Uma leitura ao dia segue em um caminho de silêncio para certezas que empobrecem a alma. Junho se abre com Merry Christmas, Mr. Lawrence, do mestre nipônico Ryuichi Sakamoto (Japão/Tóquio, 1952-2023).

30/06/2023 22h14

Imagem: Recanto do Poeta

Paul Valéry

“Le phénomène de la mise en exploitation du globe, le phénomène de l’égalisation des techniques et le phénomène démocratique, qui font prévoir une deminutio capitis de l’Europe, doivent-ils être pris comme décisions absolues du destin ? Ou avons-nous quelque liberté contre cette menaçante conjuration des choses ?”

Obra: La Crise de L’Espirit. DEUXIÈME LETTRE.  Œuvres de Paul Valéry. Tome IV. Éditions de la N.R.F., 1934, Paris. De Ambroise-Paul-Toussaint-Jules Valéry (France/Séte, 1871-1945).

Talvez se cria liberdade na sua busca onde é preciso abandonar por um tempo os conjuntos, pensa, e aqui entendo como referência ao “coletivo” ou “social”, o que fica mais claro quando argumenta que também é preciso estudar o indivíduo pensante acerca da luta da vida pessoal com a vida social (p. 21).

Esta carta, disposta no Tomo IV das obras deste grande filósofo e poeta francês, foi publicada em 1919 (p. 21) e fiquei a pensar no quanto a Guerra Mundial, que seria a primeira, impactou sua geração de intelectuais onde conceitos sobre liberdade e coletividade devem ter ficado à flor da pele e um traço desse sentimento pode ser notado quando afirma na primeira carta que “como se em defesa desesperada de seu ser e do seu ter fisiológico – à sua memória voltou confuso. Grandes homens e grandes livros voltaram desordenadamente. Nunca lemos tanto, nem tão apaixonadamente como durante a guerra: pergunte ao livreiros.” (p. 3).

Mas o mundo de Valéry ainda seria mais duramente impactado com a ascensão do fascismo, do nazismo e da consolidação do stalinismo, na década seguinte.

29/06/2023 23h30

Imagem: Erich Fromm.net

Erich Fromm

“Grande parte da propaganda moderna é diferente, não apela para a razão, mas para a emoção; como qualquer outra espécie de sugestão hipnótica, procura impressionar seus objetos emocionalmente e, depois, fazer com que se submetam intelectualmente.”

Obra: O Medo à Liberdade. Capítulo IV – Os Dois Aspectos da Liberdade Para o Homem Moderno. Zahar Editores, 1983, Rio de Janeiro. Tradução de Octávio Alves Velho. De Erich Fromm (Alemanha/Frankfurt, 1900-1980).

Uma leitura muito interessante do mesmo período em que apreciei Marcuse pela prima volta e que serve como exemplo de que ter reservas a uma escola de pensamento (algo normal e saudável na arte de pensar) não significa desprezar o que pode ser bem aproveitado em termos reflexivos.

No trecho (p. 108), Erich Fromm compara a propaganda moderna (cabe considerar que a edição original é de 1941) mediante o agente de consumo, o “freguês”, com a dos últimos decênios, a se referir ao antigo negociante que era, em sua análise, “essencialmente racional” enquanto vê a moderna baseada em estímulos a fantasias para destruir a capacidade crítica em processos “intrinsecamente irracionais” onde a qualidade das mercadorias nada tem a ver (p. 109). Penso ser interessante também considerar a análise que faz da visão que entendeu sobre o homem medieval de negócios onde, na sua avaliação, o capital o servia enquanto no moderno é o seu senhor (p. 95), assim como na análise que faz sobre as influências da teologia protestante, o que me lembrou Max Weber.

A propaganda política seria diferente? Não importa o lado, explorar emoções e canalizar energias dos sentimentos, apelar às carências para conduzir a massa ao clamor por coisas irrealizáveis a fazer bastante uso da repetição (mais uma vez penso no tempo em que produziu a obra, em meio à massiva aplicação da propaganda ideológica, como se deu no nazismo) a visar manipulação em grande escala, não seria o lugar comum onde políticos “vendem” suas propostas a eleitores ou “fregueses” até os dias atuais? O progressismo, reduto repleto de mentores inspirados na Escola de Frankfurt, também não faz intenso uso da propaganda para submeter intelectualmente seus apoiadores em termos análogos ao que o capitalista moderno aplica na promoção de bens e serviços?

O que Erich Fromm pensaria se tivesse vivenciado os tempos da mídia da internet e das redes sociais?

Cada vez mais tenho a impressão de que o trabalho publicitário evolui na medonha arte de produzir conteúdo para idiotas.

28/06/2023 22h12

Imagem: marxist.org

Herbert Marcuse

“Urna falta de liberdade confortável, suave, razoável e democrática prevalece na civilização industrial desenvolvida, um testemunho de progresso técnico. De fato, o que poderia ser mais racional do que a supressão da individualidade ~a mecanização de desempenhos socialmente necessários, mas penosos; a concentração de empreendimentos individuais em organizações mais eficazes e mais produtivas; a regulamentação da livre competição entre sujeitos econômicos desigualmente equipados; a redução de prerrogativas e soberanias nacionais que impedem a organização internacional dos recursos?”

Obra: A Ideologia da Sociedade Industrial. Sociedade Unidimensional. Zahar Editores, 1973, Rio de Janeiro. Tradução de Giasone Rebuá. De Herbert Marcuse (Alemanha/Berlim, 1898-1979).

Foi sedutor para aquele jovem rapaz, dada sua inclinação marxista, com um pouco mais de vinte primaveras, ser apresentado ao criticismo de um ícone da Escola de Frankfurt, há 28 anos. Mais sedutor ainda foi ter lido pela primeira vez este capítulo de Marcuse a abordar a sociedade produtiva de propriedade privada e “desconstruir” o conceito de liberdade no empreendimento (p. 24) pela (hoje entende caduca) contestação marxista acerca do significado de sua aplicação mediante o capital privado com uma crítica de suas relações (sempre indecorosas) com os vetores políticos.

Nesta releitura, saiu o jovem e ficou um sujeito um tanto mudo, reinicializado por austríacos inconvenientes, que percebe Marcuse a dizer a mesma coisa como se fora uma novidade, assim como entende que fora algo que se tornou mais prático de ser concebido pelo venerado sociólogo alemão, após duas décadas das duas experiências extremas do capitalismo de laços no século XX: o fascismo e o nazismo.

Então aquele jovem ingênuo rapaz ficou ainda mais confortável em sua bolha dos anos 1990, guiada por professores neokeynesianos empolgados com a tal escola e ler que a sociedade industrial contemporânea “tende a tornar-se totalitária” e que tal termo não se refere a “coordenação política terrorista da sociedade”, mas também uma “coordenação técnico-econômica-não-terrorista” (p. 24), foi a coisa mais “esclarecedora” que tinha apreciado até então. Nenhuma voz o lembrou naqueles dias que o que entendia por “socialismo” era exatamente o aparelhamento no que Marcuse se reporta ao “poder político” como forma que “se afirma através dos seus poderes sobre o processo mecânico. e sobre a organização técnica do aparato” (p. 25) e que tal “aparato”, visto como um problema consoante ao modo capitalista, não só jamais seria superado pelo desastroso planejamento central, como se tornaria ainda mais poderoso na assimilação de ideias progressistas. No entanto, só poderia mesmo enxergar essa verdade longe dessa obra de Marcuse e das aulas que recebera de militantes docentes.

Por enquanto, nos anos 1990, aquele jovem sonhador seguiria a ver o mundo sob lentes onde o capitalismo, de uma forma ou de outra, não importa se sem freios, sem regulações, ou mais controlado pelo Estado, se resumia ao que não fazia o menor sentido, sendo a frustração com o fim da URSS uma “lição” enquanto encontraria em outro vulto dessa escola (Erich Fromm) a crítica conveniente que precisava para desqualificar o ocorrido em comparação com seus devaneios e assim se manter confiante na fé de que a engenharia salvadora da humanidade ainda não tinha debutado.

E os sonhos de um (utópico) mundo justo socialmente, planejado e bem conduzido por anjos na política, dez anos adiante, desabaria no segundo andar da Anchieta.

27/06/2023 21h58

Imagem: InfoMoney

Frédéric Bastiat

“Mas se, por outro lado, você chegar à conclusão, como acontece com muita frequência, que é bom quebrar janelas, que faz circular dinheiro e que o incentivo à indústria em geral será o resultado disso, você me obrigará a exclamar: “Pare aí! sua teoria está confinada ao que se vê; não leva em conta o que não se vê”.”

Obra: O Que se vê e O Que não se vê. I. A Janela Quebrada. Montecristo Editora, 2021, São Paulo. Tradução de Lúcio Jakobsmusche. De Claude Frédéric Bastiat (France/Baiona, 1801-1850).

Antigamente era mais comum (e fui um desses) meninos a bater uma “pelada” descalço nas ruas do Arruda e do Cajueiro onde poderia sobrar uma bolada aqui, outra acolá em alguma janela de vizinhos, mas hoje as coisas são um tanto virtuais, diria; a vida lúdica definha em games e redes sociais…

E o que seria dos vidraceiros se as janelas não fossem quebradas? Quantos meninos traquinos precisamos para aquecer o mercado de vidraças? Apetece-me a ironia fina nas metáforas de Bastiat. Se o vidraceiro executa o reparo e fatura R$ 200, eis o que se vê. Já o o que não se vê é que seu Zé da Bodega poderia ter aplicado este recurso no próprio negócio ou em si mesmo em vez de destiná-lo a cobrir a janela quebrada.

A metáfora da janela quebrada me fez lembrar certa ocasião em que encontrei um típico marketeiro de quinta categoria, sujeito cafona muito comum no meio de TI que atua como vendedor de software “contábil”, entenda-se aplicativo especializado em manicômio tributário para despachante chamado de “contador”, em uma discussão um tanto rara no infantilizado meio de “contabilistas”, provocada por um sujeito inconveniente que não tinha o que fazer e suscitou o velho problema do gasto elevado de recursos financeiros, humanos e de tempo em empresas para atender às obrigações acessórias do fisco porém, segundo o lobista de TI, as críticas eram injustas pois as obrigações do fisco “geram muitas oportunidades de emprego e negócios, portanto não devem ser mal vistas”.

A hiperburocracia é meio pelo qual muitas “vidraças” do meio produtivo são quebradas no Brasil mediante as dificuldades criadas pelo governo, para o deleite de “vidraceiros” que vendem seus “reparos” em forma de pacotes de serviços “contábeis” e sistemas de TI para “facilitar” o trato de certas aberrações sobre quem abre empresa para gerar riqueza e não deseja suportar custos com burocracia fiscal que poderiam estar alocados no próprio negócio.

26/06/2023 00h02

Imagem: military-history

Niccolò Machiavelli

“Dico, adunque, che l’arme con le quali un principe defende il suo stato proprie o le sono mercennarie, o ausiliarie o miste. Le mercennarie et ausiliarie sono unitile e periculose; e, se uno tiene lo stato suo fundato in sulle arme mercennarie, no starà mai fermo né sicuro […]”

Obra: Il Principe. CAP.12, Di quanti ragione sia la milizia, e de´soldati mercennari. Luigi Firpo, Einaudi, 1961, Torino. De Niccolò di Bernardo dei Machiavelli (Repubblica di Firenze, 1469-1527).

Em O Príncipe, Maquiavel abre o capítulo 12 a tratar sobre questões que pautam o governante diante da preservação de seu poder à frente do Estado. Segundo Maquiavel, os principais fundamentos que o príncipe deve atentar dizem respeito a dispor de boas leis e boas armas. Neste capítulo se pauta no segundo fundamento e aponta que as armas que o príncipe defende seu Estado podem ser próprias, mercenárias, auxiliares ou mistas. Entende que as mercenárias e auxiliares são inúteis e perigosas. Se o príncipe se basear sobre armas mercenárias, nunca estará seguro porque tais forças são “desunidas”, “ambiciosas”, “sem disciplina”, “infiéis”, “corajosas entre amigos”, “covardes entre inimigos”, “sem o temor de Deus”, “nem fé com os homens”; o príncipe é despojado na paz por elas, e na guerra pelos inimigos (p. 43).

Mercenários se pautam apenas por interesses econômicos (salariais) e na medida em que o príncipe se envolve em conflito armado que se alonga enquanto faz uso de mercenários, o problema vai se agravando. Então Maquiavel indaga se a ruína da Itália não seria causada por recorrer em muitos anos a armas mercenárias. Argumenta que capitães mercenários podem ser excelentes mas neles não se poder confiar porque sempre aspiram à própria grandeza (p. 44). A experiência indica que repúblicas amadas, no sentido de terrem suas forças militares próprias, sem recorrer a mercenárias, fizeram grandes avanços, enquanto as que usam mercenários apenas sofreram danos. Cita Roma e Esparta como exemplos de Estados armados e livres, e os cartagineses como exemplo de opressão oriunda de mercenários contratados para lhes defender, entre outros exemplos onde reis e rainhas sofreram e perderam reputação por não contarem com forças de combate próprias e suficientes.

25/06/2023 15h28

Museu do Louvre

“Cette ville nouve’le n’était défendue par aucun ouvrage. Philippe résolut de la fortifier. Il trouva auprès des bourgeois une aide d’autant plus empressée qu’il protégeait les commerçants de la ville et favorisait en part.culier les marchands de l’eau, intéressés à la sécurité de la navigation. Le roi ordonna ” d’en- tourer la partie de Paris située au Nord de la Seine d’un mur continu bien garni de tourelles et de portes l’Auxerrois était une paroisse fort étendue : Chaillot et Villiers relevaient de cette église. Son fief était limité au Nord par la rue Saint-Honoré, à l’ouest par la future rue des Poulies. On recontrait ensuite le fief du prieuré de Saint Denis-de-la-Chartre. le fief Fromental. le fief de l’évêque de Paris qui entourait les trois précédents. A la jonction de ces quatre fiefs, hors de l’enceinte, le roi pour défendre l’accès de Paris et le cours de la Seine, bâtit un château.

Ce château, c’est le Louvre.”

Obra: Histoire du Louvre. Le Chateau – Le Palais – Le Musée. 1200-1928. Chapitre Premier. Le Louvre de Pliilippe Auguste. L’illustration, 1958, Paris. De Louis Hautercouer (France/Paris 1884-1973).

Obra de Hautercouer, historiador de arte. Para entender a alma francesa, à mon avis, é necessário conhecer a história do local onde pulsa o coração de Paris e que hoje acomoda o maior museu do mundo. O Louvre certamente se chama assim porque foi um lugar de caça, habitado por lobos (loup, loupara, p. 2)) e que começou a ser ocupado como castelo medieval para defesa contra piratas normandos, cujo ducado pertencia à coroa inglesa, atuantes que usavam o Sena há quatrocentos anos (p. 1) do início da construção no local, que se deu no reinado de Felipe Augusto (Filipe II, 1165-1223, 1180-1223), em um período de cruzadas e expansão urbana de Paris, sendo provável que tenha sido iniciada ao mesmo tempo em que se levantou o muro que começou a cercar à margem direita em 1190 (p. 3), em junção a um sistema que estava ligado a torres, portões e mais quatro fortalezas.

No final do século XIII, a fortaleza do Louvre era tão robusta que serviu de depósito para os tesouros reais (p. 5). Desta antiga fortaleza restou um traço do pavimento do pátio (das escavações de 1866) algumas paredes, uma cisterna e uma sala escavada (1882-1883) por baixo da sala das Cariátides (p. 5). A fortaleza dos tesouros não seria resistente o bastante quando ocorreu a ocupação inglesa de Paris, em 1420, na guerra dos cem anos. Iniciou-se um tempo de decadência e o Louvre parecia abandonado. Após a retomada do controle francês, foi lentamente recuperando o prestígio, que se tornou evidente (p. 11) no reinado de Francisco I (1494-1547, 1515-1547), e o antigo castelo medieval deu lugar a uma palácio real, o Louvre como hoje é conhecido.

Na guerra entre católicos e protestantes, na noite de 23 de agosto de 1572, o rei Carlos IX (1550-1574, 1560-1574) ouviu rumores de que “os da nova religião” estavam conspirando contra ele e ordenou que fechassem os portões do palácio e convocassem a milícia (p. 23), o que passou a história como o “Massacre de São Bartolomeu”, uma série de ataques coordenados que resultaram em uma carnificina sobre os protestantes onde “corpos foram jogados na frente do castelo, sob os olhos do rei, da rainha e de toda a corte” (p. 24).

Durante o século XVIII o Louvre passou a ser pensado como local de exibição de obras de arte, mas o museu seria formalizado somente após a queda da realeza, quando em 11 de agosto de 1792 uma comissão foi criada para organizá-lo. Naquele mesmo ano, em setembro, cento e vinte e duas pinturas foram trazidas de Versalhes (p. 79), dando início a uma longa história onde foi objeto de violentas disputas políticas, entre as quais a maior foi a da Comuna de Paris (1871), além de troca de nome (Museu Napoleão) nos anos napoleônicos, cujo “imperador” encantou muitos que se apetecem em idolatrar políticos, em meio a obras roubadas, na época pelo exército do tirano, que tiveram que ser devolvidas após sua queda.

24/06/2023 15h22

Imagem: Fundação FHC

Ruth Cardoso

“Os anos 1970 se caracterizaram por várias releituras do marxismo que dialogavam com a dureza da ortodoxia que dominara este tempo. Entretanto, na América Latina, as críticas ao marxismo tiveram pouco influência na prática política.”

Obra: A aventura antropológica. Teoria e Pesquisa. As aventuras de antropólogos em campo ou como escapar das armadilhas do método. Paz e Terra, 1986, Rio de Janeiro. Artigo de Ruth Vilaça Correia Leite Cardoso (Brasil/São Paulo/Araraquara, 1930-2008).

Leitura de graduando em 1996 sobre a esta obra dos anos 1980, composta por artigos de colegas acadêmicos e um produzido pela organizadora Ruth Cardoso, dedicada antropóloga e orientadora de teses. Quando apreciei o texto, a professora me remetia a imagem de uma respeitadíssima primeira-dama e que marcaria aquele período onde o país foi representado no Palácio por um casal de autênticos intelectuais.

O artigo denota o poder de síntese da autora em abordar um problema com grande profundidade e em poucas páginas. É aberto com a apresentação da questão da ênfase na análise qualitativa sobre a quantitativa e insere uma visão de que a oposição “não corresponde a modos opostos e inconciliáveis de ver a realidade” (p. 95); Quanto ao trecho selecionado, desenvolve o pensamento sobre o problema em meio a releitura sobre o marxismo nos anos 1970; a seguir, Cardoso afirma que face a uma repressão militar e sem ter chegado ao Estado de Bem-Estar Social, “os intelectuais brasileiros estavam distantes da efervescência crítica que atingia a Europa e os Estados Unidos”, no entanto entende que “os pilares mais gerais da prática política marxista continuavam a ser úteis para interpretar nossa realidade”, a citar o aumento da repressão e a desigualdade na distribuição de renda, enquanto cita a ocorrência de assimilação da discussão sobre a incorporação da politização da ciência, do engajamento de cientistas e a tendência ao método qualitativo enquanto o quantitativo estava restrito a algumas áreas do conhecimento e assim, neste contexto, não houve “clima para reexame dos instrumentos com que se constrói o conhecimento”, afirma (p. 98).

A professora ressalta o valor do método quantitativo pela volta ao campo de trabalho e o respeito ao dado empírico; percebe a predominância do positivismo nos cursos de metodologia, enquanto ressalta o descompasso com a subjetividade como instrumento do conhecimento, vê o engajamento de pesquisadores com os grupos de estudo(método qualitativo) mais pensado por mais razões políticas e não como instrumento da construção do saber. Também aleta sobre a redução do marxismo ao “economicismo mecânico” pela transformação dos atores sociais em objetos em automatização de comportamento (p. 99) e aponta a pesquisa engajada como resultado do desinteresse pela discussão metodológica, salienta a falta de interesse no Brasil em desvendar processos do pesquisador como mediador na análise e produção da informação (p.101).

O que mais me chamou a atenção neste reencontro com o texto, 23 anos depois, é o alerta da autora sobre o resgate da subjetividade como instrumento de trabalho, que não deve ser justificativa para indefinição de limites entre ciência e ideologia (p. 103), um problema que, à mon avis, é gravíssimo no presente não apenas nas ciências sociais. No entanto, deixa três questões para iniciar o debate (p. 105) sobre algo tão complexo na construção do saber científico antropológico.

23/06/2023 17h46

Imagem: Mises Institute

Jacques Turgot

“As for the first object, that in trade no one should injure another, it is evidently sufficient that the government should always protect the natural liberty of the buyer to buy, and of the seller to sell. For if the buyer is always the one who decides whether to buy or not, it is certain that he will select among all the sellers the man who will give him at the best price the merchandise that suits him best. It is no less certain that every seller, it being his chief interest to gain preference over his competitors, will sell in general the best merchandise at the lowest possible price, in order to attract customers. It is not true therefore that a merchant may be interested in deception—unless he has some exclusive privilege.”

Obra: The Turgot Collection. CHAPTER 5 In Praise of Gournay. LETTER FROM TURGOT TO MARMONTEL
Paris, 22 July 1759. Ludwig von Mises Institute, 2011, Auburn, Alabama. Editado por
David Gordon. Coletânea de escritos, ditos e cartas de Anne Robert Jacques Turgot (France/Paris, 1727-1781).

Quase 17 anos antes da publicação de A Riqueza das Nações (1776), do professor Adam Smith (1723-1790), corria na França uma linha de pensamento econômico muito interessante durante o reinado de Luís XV (1715-1774), 40 anos antes do estouro da revolução (1789) que traria um banho de sangue guilhotinado sobre o sucessor, Luís XVI (1774-1792, junto com a nobreza francesa, em meio a um Estado monárquico super endividado (uma das causas da revolução). Trata-se do jovem Turgot que, para alguns hoje, seria chamado de “ultraliberal” e à época de ministro das Finanças do reino (1774), sofreu por fazer apologia a conceitos de liberdade econômica diante de um clero e de uma nobreza relutantes em ver os privilégios ameaçados.

Turgot defendia ideias contrárias ao intervencionismo e que o governo deveria “sempre proteger a liberdade natural do comprador para comprar e do vendedor para vender”; “a liberdade geral de compra e venda é, portanto, o único meio de assegurar, por um lado, ao vendedor um preço suficiente para incentivar a produção e, por outro lado, o consumidor, a melhor mercadoria pelo menor preço” (p. 107).

Avesso à regulação, Turgot alertava sobre os problemas de o governo adotar políticas que resultem na limitação do número de ofertantes no mercado a gerar privilégios exclusivos ou não. No tempo presente, esse problema pode ser observado em ambientes regulados de maneira que grandes companhias são beneficiadas com as dificuldades que as normas provocam sobre os que desejam ingressar no mercado ou simplesmente quando há reserva de mercado, via de regra sob apelos protecionistas, pois, tornando ao pensamento do economista francês do século XVIII, resultaria em dano ao consumidor que seria “injustiçado”, enquanto o vendedor (privilegiado), “certo de vender, o obrigará a comprar artigos ruins sob um preço alto” (p 107).

22/06/2023 22h08

Imagem: ex-isto

Sócrates

“Mas talvez alguém pudesse dizer: ‘Não te envergonhas, Sócrates, de te aplicardes a tais ocupações, pelas quais agora está arriscado a morrer?’ A isso responderei com justo raciocínio: ‘Não estás falando bem, meu caro, se acreditas que um homem, de qualquer utilidade, por menor que seja, deve fazer caso dos riscos de viver ou morrer, e , ao contrário, só deve considerar o seguinte: ao executar qualquer tarefa, deve avaliar apenas se está procedendo de maneira justa ou injusta, se está agindo como homem virtuoso ou desonesto’.”

Obra: Apologia de Sócrates. Primeira parte. XV. Martin Claret, 2003, São Paulo. Tradução de Jean Melville. Evocada pelo discípulo Platão (Atenas, 428/427 – 348/347 a.C).

A leitura de Clóvis de Barros Filho me remeteu há 20 anos. Revivi apontamentos e rascunhos de um eu jovem seminarista, sobre Sócrates.

Nada significa de valioso o fato de uma conduta pelo justo resultar em situações de ameaças, de severa punição ou até mesmo na morte; acima de tudo, o que importa é não praticar injustiça e não agir como um ímpio (XVIII, p.76).

Onde quer que esteja, não importa o que faça, é preciso enfrentar os perigos da vida com serenidade e responsabilidade, sem se importar com a morte ou com coisa alguma a não ser com o que é infame, os atos indignos, tudo que comprometa a dignidade (XV, p. 71).

Quanto à enfrentar acusadores, melhor é correr perigo mediante a lei em favor do que seja justo, a ceder pelo medo de perder a liberdade e da morte (XVIII, p. 75).

Muitos atos de injustiça são praticados no ambiente público, na polis, e não há quem se salve; quem atua verdadeiramente em favor do que seja justo, se deseja ser salvo por algum tempo, deve viver a vida privada, nunca se envolver em negócios públicos (XXVIII, p. 75).

Diante de um juízo não se deve rogar (como um pobrezinho injustiçado a espera de algum favor), mas cabe persuadir, enquanto o julgador deve se conduzir retamente, agir de acordo com a lei (XXII, p. 79).

21/06/2023 22h50

Imagem: UNESC

Clóvis de Barros Filho

“Podemos inferir daí que quando um sábio escolhe a morte é porque sinaliza que existe algo na vida de valor superior a continuar vivo.”

Obra: A felicidade é inútil. Capítulo 13 – A vida que dispensa sobrevida. CGC, 2019, Porto Alegre.. De Clóvis de Barros Filho (Brasil/São Paulo/Ribeirão Preto, 1966).

Apetece-me o estilo textual do autor a confluir conhecimentos filosóficos com situações do cotidiano, sem cair em um reducionismo vulgar, além de negar o besteirol de propor “fórmulas práticas” para lidar com as questões que trata na obra.

Clóvis de Barros se refere no trecho (p. 96) à recusa de Sócrates ao plano de fuga de Critão (p. 97). O filósofo terminou sob a pena de morte.

Não incomum é ouvir “melhor um covarde vivo a um herói morto”, pois no caso de Sócrates, penso, para nada serve um covarde vivo e sim a ética em torno do justo, que deve prevalecer sobre o senso pragmático de se tentar garantir a própria sobrevivência, mesmo que tal ato preserve um homem justo. Clóvis de Barros conclui que Sócrates concebeu uma ideia de ordem justa no seio da polis (cidade) a valer mais que toda a felicidade, o que se evidenciou ao não aceitar a fuga, ao rejeitar o viver ao “sabor das conveniências” (p. 97). Eis a ideia de preservação de uma ordem coletiva onde a parte não encontra sentido na avaliação estrita de si mesmo, no “isolamento funcional” e sim na integração (p. 98).

A interpretação de Clóvis de Barros pode ser concebida pelo sentido de se viver pela ética do todo reverenciado pelos indivíduos no seio comunitário, bem como na harmonia com o cosmos. O autor indica como uma solução para a existência, em meio a tantas outras (p. 99), em prol de uma ordem social, onde a parte se ajusta ao conjunto por entender que dele totalmente depende porém, se essa via for levada ao extremo, o que pode ser visto facilmente na política, o indivíduo acaba anulado pelo coletivo, massacrado por controles que o reduzem à condição de servo diante da apologia por interesses de quem opera no poder e alega o fazer em favor coletivo e/ou do que afirmar ser pelo “bem comum”. Na história política há três casos catastróficos de coletivismo: fascismo, nazismo e comunismo.

20/06/2023 21h34

Imagem: PSB

Viviane Mosé

“Os valores têm nascimento e esse nascimento se deve a “circunstâncias”, não a uma verdade originária.”

Obra: Nietzsche e a grande política da linguagem. Parte I. O projeto crítico de Nietzsche. Capítulo I. Genealogia, transvaloração e linguagem. Vozes, 2018, Petrópolis, eBook Kindle. De Viviane Mosé (Brasil, Espírito Santo/Vitória, 1964).

No treco selecionado desta excelente obra, Viviane Mosé se refere à crítica disposta em Genealogia da moral. A história dos valores provém de conflitos ou é “plural e violenta” na explicação da autora.

Quando lia Nietzsche nos anos 1990 não conseguia perceber o significado de uma filosofia experimental onde se propõe um “reset”. Mosé indica como busca do desmantelamento de uma crença em um princípio essencial, onde é inserida a “pluralidade”, o “jogo de forças”, a “guerra”. Incomodava-me o expurgo disposto por Nietzsche mas, por ironia, ao revisitar as obras do filósofo, onde apreciar a obra de Mosé foi bastante proveitoso, desde os tempos de seminário comecei a refletir sobre o contexto da crítica de Nietzsche acerca das raízes da moral e pude perceber a importância de se considerar o confronto entre forças na determinação dos valores, dos jogos de interesses, das lutas entre concepções e conceitos em um processo ininterrupto de transformações onde se insere o que Mosé aponta como a busca de expansão, crescimento, superação, fatores relacionados ao tema da “vontade de potência”.

Há coisas que é melhor não perguntar, diria o meu eu antes dessa revisitação a Nietzsche. Não me incomodo mais em indagar em que circunstâncias se deram os valores que me são apresentados e que, muitos, defendo. O que pode ter consolidado a moral em meio aos desejos que permeiam no curso histórico das vontades humanas. A filosofia de Nietzsche exclui o vetor do conformismo com as explicações de cima para baixo que divinizam as origens que metafisicamente atribuo, em especial nas concepções sacrossantas sobre a genealogia da moral, e vai em busca de uma história dos conflitos, das transformações nos interesses, das dominações nas narrativas do lado vencedor, dos impulsos que retomam essa “guerra”. À mon avis, excluir essa crítica de Nietzsche é apequenar o espírito critico e se conformar com o que anteriormente pensara o meu eu a confundir o significado do bem e do mal com as ações humanas e o quanto isso influi na construção e na apologia de valores.

19/06/2023 00h02

Imagem: ABL

Fernanda Montenegro

“Por que negar nossas origens? Com exceção dos índios, todos nós somos resultados de ‘cheganças'”

Obra: Prólogo, ato, epílogo: memórias. Prólogo. Companhia das Letras, 2019, São Paulo. De Arlette Pinheiro Monteiro Torres (Brasil/DF/Rio de Janeiro, 1929).

Autobiografia da extraordinária Fernanda Montenegro.

No prólogo conta as origens italiana e lusitana de sua família, a saga de “uma realidade brutal de sobrevivência” (p. 11), sobretudo de italianos no final do século XIX que emigraram na crença de que no Brasil “chovia ouro” (p. 12) e assim logo ficariam ricos, mas descobriram que só trocaram de país para viver no mesmo drama da pobreza. Abre-se para falar de sua raiz paterna de portugueses “sombrios, difíceis” (p. 25), de rompimento, mágoa e o “desvio psicológico” (p. 29) da avó.

O texto da maior dama da dramaturgia brasileira é franco, envolvente, inspirador; história de superação de quem chegou no topo da profissão passando por enormes dificuldades para se estabelecer no teatro e se consagrar como a maior de todas as atrizes com o maior de todos os méritos: ética.

18/06/2023 13h10

Imagem: Editora Rocco

Clarice Lispector

“As rosas silvestres têm um mistério dos mais estranhos e delicados: à medida que vão envelhecendo vão perfumando mais. Quando estão à morte, já amarelando, o perfume fica forte e adocicado, e lembra as perfumadas noites de lua de Recife. Quando finalmente morrem, quando estão mortas, mortas – aí então, como uma flor renascida no berço da terra, é que o perfume que se exala delas nos embriaga. Então mortas, feias, em de brancas ficam amarronadas. Mas como jogálas fora, se mortas, elas têm a alma viva? Resolvi a situação das rosas silvestres mortas, despetalando-as e espalhando as pétalas perfumadas na minha gaveta de roupa.

Da última vez que minha amiga me mandou rosas silvestres, quando estas estavam morrendo e ficando mais perfumadas ainda, eu disse para meus filhos:

– Era assim que eu queria morrer: perfumando de amor. Morta e exalando a alma viva.”

Obra: A descoberta do mundo. 1968. 25 de maio. Rocco Digital, 2020, eBook Kindle. De Chaya Pinkhasivna Lispector (Ucrânia/Chechelnyk,1920-1977).

Prece das rosas – Por pastor Abdoral

Meu maior receio, com a idade que vai avançando, reside em terminar meus dias na ociosidade de uma mente mal cuidada e no vazio medonho que vejo ao caminhar por praças, onde a velhice é confundida com a experiência e a sexagenária condição com a libertinagem para falar bobagens e influenciar os mais jovens com recalques, frustrações e preconceitos que, porventura, não tenha conseguido superar.

Receio envelhecer sem o mistério das rosas que fascinaram Clarice; tornar-me um idoso sem patrimônio, não me refiro àquele em que vejo muitos se matando para obter e, quando conseguem, terminam cercados por interesses mesquinhos que, não raramente, o seio familiar não consegue evitar. O patrimônio que desejo deixar não pode ser consumido pelo tempo, nem pelas coisas insaciáveis que nos dividem e empobrecem no espírito.

Se tiver a graça de ficar velho, peço ao Senhor meu Deus que me guarde o patrimônio da alma, preserve a fé que me porta, blinde minha humanidade para me fazer sentir Seu amor e faça exalar em mim um perfume espiritual espalhado em pétalas para meus descendentes. Que este seja o bem mais precioso que deixarei nesta terra, a marcar o dia em que por aqui minha jornada encerrar.

17/06/2023 17h22

Imagem: Brown University

Thomas Skidmore

“Os generais dissidentes divulgaram um manifesto pedindo a Washington Luiz que renunciasse; chegaram a forçar uma entrevista para fazer um apelo pessoal. Confiante, o presidente rejeitou o ultimato. Só depois da intervenção pessoal do cardeal Leme, do Rio de Janeiro, ele se convenceu de que sua posição estava perdida e que devia abandonar o plano de dar posse a Júlio Prestes em novembro.”

Obra: Brasil: De Getúlio a Castelo (1930-64). I. A era Vargas: 1930-45 Companhia das Letras, 2010, São Paulo. Tradução de Berilo Vargas. De Thomas Elliot Skidmore (EUA/Ohio, 1932-2016).

Obra do brasilianista americano tão boa quanta a continuação (Brasil: De Castelo a Tancredo).

A república da Pindorama nasceu em 1889 de um golpe militar e em 1930 foi reinventada por um golpe orquestrado pelo grupo derrotado nas presidenciais daquele ano (Aliança Liberal), que tentava quebrar o padrão de só o candidato governista vencer, e então se pautou sob a alegação de “fraude” na apuração em que Getúlio Vargas fora derrotado por Júlio Prestes, cuja catalização pela revolta armada se deu após o assassinato de João Pessoa, quando o lado vencedor da majoritária (Washington Luis) “apoiava o grupo político ao qual o assassino estava ligado” (p. 37).

Conquistar o apoio nos quarteis para realizar desejos não alcançados em eleições então passou a ser uma característica da história política do Brasil republicano, algo que seria observado em 1964 e que tornou bem observável no final do ano passado e no último 8 de janeiro, em mais um “sonho de consumo” de derrotados em uma república mal resolvida. O mesmo Vargas que se tornaria um ditador no “Estado Novo” como desdobramento do golpe de 1930 (O colapso da democracia: 1935-7, pp 54-64), virou lacrador do Congresso e mais adiante sentiria na pele o peso de estar sob a ameaça da tradição brasileira de se resolver crises políticas por meio de Altos Comandos Militares, quando ao tornar à presidência, pelas urnas em 1950, terminou com um suicídio no fatídico 24 de agosto de 1954 (III. Uma nova era Vargas: 1951-4 – do assassinato ao suicídio).

Em um certo sentido, o golpe de 1964, típico da tradição de se apelar aos quarteis, foi adiado por dez anos.

16/06/2023 23h02

Imagem: El Español

Umberto Eco

“Ma avemmo del salmì di piccioncini, macerato nel vino di quelle terre, e coniglio in porchetta, pagnottini di santa Chiara, riso con le mandorle di quei monti, ovvero il biancomangiare delle vigilie, crostini di borragine, ulive ripiene, formaggio fritto, carne di pecora, fave bianche, e dolciumi squisiti, dolce di san Bernardo, paste di san Niccolò, occhietti di santa Lucia, e vini, e liquori d’erbe che misero di buon umore persino Bernardo Gui […]”

Obra: Il nome della rosa. Quarto giorno. COMPIETA. Dove Salvatore parla de uma magia portentosa. Edição da Bompiani, 2019, Firenze. De Umberto Eco (Italia/Alexandria, 1932-2016).

Um prato do jantar para a legação, descrito na edição de 2019 deste capolavoro de Eco. No final daquele ano a adquiri em uma livraria perto do Palazzo Montecitorio, em Roma. Em minhas andanças pela Itália tive acesso a edição de 1980 com uma pequena e curiosa remoção, em outras, motivado após ouvir comentários de críticos literários italianos:

Ma avemmo del salmì di piccioncini, macerato nel vino di quelle terre, e coniglio in porchetta, pagnottini di santa Chiara, riso con le mandorle di quei monti, ovvero il biancomangiare delle vigilie, crostini di borragine, ulive ripiene, formaggio fritto, carne di pecora con salsa cruda di peperoni, fave bianche, e dolciumi squisiti, dolce di san Bernardo, paste di san Niccolò, occhietti di santa Lucia, e vini, e liquori d’erbe che misero di buon umore persino Bernardo Gui […]”

Remoção do “molho cru de pimentão”: “peperoni” não poderia naquele ambiente existir em se tratando de um romance ambientado em uma abadia no norte da Itália em 1327 quando a pimenta (com suas variedades) chegaria a Europa, exportada da América ainda a ser descoberta e explorada por europeus no final do século seguinte. Há também referência ao violino (Settimo giorno, notte), que não existia naquele tempo, assim como à abóbora (zucca, Primo giorno, prima e Verso nona), impossível de ser encontrada por ter a mesma origem continental do pimentão. Por fim, no romance há referencias à medida de tempo em “segundos” (Secondo giorno, terza e mais seis), algo impossível pois tal medida não existia no período medieval.

Umberto Eco argumenta sobre uso de uma tradição “apressada” e sobre os “segundos”, poderia atribui-los ao abade Vallet (p. 617), face ao manuscrito de Dom Adson (p. 9), no entanto, penso, que nem mesmo um grande erudito medievalista, cuja envergadura intelectual me fascina, semiólogo de vanguarda, conseguiu escapar de erros impressionantes sobre a matéria que tanto dominou.

15/06/2023 22h36

Imagem: flickr oficial

Olavo de Carvalho

“[…] toda e qualquer verdade ou ideia valiosa que algum dia chegou ao conhecimento dos seres humanos foi descoberta de um ou alguns indivíduos isolados, ao disseminar-se entre as massas, perde o impulso originário e se cristaliza em fórmulas ocas […]”

Obra: O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. A boa e velha língua dupla. Record, 2017, São Paulo. De Olavo Luiz Pimentel de Carvalho (Brasil/São Paulo, 1947-2022).

Limitei-me à escuta em um encontro de sexagenários com Olavo de Carvalho devidamente citado e atribuído a ideias que não consegui identificá-las em suas obras, em meio a um saudosismo do regime militar (como se o filósofo brasileiro tivesse apreço por milicos, sobretudo os dos anos 1970), tais senhores se declararam “conservadores” de uma “autêntica direita”. Na economia defenderam que o governo deveria controlar mais os preços de bens de primeira necessidade por causa da inflação. Um contador deste distinto grupo falou sobre o aviltamento entre colegas de profissão e defendeu que o governo estabelecesse uma “tabela de preços mínimos”. Mais adiante o mais empolgado de todos, um diácono bem influente, emendou a necessidade de uma profunda reforma do sistema de educação (que permaneceria sob custódia estatal) para fazer valer os bons costumes e impor restrições a professores – militantes da dita “doutrinação comunista” – caso tratem nas escolas sobre questões de gênero, união homoafetiva, aborto e outros temas bem considerados em ambientes progressistas.

Mais uma vez à escuta do outro fiquei limitado; jovem naquela fase em que se acredita ser mais esclarecido com o porte do diploma universitário (fui um tipo assim), veio-me a dizer ser um autêntico praticante do catolicismo com ‘consciência social”, citou trechos de artigos de Leonardo Boff e frases soltas de Marx (de tão imprecisas temo algumas até adulteradas), enquanto fez uma hermenêutica cujo contorcionismo nos remeteu à passagem do jovem rico (Mateus 19:16-30) para argumentar que Jesus foi “comunista” e que não é possível que se defenda a “opressão capitalista” do livre mercado e, concomitantemente, seja um autêntico cristão.

Outra auricular experiência me ocorreu com um docente que se aproximou para me falar sobre suas ponderações quando, após uma palestra, argumentei que a Consolidação das Leis do Trabalho é um instrumento jurídico de viés fascista, que prejudica severamente trabalhadores por impor ao sistema produtivo um planejamento central de obrigações que se transformam em custos onerosos, que encarecem a manutenção de contratos e assim incentivam a informalidade enquanto conservam o escopo parasitológico do estado corporativo. Advertiu-me que minhas críticas “liberais” são “ultrapassadas” e combinam melhor com discursos “fascistas”. Terminou a lacração com uma citação de Márcia Tiburi.

14/06/2023 22h20

Imagem: Il Fatto Quotidiano

Marco Travaglio

“Bene, ora che sono note le motivazioni, tutti questi noti esperti del nulla sono accontentati: persino il collegio presieduto da Aldo Grassi, vecchio amico di Carnevale, ha dovuto riconoscere che Dell’Utri era il “mediatore” dell’accordo fra Cosa Nostra e Berlusconi, che le pagò “cospicue somme” per star tranquillo.”

Obra: Lo Stato Montificio. Storia del 2012, l’anno dei tecnici. Tutta da ridere (per non piangere). La mafia esiste do nuovo. Il Fatto Quotidiano, 25 aprile 2012. Edição digital por Simplicissimus Book Farm srl, no kindle, 2013. De Marco Travaglio (Italia/Torino, 1964).

Missa de funeral no Duomo di Milano, luto nacional na Itália por Silvio Berlusconi (1936-2023), personalidade entre as mais importantes na vida italiana nos últimos 50 anos, cuja relevância reside em certos valores pelos quais tenho repugnância.

Do Berlusconi empreendedor, com imenso talento para seduzir consumidores, de negócios muito bem sucedidos, que começou com construção, imóveis, Fininvest, entretenimento, mídia, tv por assinatura, cartolagem de clube de futebol (endeusado no Milan), até se chegar ao político em uma jornada que se mistura com a história das polêmicas italianas.

De direita, católico, anticomunista; o que pode haver de tão ruim em um homem assim? Nenhuma coerência de liberal em termos econômicos, animal político que nada fez para modernizar o país, mas que passou uma imagem como o tal “homem forte” que o povo ou o tipo massa, médio, tanto deseja e assim criou um partido para chamar de seu, venceu três eleições e dividiu italianos em duas categorias: apaixonados e haters.

De direita nada conservador, não surpreende que fora um desastre como gestor das contas “públicas”; afundou o Estado em dívidas, aprimorou seu apetite monopolista do velho capitalismo de laços em meio a condenações por fraude fiscal que foram devidamente neutralizadas no país em que impunidade de colarinho branco lembra um outro que fica lá para as bandas do sul das índias ocidentais. Eis que teria legislado em causa própria para escapar de processos, quando primeiro-ministro fez da pessoal capa de sensacionalistas, agitada com as “bunga-bunga”, festas que se tornaram famosas por suposta depravação, dizem regada a sexo inclusive com menores de 18 anos que teriam sido subornadas para o silêncio, passando pela história de suposto envolvimento com a máfia, onde reside o trecho desta Leitura da obra do jornalista Travaglio que, talvez, tenha sido o seu mais ferrenho crítico.

Parte da Itália chora, outra talvez diga, “já foi tarde!” e outra certamente esteja indiferente. Berlusconi foi uma figura que deu uma nova roupagem ao populismo e, arrisco-me a dizer, protagonizou uma releitura do homem de negócios do “estado empresa” desbravador que não mede esforços pela auto promoção e pelo prazer de se glorificar em inúmeras dimensões, um agente de um mundo pós moderno que finge alguma reverência com o passado, enquanto prefere cair na gandaia. Lembra-me também um novo formato sobre o que Hayek descreve no capítulo X de O Caminho da Servidão quanto aos piores que chegam ao poder, desta vez “soft” de maneira que possa conquistar até quem acredita mesmo em valores de liberdade, bem melhor do que os tais “conservadores” de ocasião.

Observei o festival de honrarias em torno desse “mito” e pensei o quão fascina a política, quanto poder há de sedução cuja atração é um buraco negro de paixões, fanatismos e oportunismos, o destino final para um “trabalho” feito por especialistas em entreter idiotas para conquistar votos, um ofício de imbecilizar multidões com o dinheiros dos outros.

13/06/2023 23h18

Imagem: Montreal Economic Institute

Israel Kirzner

“[…], o elemento crucial na atividade empresarial é a capacidade de ver oportunidades inexploradas cuja existência prévia significava que a regularidade inicial do fluxo circular era ilusória — que, longe de estar em estado de equilíbrio, ela representava uma situação de desequilíbrio inevitavelmente destinada a ser perturbada. […]”

Obra: Competição e Atividade Empresarial. Capítulo 3 – Competição e monopólio. Schumpeter, destruição criadora e o processo competitivo. Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2012, São Paulo. Tradução de Ana Maria Sarda. De Israel Meir Kirzner (UK/London, 1930)

A visão crítica da atividade empresarial do rabino e economista austríaco diante da mais conhecida: Schumpeter. Kirzner, entendo, tem uma abordagem mais voltada à subjetividade do agente humano dentro de uma ordem espontânea de fatores, onde a ideias de equilíbrio (abstração) não ajuda na compreensão de fenômenos econômicos, que então é substituída pela leitura de mercado em constante movimento onde o empresário se relaciona e busca oportunidades.

Schumpeter considera a ação humana a compor uma força exógena (do ponto de vista de quem é impactado), não necessariamente de ordem econômica, para provocar ruptura e desequilibrar um sistema econômico. Penso que Schumpeter e Kirzner não se excluem totalmente, pois, imagino, a considerar a análise comparativa que o próprio Kirzner faz, o primeiro tem uma visão que explica algo pontual que o segundo considera em escala muito menor. O primeiro trata de fatores mais notados em tempos extremos, onde elementos externos de crises pesam sobre uma abordagem que pode ser mais desenvolvimentista (p. 78) que se torna mais enfatizada pela força das mudanças sobre o agente humano, o que acaba por excluir a variável do empresário como contribuinte de uma tendência ao equilíbrio, este último ponto considerado pelo segundo (p. 72), que vê a perturbação provocada pelo empresário dentro do processo competitivo do mercado (p. 86), não necessariamente para romper, destruir, mas para se aproveitar de oportunidades em meio a desajustes que observa no mercado.

12/06/2023 23h24

Imagem: The World Federation of ADHD

Word Federation
of ADHD

“[…] o TDAH é uma síndrome, o que significa que indivíduos com o transtorno têm diferentes perfis de sintomas em umas das duas dimensões que caracterizam essa psicopatologia, a desatenção e a hiperatividade/impulsividade.”

Obra: Guia para compreensão e manejo do TDAH. Capítulo 6. Conversando sobre TDAH com pacientes e suas famílias. Artmed, 2019, Porto Alegre. Tradução de Fausto Campani, Júlia Stocchero Amaro e Márcio Lemos Sônego. Organizado pela Word Federation of ADHD.

Uma visita ao armário de minha esposa, cada vez mais belo e abastecido com livros de psicologia e psicoterapia.

O capítulo 6 desta obra é assinado por Luís Augusto Rohde, Olayinka Olusola Omigbodun, Manfred Gerlach e Yi Zeheng, a tratar sobre 10 mitos e dúvidas sobre o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).

O trecho versa sobre o argumento comumente usado, para contestar a validade do TDAH: “a ciência nunca encontrou uma anormalidade cerebral presente em todos os indivíduos afetados pelo transtorno”. Os signatários reconhecem a assertiva, mas apontam que é usada de maneira errada e de que a ciência “jamais irá encontrar uma anormalidade cerebral única em todos os indivíduos com TDAH”, sendo uma síndrome, por isso com perfis diversos de sintomas, podendo inclusive ter três dimensões em algumas populações (p. 120). Há algumas anormalidades cerebrais provavelmente relacionadas a um grupo específico de sintomas em cada uma das dimensões. Aponta-se que não existe uma anormalidade cerebral unitária em pacientes com autismo, esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, demência ou transtorno de ansiedade (p. 121).

O diagnóstico do TDAH se baseia na avaliação clínica (p. 129). Outro ponto interessante é o fato de que o TDAH é mais associado ao estereótipo de “um menino que nunca para” ou seja, à hiperatividade, quando se trata de uma dimensão, sendo a outra composta pela desatenção, além de que podem ocorrer casos de pacientes com sintomas de ambas as dimensões (pp 124-125).

Outros pontos interessantes, para quem deseja entender melhor o problema, dizem respeito ao estigma de que crianças com TDAH são menos inteligentes (p. 127), quando não há evidências dessa relação (p. 128), passando pela crença de que a síndrome ocorre apenas em crianças, quando na verdade atinge a fase adulta com prevalência em torno de 2,8% (p. 126), além de que a maioria das pessoas com TDAH, podem conseguir prestar atenção por longos períodos por conta da motivação (p. 121).

11/06/2023 13h58

Imagem: The Capital Advisor

Schumpeter

“Esse sistema econômico não pode se realizar bem sem a ultima ratio da destruição completa dos elementos existentes que estão irrecuperavelmente associados aos inadaptados sem esperança.”

Obra: Teoria do Desenvolvimento Econômico. Uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Capítulo VI – O Ciclo Econômico. Observações Preliminares. Nova Cultural, 1997, São Paulo. Tradução de Maria Sílvia Possas da edição em inglês traduzida do alemão por Redvers Opie. De Joseph Alois Schumpeter (Império Austro-Húngaro/Tchéquia/Třešť, 1883-1950).

O contexto histórico desta obra, pela edição revisada que disponho (p. 9, tradução da edição em inglês da terceira edição em alemão que reimprimiu a edição de 1926) está em um período bastante crítico, de economias em depressão no pós Primeira Guerra e Pandemia de Influenza (esta última não citada pelo autor, que prefere associar o termo às falências, p. 221); assim tento imaginar o quanto economistas daquela época estavam a desenvolver ou revisar teorias e hipóteses sobre fenômenos tão intensos em meio à heterodoxia em ascensão, cuja notoriedade foi dada a Keynes, que não foi tão original assim sobre temas desenvolvimentistas, pois basta ver o que foi realizado no absolutismo monárquico do “Rei Sol” muito antes de eclodir a Revolução Francesa.

Schumpeter entende que ao irromper uma crise (e deve ser considerado o contexto dos anos 1920), desencadeia-se um curso anormal de acontecimentos e, neste ponto, vejo o quanto este importante economista da primeira metade do século XX foi impactado por fatores de imprevisibilidade em sua forma de pensar (p. 234). Argumenta no parágrafo que “nem os lucros de um boom, nem os prejuízos de uma depressão são desprovidos de sentido ou de função”, a contrastar com o que estava associado a Keynes Fisher e Hawtrey (pp. 234-235), penso, no que tange ao tratamento de crises pela vias monetária e de crédito bancário.

Lembro-me que em 1995 uma aula foi dedicada apenas a “destruição criadora” e, naquela ocasião, era muito maior o fascínio com o termo do que com uma melhor compreensão. Schumpeter desenvolveu um pensamento a considerar o processo de substituição de produtos e hábitos de negócios novos que suplantaram os que ficaram obsoletos, que perderam prestígio e entraram em declínio (p. 152), onde deu relevância a “perturbações” ou fatores exógenos (a citar a guerra como “elemento estranho”, não econômico, p. 208), sem desconsiderar os fatores que emergem do sistema econômico, “mas que, não obstante, não apresentam um problema teórico novo” (p. 209).

10/06/2023 18h46

Imagem: Twitter

Adriano Gianturco

“Kirzner já se tornou uma citação “obrigatória” na literatura científica sobre empreendedorismo, imediatamente após Schumpeter, e quase sempre como sua contraposição.”

Obra: O empreendedorismo de Israel Kirzner. Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2014, São Paulo. Tradução de Isadora Darwich e Thaiz Batista. De Adriano Gianturco Gulisano (Itália/Catania).

Leitura de referência para o tema, pela bibliografia vasta, que me trouxe novas perspectivas, até o conteúdo com abordagens comparativas entre linhas de pensamento versus o tema sobre a visão de Kirzner.

L´imprenditorialitá di Israel Kirzner. L´etica della proprietá e la moralitá del profitto nel libero mercato imperfetto, eis o titulo original em italiano desta obra de Gianturco, publicada em 2012, professor que veio para o Brasil e despertou minha atenção de leitor pelo conhecimento em ciências políticas e econômicas, além do domínio da língua portuguesa, superior a de muitos nativos colecionadores de diplomas.

Schumpeter (1883-1950), economista austríaco que não foi da Escola Austríaca, com termos conflituosos do economês (que já é uma coisa doentia pela linguagem de exclusão), dois fatores que parecem ter sido preponderantes para constar na lista dos que me foram “bem apresentados” no período infantil da faculdade, e que via a inovação como coisa destrutiva, mas em um sentido um tanto controverso, como fenômeno exógeno onde a inovação vem a provocar perturbações para romper o equilíbrio, forçando o sistema a uma nova tendência. Já para o rabino e economista Israel Kirzner (1930), com cidadania americana e que nasceu em Londres, enquanto austríaco na forma de pensar economia, o empreendedorismo é um fenômeno endógeno, construtivo, não necessariamente situado apenas na categoria da inovação, tem efeito equilibrador, embora o “equilíbrio perfeito” seja apenas uma ilusória ilação clássica. Gianturco vê, consoante este aspecto, Kirzner mais próximo de Hayek (1899-1992) do que de Mises (1881-1973, p. 124), na visão sobre o ato de empreender ligado às oportunidades que se apresentam em uma “categoria histórica”, relacionado a uma “interpretação indutivista de fenômenos empíricos”, enquanto a visão miseana é teórica (não confundi-la com algo abstrato), “não empírica”, deduzida, apriorística (p. 125).

09/06/2023 22h30

Imagem: Southern Baptist

W. C. Taylor

“Inevitavelmente, a tradução de vocábulos gregos que se acham em passagens célebres na controvérsia sectária, encontra preconceitos, ideias fixas e mentes fechadas contra significações que não são do gosto partidário.”

Obra: Dicionário do NT Grego. Introdução. JUERP, 1991, Rio de Janeiro. De William Carey Taylor (EUA/Kentucky/Mayfield, 1886-1971).

Fui ao dicionário do doutor e missionário que foi professor do STBNB de 1916 a 1934 com recordações de 2004, quando preparava um sermão sobre o primeiro capítulo do Evangelho de João e fazia as lições de grego passadas pelo professor Bené. Marquei λόγος com seus diversos significados (p. 128): “ensino”, “preceito”; “falar”, “conversa”; “conta”, “o caso”, “pergunta”, “coisa”; “fama”;, “notícia”; “livro”; “ministério”, entre outros.

Polissêmico termo como lembra Heidegger e, entendo, simples constatação que pode ser inconveniente para acomodar “mentes fechadas” (penso quão abundantes no meio religioso e nas paixões políticas), a lembrar o alerta do autor homem de Deus na introdução, além de arregimentar na política de quem prefere narrativas a evidências exegéticas que, à mon avis, consideram, e torno a lembrar do doutor Taylor, que um vocábulo “frequentemente significará várias camadas de ideias, em contextos diferentes” (p. 6), o que me parece ter sido algo tratado superficialmente por Heidegger ao defini-lo como “discurso” a dizer “coisa nenhuma com nada dentro”, pelo adágio que parece ser mais frequente entre “acadêmicos bem recomendados” e badalados por gente que, aparentemente, se apetece mais pelo rótulo do que qualquer outra coisa.

08/06/2023 21h58

Imagem: paul-tillich.com

Paul Tillich

“O Logos é o princípio da auto manifestação de Deus;. É Deus manifesto em si mesmo, a si mesmo. Portanto, onde quer que Deus apareça, a si mesmo ou a outros, é sempre o Logos que aparece.”

Obra: História do Pensamento Cristão. Capítulo II – Desenvolvimento Teológico na Igreja Antiga. B. Movimento apologético. 2 Deus e Logos. ASTE, São Paulo, 2000. Tradução de Jaci Maraschin. De Paul Johannes Oskar Tillich (Alemanha/Starzeddel, 1886-1965).

Relembrar Heidegger me fez recordar junho de 2004 quando lia Tillich sobre o λόγος e a explicar o nascedouro do que define como “uma teologia cristã mais elaborada” (p. 44) como reação ao que se concebia filosoficamente da fé, um tanto debutante, como “pura tolice, não mais do que superstição misturada com fragmentos filosóficos” (p. 45), com destaque para Celsus entre os críticos mais severos; neste contexto se usou λόγος, diga-se de passagem, neotestamentário, (de, pelo menos durante o século II) se destacaram teólogos cristãos que “não tiveram escrúpulos em utilizar todas as verdades filosóficas gregas à disposição e tudo o que foi possível do misticismo oriental” (p. 49), onde se situa Justino Mártir que foi, certamente, o maior dos pensadores, enquanto acusado por inimigos da apologética de dissolver o cristianismo em filosofia, entenda-se “movimentos de caráter espiritual opostos à magia e à superstição” (p. 47).

Acerca da concepção dos primeiros apologetas cristãos, Logos é “o verdadeiro mediador” e “está em Jesus, o Cristo, de maneira especial” (este emprego filosófico geraria um problema mais adiante, como efeito colateral de algo que serviu para defesa da fé no campo da reflexão filosófica). Segue o autor a citar Atenágoras: Logos é “eternamente lógico”, nos princípios do sentido e da razão (p. 50) explica Tillich; é “ao mesmo tempo palavra e razão”, como “estrutura inteligível da realidade” (p. 51).

Em meio a explanação de Tillich sobre o que foi pensado pelos apologetas teólogos primitivos, pensei na filosofia de Heidegger. Tenho comigo a premissa de que ao surgirem pensamentos que tentam desconstruir determinado conceito predominante, sobretudo que seja muito caro a certa tradição, pergunto-me o quão de interesse além do filosófico, quem sabe político, pode haver no ato de filosofar, mas para que essa premissa seja intelectualmente disposta à honestidade, preciso levar a sério a questão sobre como o que se tem por “tradicional” assim se tornou, e isso diz respeito também a eventuais interesses igualmente alheios aos filosóficos envoltos no contexto histórico.

Pensei também em Tillich e Heidegger, intelectuais culturalmente tão próximos, formados no mesmo sistema de ensino, ambos inclinados ao pensamento sobre o ser e a existência, mas que tomaram caminhos dramaticamente distintos em um determinado momento de suas vidas; o primeiro, pastor luterano, teólogo que pertenceu ao grupo que deu origem à (famigerada, desabonadora, para conservadores) Escola de Frankfurt, teve que deixar a Alemanha por ser opositor declarado do nazismo, movimento político que deslumbrou o segundo, cuja filosofia apresenta uma problematização do termo  λόγος, que me parece-me uma obviedade, algo que pode ser bem trabalhado por uma boa exegese. O que for além disso pode ser apenas polêmica vazia para idiotas, coisa que certamente deve ter agradado ao “Führer”.

07/06/2023 22h10

Imagem: Ex-isto

Heidegger

“Quando dizemos que o significado básico de logos é discurso, esse tradução literal só terá valor completo quando se determinar o que é um discurso. A história do significado da palavra logos e, sobretudo, as interpretações diversas e arbitrárias da filosofia posterior, encobrem continuamente o sentido próprio de discurso, que é bastante claro.”

Obra: Ser e Tempo. Parte I. Segundo capítulo – As duas tarefas de uma elaboração da questão do ser. B. O conceito de logos. Vozes, 2005, Petrópolis. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. De Martin Heidegger (Alemanha/Freiburg, 1889-1976).

Heidegger está na lista dos que me foram bem apresentados nos tempos de minha ingenuidade de sala de aula, nos anos 1990, mas, curiosamente, não me foi dito, pelo menos para melhor entendimento do contexto histórico em certos oportunismos (tão comuns na política), em meio a uma empolgação obscurantista de professores com dificuldades para abordar a provocante filosofia do homem “pastor do ser”, junto com a desconstrução de um conceito cristão de logos, presente desde a Igreja antiga, sobre um pensamento que viera de um filósofo que, um pouco mais adiante, fora entusiasta do nazismo, e que é razoável cogitar sobre um pensamento oportuno a quase tudo que politize as coisas (inclusive a comunistas odiados por nazistas enquanto desejam a mesma coisa) que disseminava desconstrução ou abolição de determinados valores. Depois que a tragédia nazista estava exposta, esse mesmo intelectual que ousou formular questionamentos interessantes sobre o ser, não conseguiu superar a barreira do ego para reconhecer o infeliz apoio.

No trecho, explica que em Platão e Aristóteles logos é um termo polissêmico e que a tradução por “razão”, “juízo”, “fundamento”, suscita um problema (entendo de generalização que provoca erros de interpretação); como exemplo, menciona quando se aplica a questão ao que seja científico, e pode sofrer mudança (p. 62). Logos é “articulação verbal”, prossegue. Quanto a definição de “discurso” (considerou da raiz a expressão “deixar ver”), nesse sentido, o termo (penso, caríssimo à teologia clássica) pode ser algo explanado como verdadeiro ou falso (p. 63) ou, afirma em outras palavras, logos “não pode ser apontado como lugar ‘primário’ da verdade” (pp 63-64). Enquanto “razão”, “fundamento”, a depender da consistência com o verdadeiro, bem como relação e proporção quando se torna visível em sua relação com outra coisa (p. 65). Aqui vejo uma marca da filosofia de Heidegger em relação à crítica sobre a aplicação do termo sem considerar o contexto, sobretudo em abordagem sobre o que se concebe acerca do divino face ao que se interpreta da realidade.

06/06/2023 22h20

Imagem: Vermelho

Pacto Ribbentrop-Molotov 23/08/1939

“The Fuhrer’s aircraft touched down at Moscow airport between four and five on the afternoon of 23rd August. Side by side the German and Soviet flags fluttered in the wind […]”

Obra: The Ribbentrop Memoirs. VI Moscow. Druffel-Verlag, 1953. Translated by Oliver Watson from the German Zwischen London und Moskau. De Ulrich Friedrich Wilhelm Joachim von Ribbentrop (Alemanha/Wesel, 1893-1946).

Em As Memórias de Ribbentrop, em 23 de agosto de 1939 lado a lado tremulavam as bandeiras da Alemanha e da União Soviética, na chegada a Moscou do ministro alemão e sua comitiva; um dia chocante para o mundo, pois terminaria com a assinatura do pacto de não agressão entre nazistas e comunistas, cujo cinismo, alguns diriam Realpolitik, extrapola o que se pode entender sobre o termo, à mon avis,

Enquanto a diplomacia europeia observava as ocupações nazistas, sob pretextos de Hitler acerca dos problemas do tratado de Versalhes, e parecia relutante em algo mais concreto com os soviéticos, tropas nazistas armavam o palco da guerra e Hitler moveu uma das peças mais obscuras e complexas do tabuleiro quando decidiu enviar um telegrama a Stalin, que o respondeu com um convite (p. 109) e assim Ribbentrop foi enviado a Moscou. O líder nazista foi o primeiro governante ocidental a se reportar diretamente para o supremo líder comunista; de genocida para genocida, um ato inaugural em um tempo em que, provavelmente, os camaradas do Kremlin eram mais demonizados, no mundo ocidental, que Putin nos dias atuais.

Tento imaginar a recepção militar, descrita por Ribbentrop, de comunistas a nazistas com honras e protocolos entre dois governos cujo ódio mútuo era a regra na batalha ideológica pelo domínio das massas, depois penso como teria sido a mesa, descrita na obra, composta por Stalin, Molotov, o conde Schulenburg, o autor dessas memórias e os intérpretes (p. 111); também tento imaginar o quanto naquela negociação já estavam postos os planos de dividir a Europa entre nazistas e comunistas, o que acabou se concretizando para o lado soviético, no bloco do leste europeu. O expansionismo de Stalin, de uma forma ou de outra, acabou prevalecendo, sobre a virada de mesa nazista, a derrota do Terceiro Reich e, sobretudo, por meio das questões geopolíticas que resultaram na Guerra Fria.

05/06/2023 00h02

Imagem: DW

Nietzsche

“473. O socialismo em vista de seus meios. — O socialismo é o visionário irmão mais novo do quase extinto despotismo, do qual quer ser herdeiro; seus esforços, portanto, são reacionários no sentido mais profundo.”

Obra: Humano, demasiadamente humano. Um livro para espíritos livres. Capítulo oitavo. Um olhar sobre o Estado. Schwarcz, 2000, São Paulo. Tradução de Paulo César de Souza. De Friedrich Wilhelm Nietzsche (Reino da Prússia/Röcken, 1844-1900).

Crítica de Nietzsche que, certamente, foi politicamente incorreta a devotos socialistas que porventura gostem de lacrar com frases soltas do filósofo (muito em parte face ao que escrevera sobre o cristianismo). A obra é de 1886 (refiro-me aos dois volumes), quase três anos antes do surto mental em Turim (1889) que, para alguns, marcou o início de sua crise de loucura.

Nietzsche não pôde (e nem precisou) ver o desenvolvimento das experiências tirânicas do socialismo real no século seguinte, a confirmarem sua impressionante precisão na análise; o desejo de “uma plenitude de poder estatal como até hoje somente o despotismo teve”, este último a referência mais próxima que o filósofo tinha à época para acertar em cheio sobre no quê o socialismo resultaria, além do que menciona como “aniquilamento formal do indivíduo”, mediante a “mais servil submissão de todos os cidadãos ao Estado absoluto”, enquanto opera pela eliminação da piedade religiosa (p. 153). Outro ponto em que o filósofo foi cirúrgico diz respeito ao que o socialismo pode ser útil “para ensinar, de modo brutal e enérgico, o perigo que há em todo acúmulo de poder estatal, e assim instilar desconfiança do próprio Estado” (p. 154), o que, sem dúvida pode ser observado em muitos que aprenderam traumaticamente, sobre o que implica viver em um regime onde o indivíduo é anulado para viver em função do coletivo, onde a liberdade perde o significado para dar vazão à submissão, e assim decidem pela fuga (sugiro ver o que dizem refugiados de Cuba, Venezuela e Coreia do Norte), além de remanescentes do leste europeu, precisamente até a queda do muro de Berlim, bem como os que viveram os tempos da extinta URSS, apesar de tantos ainda (muitos imaturos ou desavisados) insistirem nela.

04/06/2023 14h50

Imagem: BBC

Noam Chomsky

“Bush imediatamente lançou seu militarismo agressivo, ameaçando a Coreia do Norte (“Eixo do Mal” e tudo mais), de modo que os norte-coreanos retomaram seu programa nuclear. Quando Bush deixou a Casa Branca, a Coreia do Norte possuía de oito a dez armas nucleares e um sistema de mísseis, outra formidável realização neoconservadora. [7]”

Nota do autor: 7.Fred Kaplan, “Rolling Blunder: How the Bush Administration Let North Korea Get Nukes”, Washington, Monthly, maio de 2004.

Obra: Quem manda no mundo? Capítulo 10. À beira da destruição. Planeta, 2017, São Paulo. Tradução de Renato Marques. De Avram Noam Chomsky (EUA/Pensilvânia/Filadélfia, 1928).

Para completar o trio parada dura, a lenda do esquerdismo global para apimentar as análises do filósofo brasileiro conservador (alguns diriam “neo”) e do austro libertário, cuja obra mais conhecida talvez um dia seja proibida de ser lida no país em que há um Supremo Tribunal da Verdade, por afrontar um “deus” do panteão estatal tupiniquim.

Um pessoal sonho de consumo teria sido apreciar um colóquio entre eles onde “pegar fogo” se tornaria um eufemismo. Isso é que seria um verdadeiro debate e não os encontros bestiais de esquerdistas que fingem algumas divergências, enquanto tratam de preservar a bolha imbecilizante de seus seguidores, a ocorrer o mesmo em áulicos fóruns de “conservadores” ou de “libertários”. Infelizmente, um já partiu para o outro lado…

Chomsky enfatiza o belicismo peculiar de neoconservadores, a lembrar um pouco o que Olavo de Carvalho mencionou sobre o que Bush promoveu no Iraque. O socialista libertário argumenta que Bush, quando assumiu, a Coreia do Norte “tinha talvez uma arma nuclear e comprovadamente não estava produzindo outras mais” (p. 172). Então, salienta o expansionismo nuclear norte-coreano em paralelo ao “militarismo agressivo” de Bush. Sem dúvida, Bush fez muito mal ao mundo com seu “belicismo do bem” com apelos de fé (o termo que me veio a mente), então, cá com meus botões, penso, o regime desumano e autoritário da Coreia do Norte (que o autor parece “esquecer” de enfatizar) não teria se armado sem Bush ter sabotado acordos e minado financeiramente suas operações?

Diferentemente de Olavo, que enfatiza o poderio do financiamento do Partido Democrata, ao citar David Horowitz [170], Chomsky salienta que “desde os dias do presidente Ronald Reagan, a liderança do partido (no caso, o Republicano, de viés neoconservador) mergulhou tão fundo nos bolsos dos ricaços e do setor corporativo que só consegue atrair votos mobilizando partes da população que anteriormente não foram arregimentadas em forças políticas organizadas” (pp 275-276).

Enquanto Hoppe enfatiza a decadência de valores que preocupa os “autoproclamados conservadores” (Leitura anterior), Chomsky considera que a “cultura conservadora tradicional” está sob ataque, “acossada por ‘políticas de identidade'” e que este teria sido um dos fatores para explicar o sucesso de Trump (p. 331). Isto posto, à semelhança de Olavo de Carvalho, com outras palavras, Chomsky reconhece o forte peso da “cultura conservadora tradicional” nos EUA, no entanto diverge radicalmente de sua qualidade ao associá-lo a crendices (talvez como “um bando de caipiras”, que Olavo relaciona a ficção made in Hollywood) e não a um intelectualismo sofisticado, como o filósofo brasileiro sugere. Então Chomsky afirma:

“[…] uma das dificuldades em despertar a preocupação da opinião pública estadunidense acerca do aquecimento global é que 40% da população do país acredita que Jesus Cristo voltará à Terra em 2050 e, portanto, não enxergam como um problema as severas ameaças do desastre do clima em décadas futuras” (p. 332).

Sem mais, por isso gosto de ler também as reflexões desse senhor filósofo esquerdista tão amado por uns, e inconveniente a outros, embora sofra da moléstia de só ver maldade no lado destro das ideias.

170. O Jardim das Aflições. Posfácio, pp 416-417), Vide Editorial, 2015, Campinas.

03/06/2023 14h34

Imagem: Alchetron

Hans-Hermann Hoppe

“O conservadorismo moderno, nos Estados Unidos e na Europa, mostra-se confuso e distorcido. Essa confusão decorre em grande parte da democracia.”

Obra: Democracia, o deus que falhou. Capítulo X. Sobre o Conservadorismo e o Libertarianismo. Edição do Mises Brasil, 2014, São Paulo. Tradução de Marcelo Werlang de Assis. De Hans-Hermann Hoppe (Alemanha/Baixa Saxônia, 1949).

Hoppe se refere a estatistas culturalmente conservadores e tem uma visão um tanto diferente de Olavo de Carvalho sobre os neoconservadores. O estatismo voltado a uma social-democracia mundial, que caracteriza esse “conservadorismo” (nesse ponto se convergem os entendimentos dos dois filósofos) seria a ideologia do establishment do Partido Republicano (p. 227), e não uma “parcela ínfima da direita” (Leitura anterior), como vê o brasileiro no posfácio de 2014 de O Jardim das Aflições.

Enquanto Olavo de Carvalho enxerga um conservadorismo consistente nos EUA, intelectualmente superior aos neoconservadorismo e ao progressismo, Hoppe vê confusão e distorção (p. 225) sem fazer uma distinção mais contundente, dá destaque ao neoconservadorismo buchanista , faz uma provocação que me soou como um alerta, ao lembrar a combinação dessa visão sincrética de políticas econômicas de esquerda com o nacionalismo e conservadorismo cultural da direita em um “nacionalismo social” ou “nacional-socialismo”, nazismo (p. 229). Ainda sobre Buchanan e seus teóricos, Hoppe vê “desprezo historicista” e “ignorância da ciência econômica” (p. 230), faz um contraste das ideias assistencialistas com os conservadores clássicos “que se opuseram vigorosamente à educação pública e à previdência social” (p. 234).

Hoppe reconhece que a maioria dos “autoproclamados conservadores contemporâneos” está preocupada, como deveria, com a decadência das famílias, o divórcio, a ilegitimidade, a perda da autoridade, o multiculturalismo, os estilos de vida alternativos, a desintegração do tecido social, o sexo e o crime, no entanto, ou não aceitam ou reconhecem que são necessárias mudanças drásticas ou pertencem a grupos da “quinta coluna” que pretendem destruir o conservadorismo a partir de dentro (pp 225-226).

Para Hoppe, os verdadeiros conservadores devem ser libertários ou “antiestatistas”, enquanto os falsos são “socialistas” (p. 235). No contexto da obra, a democracia se insere como um instrumento para ampliação do escopo estatal e de políticas públicas que degeneram a sociedade, onde operam os neoconservadores em pautas comuns com os progressistas.

02/06/2023 23h30

Imagem: flickr

Olavo de Carvalho

“Neocons são pessoas que vieram da esquerda e criaram uma justificação para a imposição das instituições democráticas americanas no resto do mundo […]”

Obra: O Jardim das Aflições. De Epicuro à ressureição de César: ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil. Posfácio. Vide Editorial, 2015, Campinas. De Olavo Luiz Pimentel de Carvalho (Brasil/São Paulo, 1947-2022).

A obra foi publicada pela primeira vez em 1995, pela editora Diadorim. O posfácio da edição desta Leitura é composto pela entrevista dada por Olavo de Carvalho ao editor em 22/09/2014 (p. 411).

Olavo cita George Bush em relação ao feito com o Iraque “impondo um Estado leigo à força”. Seria parte de uma “parcela ínfima da direita”. Caracteriza-se por apreço à concentração de poder, em meio à desilusão com o judaísmo, seguida do mesmo sentimento com o marxismo, o que teria ensejado uma concepção revolucionária a instrumentalizar o Estado americano para impor seus ideias de controles (p. 416).

Distingue-os dos conservadores que representam a direita americana, cristã, que não tem interesse de conversão (ao conservadorismo) da população de outros países (p. 415), assim entende o filósofo; seriam conservadores cujo vigor intelectual supera os progressistas, sendo “o centro da vida intelectual americana” (p. 417), o que revisa o entendimento que tinha quando chegou aos EUA e imaginava que fossem “um bando de caipiras” sem influência na sociedade (p. 414), algo bem diferente do que é retratado nos filme de Hollywood (p. 415), menciona.

Não nega a ideia dos EUA como uma “república maçônica”, voltada à construção do Estado laico, que se impõe ao mundo, mas pondera que há uma luta interna “bastante equilibrada” (p. 417) face ao que entendi por duas concepções de Estado na América.

01/06/2023 21h48

Imagem: Pantocrator (História com gosto

יֵשׁוּעַ

“[…] quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus.”

Obra: Evangelho Segundo São João. O encontro com Nicodemos, capítulo 3, verso 4.  A Bíblia de Jerusalém. Edição da Paulus, 2000, São Paulo.

Das cinzas ao Espírito

No vazio para me desvelar
dores inexprimíveis extravaso,
intempéries a me transmutar
na lucidez de meu ocaso.

De meu primeiro ao último eu
desilusões emergem de um mar,
queimadas no fogo de prometeu
que acendi para me ostentar.

No pó, mas não por finito,
matéria que no mundo jaz,
do alto me acolhe o Espírito
que das cinzas me refaz.

Pastor Abdoral, 01/06/2023 19h26.

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