Do alto da montanha despachei meu velho amigo de infância e eis que vejo a proximidade da primavera o vendo com planos para férias tão aguardadas enquanto duas vezes adiadas. Neste lindo final de semana ele apreciou melhor a própria ignorância e veio me falar sobre as distrações do Panem et Circenses.
Reza o dito de que “Rome ne fu pas faite toute en un jour” [1] (Roma não foi feita em um dia) e as guerras de conquista de 343 a 273 antes de Cristo [2], deram o tom preparando o terreno para o maior império de todos os tempos até então. Roma tinha se tornado uma república após o golpe que derrubou a monarquia na tragédia de Lucrécia em 509 a. C, e eis que Roma foi crescendo com o Senado controlado pelos Patrícios, considerados descendentes dos fundadores, naquele esquema que bem conhecemos onde há uma elite que finge ajudar os pobres, no caso romano os plebeus, lhes concedendo alguns “direitos” para escolha de “representantes”, possibilitando até o casamento misto (entre patrícios e plebeus). Os debutantes dos bastidores do poder se corrompiam rapidamente no jogo do toma lá, dá cá, procurando atender a interesses em torno do corporativismo do estado que crescia se especializando em implantar uma democracia mais sofisticada, se comparada com o que os gregos entendiam do conceito, inculcando a ideia de pax, modernizando o estado com hierarquias, cúrias, prefeitos, procuradores, juízes e, claro, a “Receita Federal” da época, formado pelos publicanos para coletar os impostos, enquanto organizava suas legiões de forma coordenada militarmente para conquistar cidades vizinhas submetendo os povos invadidos que tentavam inutilmente resistir com ações isoladas, por conta própria, sem articulação.
O estado republicano romano após humilhar seus vizinhos que tentavam de tudo para evitar as pilhagens quando resistiam às forças romanas, até mesmo trazendo comandantes estrangeiros, como no caso do rei Pirro, Epiro e Macedónia, tendo um relativo sucesso no início com seus elefantes, mas sendo humilhado no final. Após a vitória de Roma, se iniciava um processo de “romanização” dos derrotados lhes permitindo alguma autonomia, sem conceder plena liberdade política, consoante a este ponto parecendo um pouco com o que faz a China atualmente com Hong Kong. Os interesses políticos da Urbe eram negociados em concessões calculadas, limitadas, de maneira que dividiam politicamente os povos submissos que não podiam construir uma coordenação entre si para tentar um levante para anular o domínio romano que se expandia na península. O Senado romano aplicava o Divide et Impera ou seja, dividindo politicamente os potenciais inimigos , representados pelas cidades invadidas, para enfraquece-las e assim imperar sobre elas enquanto se distraiam com as concessões. Diz o historiador Montanelli [3] que as legiões romanas foram avançando pela Itália sem ter mapas, e sem conhecimento em termos teóricos praticava o princípio Lebensraum ou seja, o “espaço vital” onde para viver e respirar é necessário anexar territórios continuamente e assim foram descendo ao sul e conquistaram Nápoles, Malevento (que virou Benevento), e outras cidades até chegarem ao mar. Neste ponto, não havia poder na Itália capaz de fazer frente à Roma e seus militares disciplinados em legiões; a península estava em plena romanização, entenda-se, imposição de uma ideologia em torno de um poder central implacável com traidores, agora educados em uma só língua, o latim, com a implantação de um modelo de ensino para formar cidadãos mais leais ao sistema político cuja aristocracia estava lidando com a tarefa de administrar uma imensa península e não mais uma cidade próspera. Neste cenário, em meio a inúmeras guerras e conflitos internos pelo poder, que corrompe e é insaciável, não demoraria muito para surgir a ideia de um “homem forte” tomando conta do comando político e isso não surpreenderia se fosse originado de um líder das legiões, um sujeito de alta patente e que tivesse no currículo grandes conquistas. Na política, a medida em que o poder vai aumentando, vai surgindo a necessidade de um “homem forte” e isso até hoje ocorre.
E eis que foi na base do Divide et Impera que Roma migrou paulatinamente de um regime de república de aristocratas, que se perderam na inevitável corrupção, por um estado que se avolumava, para se tornar um império, um estado carregado de mais corrupção e violência, processo que levaria mais 224 anos adiante quando o general Gaius Iulius Caesa (Júlio César) se tornou ditador da república em 49 antes de Cristo, promovendo uma canalização da burocracia para mais controles centrais, abrindo o período final de transição, que seria consolidado em 27 antes de Cristo, quando, Gaius Iulius Caesar Octavianus Augustus (Augusto César) formalizou o inevitável: Império!
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Notas
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Ver Li Proverbe au Vilain, de Adolf Tobler (1895)
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História de Roma, do historiador e jornalista italiano Indro Montanellim (Itália/Fucecchio (1909-2001), edição em espanhol;
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Ver o capítulo VII, Pirro da obra da nota 2
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