Publicado originalmente em 05/04/2018 – Última edição em 16/02/2020

Reedito minha reflexão sobre os conselhos profissionais que, a meu ver, são exemplos clássicos da confusão entre direitos e privilégios, algo tão comum no Brasil. Fala-se muito em “crise de representatividade” no Brasil e logo o tema se associa (novamente!), quase que de forma instantânea aos políticos que permeiam o imaginário popular quando não se pondera que líderes que atuam em conselhos de classe, ordens, comissões e demais entidades, são tão políticos (e politiqueiros) quanto aos que atuam nos poderes do “Estado Democrático de Direito”.

Privilegiados sob a chancela do Estado, conselhos profissionais operam como aparatos que gozam de poder de coerção e compulsão para explorar um monopólio para regular, fiscalizar, cobrar anuidades e explorar reserva de mercado. Em termos de aversão à liberdade econômica, nada consegue ser mais categórico, o que indica um caminho para explicar razões de tais conselhos estarem tão afastados da realidade de uma sociedade que carece de levar mais a sério a liberdade econômica para dar sequência ao seu processo civilizatório.

Tais características pertinentes a essas entidades me forçam a refletir sobre algo que considero inevitável em tudo que é coercitivo, imposto, violador do direito de escolha do indivíduo: o desvirtuamento da percepção de que tais instituições devem ser instrumentos de serviço à sociedade por uma mentalidade coletivista, ou de proteção a alguma atividade, como se indivíduos ocupantes de seus quadros tivessem a capacidade de lidarem com a complexa teia de relações profissionais na dispersão do conhecimento, quando na verdade atendem a interesses bem particulares usando um aparato de coerção em favor de um velho parasitismo tão peculiar nas repartições do Estado, não sujeitas ao mercado.

A ideia de conselho profissional no Brasil não é, tecnicamente, a de um ente “estatal”, mas funciona como se fosse; reconhecido pelo Estado e mantido por recursos tomados de indivíduos que não tem opção senão a de se submeterem ao registro e à cobrança (anuidade), assemelhando-se assim aos impostos, como pré-requisito para se manterem “habilitados” e assim exercerem a profissão (reserva de mercado), combinando com o monopólio para regular e fiscalizar.

Analisando sobre o prisma da natureza humana que intimamente se relaciona com estímulos, penso se haveria alguma motivação real para uma entidade baseada em coerção – enquanto cobradora de anuidades, reguladora e fiscalizadora – levando em conta que sempre terá a imposição legalista como principal elemento nas relações? Esta questão ajuda a desnudar comportamentos de gestores de entidades, tão indiferentes aos profissionais que nelas estão registrados por imposição, enquanto são subservientes ao aparato estatal que lhes concede os privilégios.  Nem quero entrar aqui no mérito do poder de regulação e fiscalização (fica para outra ocasião) sobre o que significa o mercado diante de um punhado de indivíduos que se julgam supostamente capazes de definir, ao mesmo incomensurável mundo de agentes econômicos, quem está ou não qualificado para exercer uma determinada profissão. Penso que instituições de aferimento da capacidade técnica para determinadas funções são indispensáveis à cooperação econômica, em qualquer sociedade baseada na divisão do trabalho; o problema dos conselhos profissionais está no monopólio para exercer essa aferição, comprometendo o comportamento de seus ocupantes pela falta de estímulos de competitividade.

Compreender o significado (imoral) da coerção é a chave para abrir uma visão mais depurada sobre o tema, a meu ver. Por quê? Uma coisa é analisar uma instituição mantida por recursos advindos de livres aportes, por associados ou investidores que naturalmente estão em uma relação de constante juízo pessoal e livres trocas, capazes de exigirem retornos do que pode ser classificada como uma autêntica prestação de serviços e assim podem simplesmente descontinuar o custeio quando bem entenderem, como ocorre em uma organização associativa ou em qualquer empresa privada (desde que não sujeita a vícios de reservas de mercado em relações promíscuas com entes estatais); outra coisa é uma instituição que precisa fazer esforço algum, do ponto de vista do livre aceite de quem paga, para ter receitas mediante uma estrutura compulsiva sobre quem tem obrigação de lhe render anuidades, sob a ameaça de não poder exercer o ofício.

A crença nas boas intenções de quem tem apreço em chegar ao poder em tais entidades, não tem me convencido quanto ao sentido de prover uma mudança profunda em tais conselhos. Se o monopólio da fiscalização e a obrigação da anuidade garantem o pagador de aferições ou seja, profissional sob a regulação, volto à questão dos fatores motivacionais. Uma instituição baseada na negação de livres trocas terá muitas preocupações com quem aplica recursos, muito além das garantias de um eficiente sistema de cobrança e da manutenção do poder satisfazendo grupos políticos nas disputas eleitorais? Neste ponto, não me admira que líderes de tais conselhos passem a se preocupar apenas com interesses corporativos em torno da manutenção no poder de seus grupos visando a perpetuação no controle das instituições, e isso inclui apreços ideológicos em “parcerias” com estruturas (igualmente coercitivas) do Estado.

Também não é à toa que, pensando agora mais no caso do CFC (e dos CRCs), tais entidades operam como linhas auxiliares do aparato estatal, sobretudo o fisco pois, repito, a razão dos privilégios está no corporativismo em torno do Estado. Entre 2014 e 2015 pude constatar o nível de alienação que há partindo de “pensadores” e palestrantes de tais entidades, todos bem alinhados com o fisco, em favor de interesses do aparato do Estado, sobretudo no que concerne a controles sociais e arrecadação. A Receita Federal não cessa de criar mecanismos que prejudicam seriamente o empresariado e até mesmo profissionais de contabilidade, com mais custos alocados indevidamente, em nome de mais controles e apelos bisonhos de “simplificações” que só aumentam a complexidade enquanto todos parecem acéfalos mediante os fatos. Muitos profissionais de contabilidade perguntam por que o CFC não faz nada. O CFC e os conselhos regionais jamais estarão voltados aos interesses de defender o bom exercício da profissão em relação aos abusos do fisco, assim como supostamente proteger a sociedade dos que não têm qualificações mínimas necessárias; os interesses do CFC estarão sempre em sintonia em favor de interesses corporativos do aparato estatal e tais interesses não levam em conta o peso do Estado e os abusos que o fisco comete. Fazer oposição ao fisco é contrariar o corporativismo que é a razão de existir do CFC.

Outro ponto consiste em queixas constantes sobre a carestia das anuidades. Por quê? Novamente o monopólio do CFC ajudar a explicar o problema, pois na ausência de concorrência, em um cenário de agências privadas de qualificação, fixar preço passa a ser uma atividade meramente política, arbitrária, e não de acordo com disposições observadas em mercado, feitas por demandantes livremente interessados e ofertantes pressionados por outros ofertantes; falta o “cálculo econômico” do mercado nas anuidades do CFC, mediante o livre juízo pela demanda, quando há múltiplos agentes ofertantes operando, apesar de ser razoável uma proposição baseada em apuração de custos na formação de preços (anuidades), fato é que o conceito de “valor econômico” inexista. Em outras palavras, é somente por livres trocas que o processo cataláctico se desenvolve onde consumidores avaliam quanto estão dispostos a pagar por determinados bens e serviços,  forçando ofertantes a uma constante necessidade de reavaliação, requalificação, inovação e revisão de custos, o que definitivamente não ocorre quando se tem o monopólio para precificar, como é o caso do CFC.

O parasitismo análogo ao que se verifica em instituições do Estado, com indivíduos se aproveitando para explorar ao máximo as regalias, também não me surpreende em conselhos profissionais. Mais uma vez é preciso considerar os aspectos legalistas e corporativistas combinados com o monopólio para arbitrar preços, tudo em meio a um comodismo e então, sobram privilégios a quem ocupa o comando e muita carestia no bolso de quem é obrigado a banca-los. Privilégios para quem comanda confundidos com o (sagrado) direito de exercer a profissão, forçando registros sob o apelo de controle de qualificação por instrumentos que deveriam ser com base em uma meritocracia, mas que acabam distorcidos por legalismos e regalias.

A falta de fiscalização eficiente também se torna um problema inevitável olhando para a estrutura dos conselhos, dada a mentalidade de planejamento central quando se leva em conta as unidades da federação. Conselhos profissionais, em geral, acabam sendo ineficientes avaliadores de  atividades de profissionais, incapazes de uma certificação contínua de qualidade, pois lidam com uma demanda exorbitante (sempre forçada) que o monopólio proporciona, mesmo se delimitando aos regionais. A mentalidade de planejamento central sempre foi um fetiche no Brasil, e isso está no âmago do problema dos que defendem conselhos tutelados pelo Estado com o poder central de se impor aos profissionais. E não me causa surpresa que o monopólio da prestação de serviços e o consequente pagamento compulsório de anuidades são fatores que fazem com que conselhos de classe acabem sendo instituições danosas à sociedade, concentradoras de parasitas, reproduzindo problemas semelhantes aos encontrados em entidades do Estado. Por demais dispendiosas e encharcadas de uma mentalidade política intervencionista, demagógica, inevitavelmente arrogante, no sentido de propagar ideias onde um grupo de indivíduos será o guardião do bom andamento de questões complexas que envolvem regras e relacionamentos profissionais, em uma sociedade sob enorme dispersão de conhecimento. O que se verifica na prática? Não conseguem aplicar as legislações com o rigor da “letra morta” e multiplicam líderes que se pautam na luta para permanecerem com a batuta, com grupos marginais que cobiçam o mesmo poder, mantendo exatamente a mesma mentalidade de planejamento central.

Os conselhos profissionais acabam assim sendo um espaço para o surgimento de questões que se assemelham às mais infames que a dita “classe política” convencional protagoniza, porque estão em um modelo de organização sob a égide de “democrática”, ao mesmo tempo coercitiva que acaba favorecendo oportunistas pelo baixíssimo risco econômico, amparados pelo corporativismo no gasto do dinheiro alheio. Conselhos profissionais, como estão no Brasil, jamais serão entidades decentes ou será que estou enganado em relação a exageros com gastos em eventos e viagens sempre para lugares com forte apelo turístico e em hotéis de luxo? Não… De forma alguma…

Outro problema está no uso da representatitivade em torno de um aparato que explora a coerção. Usando um termo corriqueiro no mercado financeiro, a política no âmbito do “Estado Democrático de Direito” gera um “benchmark” da sociedade de eleitores; um indicador médio geral da “ética da polis” (πολιτική) e sendo assim, não necessariamente carece de uma qualidade moral entre os vencedores de um pleito. E quando se tem um aparato de coerção sobre os “vencidos” e os “indiferentes”, o  que prevalece é uma relativa maioria que, não raramente, se vicia em trocas de favores para se financiar no processo contínuo de preservação no poder, provocando uma persistente degeneração moral.

Quando vejo pessoas, até bem intencionadas, pretendendo mudar os conselhos profissionais, percebo o quanto estão iludidas tratando de um problema estrutural, confundindo sintomas com causas, achando que podem lidar com a dispersão do conhecimento mantendo a mentelidade de planejamento central. Por mais imaculadas que sejam nas intenções, a estrutura não está voltada para satisfazer pessoas por livres trocas; onde há compulsão, isso se torna inviável. Então, o que penso como uma possível solução? Quebrar o monopólio para regular, fiscalizar e cobrar anuidades, que passariam a ser optativas, ou seja, tratar os conselhos como entidades privadas.

Creio que é melhor dar um exemplo sobre o que costuma ocorrer quando uma organização privada, em um mercado mais agressivo em termos de concorrência, tem sua credibilidade na cúpula posta à prova. Várias entidades que recebem recursos (a maioria de fonte internacional) por liberalidade de seus contribuintes, sabem que precisam prezar por boas práticas de gestão, transparência e contabilidade, muito embora não estejam livres do problema da corrupção. Conselhos ou agências certificadoras operando como entidades privadas, sem monopólio, tendo que se qualificar constantemente nos processos de avaliação, por causa da concorrência entre si, respeitando profissionais por opções de escolha até mesmo para não se registrarem.

O que aconteceria se em uma entidade beneficiada pelo monopólio, tivesse o seu presidente condenado, mesmo que em primeira instância, por algum problema de corrupção ou outro desvio de conduta? E se fosse uma entidade mantida por adesão voluntária? Os que mantêm pagariam para ver o desfecho ou, não havendo uma imediata providência, trocariam para uma certificadora sem esse tipo de problema envolvendo a cúpula? Será que uma entidade que não conta com monopólio, tampouco anuidades compulsórias, tendo que concorrer com outras, deixaria no comando alguém sob intenso abalo de credibilidade moral ou apelaria para uma longa apuração interna? Como se dá o encaminhamento de um escândalo envolvendo a alta cúpula de uma empresa privada? Os diretores envolvidos são preservados ou imediatamente demitidos?

Acionistas, investidores, clientes, fornecedores, parceiros, aguardariam por um longo processo de sindicância, enquanto o comando da empresa segue nas mãos de alguém seriamente questionado quanto à idoneidade? Corrupção, tramoias, fraudes, incompetência há em todo ambiente, mas em entidades privadas que têm que lidar com a concorrência, tais situações representam a linha entre a preservação e a falência.

O senso comum reconhece que quando o impacto é no bolso, parece que as coisas funcionam melhor. O mercado é formado por agentes livres que decidem onde, como e quanto querem aplicar recursos, o que é um santo instrumento cruel de “ajuste de conduta” de tudo que oferece serviços, mas quando há forte influência do Estado concedendo privilégios, o cenário muda, o juízo de quem demanda (e banca) fica em segundo plano em favor de critérios não meritórios, e prevalecem corporativismos típicos da política.

Portanto, conselhos profissionais mantidos financeiramente por espontânea adesão, cujo pagamento de anuidades ficasse a juízo livre dos profissionais, passariam a ter um sentido racional econômico e social. Seus gestores teriam que prezar por transparência e excelência na prestação de serviços; teriam que “correr atrás” de profissionais interessados em uma certificação. Como agiriam diante de um problema de fraude e/ou corrupção? Seriam os típicos políticos que militam no meio estatal ou das autarquias, usando o poder corporativo do Estado para se protegerem de investigações? Seus mandatários estariam mais preocupados em satisfazer o governo ou os profissionais que livremente aderiram à entidade?

Talvez se pense algo que sendo facultativo o ingresso, significaria a extinção de tais entidades. Só em u hipotético livre mercado de agência privadas de qualificação é possível ter a resposta, pois o que tem sentido na mentalidade dos mantenedores dos negócios (os clientes), permanece, e o que não tem, simplesmente desaparece por imposição dos demandantes. No livre mercado, empresas abrem e fecham por juízo dos consumidores; em um livre mercado, o CFC privado sobreviverá se for suficientemente competitivo.

Um outro aspecto que considero importante é o CFC, sendo privatizado, devolver aos contadores todos os valores em CAIXA, assim como transformar em liquidez imediata seus ativos do imobilizado, para também devolução, abatendo o passivo, tudo na proporção do que os registraram pagaram. Assim será feita a justiça com os pagadores de anuidades e a competição partirá de uma condição de capital espontânea e no com uma entidade coercitiva que se tornou milionária à frente, como é o caso atual do CFC.

E como seria a fiscalização dos profissionais? Fiscalização e certificação de qualidade de serviços são serviços que interessam aos profissionais e aos consumidores que demandam os profissionais, e achar que o fim de um monopólio regulatório/fiscalizatório representaria o fim da fiscalização é ignorar as vontades dos consumidores e o interesse de profissionais de tornarem públicas suas qualificações, para servir de uma (entre outras) referência na complexa tarefa dos consumidores em saber quem é ou não é competente naquilo que se dispõe a fazer.

Em suma, imagino mais “ISO9000” e menos CFC, Cofecon, OAB, etc. Quanto à regulação, a formação de um conjunto de regras comuns sobre práticas para apresentação de demonstrações contábeis e outros pareceres, formalizadas em um contrato, obviamente aceitas por livre adesão de agências prestadoras de serviços de aferição de qualidade, seria um caminho a se meditar.

Conselhos certificadores autônomos, privados, custeados livremente, concorreriam entre si para oferecer os melhores métodos de avaliação de profissionais e cursos para capacitações. Livre concorrência entre certificadoras contábeis, abertura para uma agressiva competição em suma é o que proponho, coisa por sinal amaldiçoada por quem vive agarrado nas conveniências estatais no Brasil.

 

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