A obra de Richard Preston (USA/Massachusetts, 1954) parte da história de como se deu, em 1989, nas instalações do laboratório de pesquisa de Reston, no estado da Virginia, EUA, um surto de um filovirus (do latim filiforme, significando “compridos e finos”) cuja família foi descoberta, até então, a partir do vírus denominado “Marbug”, descoberto na cidade que deu o seu nome, na Alemanha, em 1967, após sete humanos, dos 31 infectados, terem falecido mediante infecção provocada por contato com primatas de Uganda, que estavam em um laboratório de pesquisas.
Um novo filovirus foi descoberto em 1976, primeiramente no Sudão, e logo depois próximo ao rio no Zaire que dá o seu nome: Ebola, provocando uma doença parecida com a do Marbug, com sintomas devastadores em comparação ao que faz o atual coronavírus e suas variantes que geram a covid-19. De origem desconhecida, se cogita que tenha se propagado inicialmente na caverna Kitum, no Quênia, situada às margens do Lago Vitória, em meio a teses que envolvem fezes e urina de morcegos em contato com seres humanos que adoeceram de uma misteriosa doença hemorrágica .após terem passado pela caverna.
O então novo filovirus africano Ebola e suas variantes se apoderam rapidamente consumindo o corpo humano e de macacos com letalidade altíssima; cerca de 90%, e neste ponto resulta um debate sobre a capacidade de se espalhar como ocorre atualmente com o potencial epidêmico do novo coronavírus em um mundo cada vez mais integrado, porque enquanto o novo coronavírus é mais lento para evoluir em comparação com os filovirus, o que contribui na propagação durante a incubação, provocando normalmente um quadro de infecção que mata com uma taxa bem menor, na mesma comparação, os filovirus que causam as variantes do Ebola são rápidos no agravamento do quadro clínico e muito mais mortais.
Fato é que, dando sequência ao Marbug, da mesma família, o Ebola provoca diarreia, vômitos, febre, cefaleia, sangramentos nos olhos, de onde vem relatos de que se “chora sangue”, atingindo mais sangramentos no nariz, na gengiva, nos ouvidos, incluindo inflamação em áreas íntimas, com alguns casos de mudança da coloração da íris que ficam esverdeadas. O estado avançado da infecção é identificado com o surgimento de manchas e bolhas de sangue na pele, espalhadas em várias partes do corpo, que vai definhando e entrando em estado de choque pela hemorragia generalizada. Foi identificado que tem alta capacidade de contágio com evidências de se propagar pelo ar, considerando que macacos até então saudáveis em Reston foram infectados estando em áreas sem contato direto com macacos infectados, cuja remessa foi de 100 unidades adquiridas que, por regra de segurança, entraram em isolamento ou quarentema. Cogita-se a possibilidade do contágio ter ocorrido por jatos de água usados na limpeza de gaiolas, supostamente propagando o vírus pelo ar de uma área para outra, infectando também os humanos que faziam o serviço. Contudo, o contágio indiscutível do filovirus Ebola é o que se dá direto por secreções.
Uma dos registros mais dramáticos no livro está na decisão de forças militares do Zaire em tocar fogo em casas e demais construções, no surto de 1976, incluindo corpos espalhados por vias, dizimando totalmente vilarejos, na tentativa de evitar a propagação do vírus. Um outro momento dramático é registrado no problema central do livro: em 1989, com a decisão de se realizar uma operação militar em Reston para sacrificar cinco centenas de macacos e acabar com as instalações que ficavam a cerca de 10 km da sede do governo dos EUA. Em um dos momentos de extremo desgaste físico e emocional, a doutora veterinária Nancy Jaax, coronel do exercito dos EUA, que se destaca na obra pela coragem e determinação no trato com o vírus, fecha os olhos de um macaco que recebeu a injeção letal e deixa transparecer seus sentimentos de amor e pesar pelo que estava sendo feito com os animais em meio a uma ameaça do surto ganhar o território americano.
Segundo a obra, o surto no laboratório militar dos EUA não se deu por vazamento do que se tinha em estudo, à época, onde participava a doutora Jaax, no uso de amostras de sangue da enfermeira Mayinga, que faleceu da doença em 1976, enquanto tratava de pacientes no surto ocorrido no Zaire. Os surtos que vieram acabaram dando maior visibilidade ao problema do vírus ser tão destrutivo, sem vacinas até então, estando no mais alto nível de risco, exigindo todo um aparato de vestimentas e máscaras especiais para lidar com áreas suspeitas de sua presença. No caso do laboratório de Reston, o surto ocorreu por macacos infectados que vieram das Filipinas, sendo então uma fonte diferente que revelou uma outra variante do vírus, que passou a ser chamada de “Reston” que, aparentemente, não provoca os sintomas das variantes bem mais agressivas do Zaire e do Sudão, apontadas na obra, quando seres humanos nos EUA, que tratavam dos animais na “casa dos macacos” ou trabalhavam no laboratório, foram expostos e deram positivo.
Na parte final do livro, uma lição está na compreensão de que o vírus é uma resposta das florestas e suas “virusferas”, ou seja, ecossistemas repletos de vírus e bactérias altamente nocivas aos humanos que, na medida em que foram se adaptando à vida em cidades, também foram destruindo matas nativas, queimando florestas, forçando um contato maior de animais silvestres que perderam seus habitats naturais. O caso da árvore da Meliandou (P.S.) que provocou a “chuva de morcegos” expulsos de uma queimada no troco, é muito mais que uma mera ilustração de preocupação ambientalista, na percepção de quem não leva a sério as questões ambientais, ao contaminar uma criança que brincava por perto e teve contato com resíduos de morcegos que caíam. O Ebola, assim como o HIV (AIDS) parecem ser a natureza devolvendo ao agressor humano determinados efeitos de sua falta de respeito pelo meio ambiente, pensando que pode manipular tudo na natureza sem grandes e graves consequências, assim como no hábito de se consumir alimentos com base em morcegos, raposas voadoras, uma tradição entre nativos no oeste africano, que acaba sendo uma forma de desenvolvimento de mutações de vírus para adaptações em humanos que provocam variantes e novas doenças infectocontagiosas. Em tempos de asiáticos sendo apontados como consumidores de morcegos que supostamente causaram o desenvolvimento do novo coronavirus em humanos, vale lembrar a prática entre nativos africanos parece ser um tanto “esquecida” no momento, enquanto se investigam evidências de que são preponderantes para o surgimento de vírus letais como as variantes do Ebola.
Os vírus estão nas florestas e todo ser humano carece de ter respeito profundo pela natureza; ao adentrar nesses ambientes, deve ter consciência de que não está mais adaptado aos mesmos, cabendo se reconhecer como um agente estranho, muitas vezes tão somente um intruso, demandando assim humildade, prudência e zelo pela preservação de ambientes selvagens, onde a natureza com suas leis, é impessoal e segue por caminhos onde as ciências sempre estão sempre passos atrás.
Por fim, diante da tragédia global do novo coronavírus, considerando o problema da propagação, cabe pensar sobre o que seria dos atuais sistemas de saúde governamentais e privados se uma variante do filovirus Ebola conseguisse sair do âmbito dos repetidos surtos na África e atingisse o resto do mundo, apesar das recentes vacinas desenvolvidas contra o Ebola Zaire? [1]
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