeita de venda de dados extraídos dos sistemas de notas fiscais eletrônicas e dos módulos de escrituração do Sped; segredos comerciais de empresas (o que, onde e a quem compram) sendo vendidos para concorrentes, assim como dados de capital humano detalhados no eSocial, recursos escassos e estratégicos no contexto do mercado e da liberdade econômica, por um big data que pode atrair a espionagem e a exploração deliberada de agentes públicos e privados ou mediante falhas de segurança no acesso.”[4]
Esta é a discussão que, até hoje, não vi ser abertamente realizada no âmbito do Sped. É um total absurdo que o módulo Contábil tenha entrado em operação em 2009, e agora o eSocial, com um estado concentrando commodities informativas que podem ser usadas por burocratas a serviço do aparelhamento ideológico e/ou estimulados pelo velho compadrio, trazendo assim enormes prejuízos à sociedade produtiva. O compartilhamento de dados sigilosos só deveria ser feito mediante rigoroso processo judicial, ou de forma espontânea, nunca baseado na coerção do fisco.
Um outro absurdo é a e-Financeira que, na pratica, significa a quebra de sigilo bancário, por parte da Receita Federal, sem autorização judicial.
A meu ver, movimentos que se comprometem em defender interesses da liberdade e da privacidade, devem ser articular para interromper imediatamente o processo de implantação do eSocial, projeto que na minha opinião deve ser destruído, inserindo em seu lugar um modelo simplificado, sintético, de bases tributárias e informes estatísticos, sem expor dados pessoais e laborais, a não ser que sejam por autorização expressa dos trabalhadores.
Também se deve trabalhar pela extinção do Bloco K, sintetização dos PVAs fiscais e revisão da ECD de maneira que os detalhamentos comerciais nos registros do livro diário geral não sejam repassados ao fisco.
O novo presidente da FIEMG parece ter se sensibilizado com esta questão em relação ao Bloco K e ao eSocial [5].
Há uma petição contra o modelo operacional do eSocial [6].
Fato é que o estado não deve ser tratado como uma instituição formada por anjos imaculados. Trata-se de um arranjo humano e, sendo assim, passivo a falhas que são diretamente proporcionais à concentração de poderes que lhes são confiados.
____________
Notas:
-
Ver Conjur;
-
Nota Oficial do Serpro;
-
Matéria do El Pais sobre “lista vip” da Receita Federal.
-
Por que o eSocial deve ser destruído;
-
Matéria no site da FIEMG;
-
Petição contra o eSocial.
Comentário