[1] Não importa onde ou com quem você está, se em profunda amargura ou na mais absoluta solidão. Não importa se está em condições muito adversas, em dores, desalentos… Há um dom que todo ser humano possui para encontrar paz dentro de si: é isso que a história, pelo testemunho da fé, tem me ensinado.

Nesses tempos em que o cansaço expõe minhas debilidades e provoca tristeza, com um tsunami de coisas tão diferentes para fazer me colocando à prova física e emocionalmente, convirjo à história da fé que me vem à mente como um presente do Espírito Santo para me consolar e encorajar.

Quando fecho os olhos e penso no Altíssimo, encontro essa paz imediatamente, sem qualquer impedimento; não importam minhas condições. Essa paz vem aos meus sentidos para que eu desfrute de seus dons e me livre de toxinas do mundo que me afastam do Criador. E eis que fui às Escrituras para contemplá-la em torno dos dramas como uma luz no meio caos. Pensei na vida de Daniel, atirado na cova dos leões e no anjo que cessou a boca das feras (Dn 6.23), uma ilustração dessa paz diante de uma ameaça real. Em seguida meditei em Santo Estevão, nos momentos antes de ser apedrejado, vendo os céus se abrindo e Cristo Jesus à destra do Pai (At 7. 55), encontrando essa paz gloriosa à caminho da morte, cuja serenidade e amor pelos agressores se revelou quando pediu ao Senhor Todo-Poderoso que não levasse em conta o pecado de quem só lhe atirava pedras.

Imaginei São Paulo prisioneiro em Roma, apresentando sua primeira defesa em profunda solidão, abandonado, enfrentando a justiça do maior poder estatal de todos os tempos, para no final sentir essa paz que o “libertou da boca do leão” (II Tm 4.16-17). Toda vez que medito sobre São Paulo em Roma, penso nos lugares próximos por onde ele caminhou e nas minhas passagens pelo Coliseu, imaginando a mesma paz consolando e fortalecendo os primeiros cristãos, vítimas no meio do terror que os acometeu; crianças, idosos, pessoas vulneráveis oferecidas às feras para um macabro divertimento da massa naquela arena hoje cujas ruínas são tão cultivadas por turistas do mundo inteiro. Então medito em meio a muitos que se sentem realizados, felizes, tirando fotos ali e mergulho em memórias da antiguidade para refletir que, na perspectiva atual, foi como um “Auschwitz” dos primeiros heróis da fé. É um lugar de reverência e homenagens a quem encontrou paz no meio da agonia por causa do testemunho da fé.

Essas histórias ganham profundidade quando percebo que todos nós podemos experimentar essa paz bem no meio das dores, dos temores, do luto, das fragilidades, do profundo estresse; é uma serenidade que vence o mundo, nos confortando e nos preparando para prosseguirmos, de maneira que não sabemos exatamente como esse processo ocorre e toma conta do nosso interior; simplesmente fazemos pelas forças que se originam em consumação com a fé. Essa paz nos impele a abraçarmos a nossa própria vida, é uma ordem de entro para fora, assim como nos torna capazes de motivarmos aqueles que ainda não a experimentaram na dimensão interior dos pensamentos; uma paz que triunfa sobre perdas inestimáveis, desilusões, traições desprezos… Uma paz para pessoas dilaceradas que fala no silêncio das noites que parecem sem fim, diante de todas as coisas que tentam nos desumanizar, nos humilhar ou nos fazer parecer derrotados em definitivo, nos dando suporte em situações onde só Deus pode estar conosco. É uma paz que surge onde pensamos que chegamos ao nosso limite, quando a tortuosa frase “não dá mais!” se estampa pelos pensamentos, onde aparentemente estamos em total desalento pelo cansaço e pela tristeza que nos dominam. A paz do Senhor.

Essa paz graciosa se torna cada vez mais experimentada na medida em que a esperança se nutre mediante uma fé que inspira atitudes, decisões. Sua força imaterial se revela pela coragem de ser e fazer. Não é uma paz que se relaciona com a fé de palavras apenas; é concreta, real, um organismo vivo pelo qual fazemos parte quando agimos. Quando penso em meus defeitos, fraquezas, essa paz mostra que posso melhorar enquanto aponta as minhas virtudes e clarifica que estou diante de desafios para me tornar uma pessoa melhor. Nada importa para ela, sublime, doce, forte, reinante, superior, e ao mesmo tempo humanizada, diante de todas as coisas amargas, negativas, injustas, as quais estou sujeito. Não há violação, ódio e maldade no mundo que prevaleça sobre ela.

É uma paz possível, disponível, quando fechamos os olhos e nos remetemos ao Criador com toda a ansiedade e melancolia. Uma paz graciosa que se estabelece na harmonia de dons com Ele e nos dá um sentido para a vida. Essa paz teve a sua apoteose no meio da mais profunda agonia que Cristo Jesus experimentou na Cruz antes do último suspiro:

“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.” (Lc 23.46).

 


 

Nota:
  1. Este texto partiu de uma tradução de Paix au milieu de l’agonie.

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