03/10/2024 23h16
Imagem: Editora Rocco
“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos.”
Obra: A descoberta do mundo. As três experiências 1968. 11 de maio. Rocco Digital, 2020, eBook Kindle. De Chaya Pinkhasivna Lispector (Ucrânia/Chechelnyk,1920-1977).
A descoberta do mundo – por Heitor Odranoel Bonavenura
A descoberta do mundo inclui
o desbravamento do
meu próprio ser.
É um despertar contínuo
para o tempo que “urge”,
e vivê-lo é uma arte
que combina a brevidade
existencial
com a contemplação
da eternidade.
O amor é a salvação,
a palavra, instrumento
para domínio no mundo,
e os filhos,
bênçãos da renovação.
Na solidão quando
saem do ninho
estará o destino
de quem os criou.
O amor é perene,
imunidade à perdição,
cuja imensidão
permite, no que sobra,
o auto perdão.
Assim estará no amor
para o último dia,
quando o corpo se esvaziar
do pouco do vigor
que conservou na velhice,
até o último sopro;
e ultrapassará as fronteiras
das limitações do tempo
da existência superada
pela transcendência.
02/10/2024 22h59
Imagem: Center for Public Integrity
“Ludwig von Mises foi o maior economista de todos os tempos. Mas ele nunca me convenceu de que […]”
Obra: Mises e a escola Austríaca: uma visão pessoal. Direitos naturais. Instituto Ludwig von Mises, 2012, São Paulo. Tradução de Ricardo Bernhard. De Ronald Ernest Paul (EUA/Pensilvânia/Pitburgo, 1935).
E o médico ex-membro da Câmara dos Representantes, candidato à presidência dos EUA em três ocasiões, assim aponta o que Ludwig von Mises afirma em Ação Humana:
É um disparate metafísico juntar a “escorregadia” e vaga noção de liberdade com as leis absolutas e invariáveis da ordem cósmica. Assim, a ideia básica do liberalismo é desmascarada como uma falácia. (…) No quadro da observação experimental dos fenômenos naturais, não há espaço para o conceito de direitos naturais. [1]
1.Ibid, p. 216.
Penso que, em termos filosóficos sobre “direitos naturais”, Mises estaria mais para o nominalismo em detrimento dos universais. Haveria também um viés de Immanuel Kant quanto à subjetividade do conhecimento nessa categoria, contudo, me parece mais claro se todo o parágrafo, do trecho de Ação Humana, selecionado por Ron Paul for lido:
“1. Os homens não são iguais. O liberalismo do século XVIII e, da mesma forma, o igualitarismo de nossos dias partem da “verdade autoevidente” que afirma que “todos os homens são criados iguais, e são dotados pelo Criador com certos direitos inalienáveis”. Entretanto, dizem os advogados de uma filosofia biológica da sociedade, a ciência natural já demonstrou, de maneira irrefutável, que os homens são diferentes. No quadro da observação experimental dos fenômenos naturais, não há espaço para o conceito de direitos naturais. A natureza é insensível em relação à vida e à felicidade de qualquer pessoa. A natureza é necessidade e regularidade férreas. É um disparate metafísico juntar a “escorregadia” e vaga noção de liberdade com as leis absolutas e invariáveis da ordem cósmica. Assim, a ideia básica do liberalismo é desmascarada como uma falácia.“
Penso que Mises ao apontar que “a natureza é insensível em relação à vida e à felicidade de qualquer pessoa” denota uma crítica importante à analogia da noção de liberdade com os fenômenos naturais que são impessoais, enquanto é igualmente importante considerar o seu modo de pensamento na praxeologia (p245) relacionada ao que ocorre na cataláxia:
“Todas as categorias praxeológicas são eternas e imutáveis, pois são determinadas unicamente pela estrutura lógica da mente humana e pelas condições naturais da existência do homem. Tanto ao agir, como ao formular teorias sobre a ação, o homem não pode se libertar dessas categorias nem ir além delas […]”
Nessas categorias residem as ações propositadas do agente humano (p. 54).
A defesa dos direitos naturais diante da crítica de Mises pode ser melhor refletida se for considerado o que entendo ser o ponto central da refutação (pp. 216-217):
“Seus defensores não se importam com o fato incontestável de Deus ou a natureza não terem criado os homens iguais, como prova a evidência de que muitos nascem sãos e fortes, enquanto outros nascem aleijados e deformados. Para eles, todas as diferenças se devem à educação, às oportunidades e às instituições sociais.”
Simplesmente Mises aponta que a defesa dos direitos naturais, uma cifra carregada de senso de justiça e moralidade, não tem amparo na observação experimental dos fenômenos naturais que acontecem sem evidente alinhamento com referências sobre o justo e o injusto, o bem e o mal. Desastres, tragédias no mundo natural acontecem com pessoas independente do conceito de moralidade que se tenha delas. Este problema, por sinal, é o que entendo como “o calcanhar de Aquiles” da teologia que tenta explicar o problema do mal, das coisas consideradas injustas herdadas da natureza, fora da interferência humana.
01/10/2024 21h53
Imagem: A Casa Humana
“Não há espaço para falar sobre a morte com pessoas que não estão vivas em suas vidas.”
Obra: A morte é um dia que vale a pena viver. Como ajudar alguém a morrer. Sextante, 2019, Rio de Janeiro. De Ana Cláudia Quintana Arantes.
A doutora Ana Claudia premia os leitores ao compartilhar suas experiências na missão dos Cuidados Paliativos.
Mais uma obra de utilidade pública.
Entre diversos pontos que meditei, o que mais me tocou diz respeito ao sentido mais profundo dos Cuidados Paliativos defendido pela doutora através da kalotanásia, a morte “bela” (p. 60), onde a assistência ao paciente terminal se pauta pelo trato da forma mais amorosa e sublime que possa ser oferecido (p. 61), com empatia e compaixão (p. 66), muito além da ideia comum que se tem em torno da sedação (p. 59) mediante um quadro onde a medicina não tem mais nada a oferecer (p. 54). E esse “nada” é enganoso. Os Cuidados Paliativos envolvem o que a medicina pode oferecer para uma relação de apoio e alivio ao paciente enquanto o médico aprende sobre o aprimoramento do seu papel na humanização do processo.
O livro tem uma áurea poética; um verso ou um pensamento abre cada reflexão; Clarice Lispector, Gilberto Gil, Fernando Pessoa, Adélia Prado, Gibran Khalil Gibran, São João Crisóstomo, Mahabharata…. Nesse espírito me lembrei de uma passagem do filme Interstelar onde o professor Brand diz a Cooper: “Eu não tenho medo da morte, eu sou um velho físico. Eu tenho medo é do tempo“. E assim pensei em um outro ponto provocante suscitado pela autora: o problema do sentido da vida quando se é confrontado com a terminalidade humana, sobretudo quando envolve um ente querido.
O processo doloroso de lidar com a expectativa de morte iminente de alguém que amamos, quando a medicina não tem como curar e revela a proximidade da condição terminal, pode também ser um momento de enlevo espiritual quando desencadeia um exame de consciência em torno do sentido e da finitude da vida, na medida em que meditamos sobre uma experiência que também nos aguarda e nos questionamos sobre o que fizemos com o tempo que passamos na existência, o que me remete à reflexão que a doutora apresenta sobre os “zumbis existenciais” (pp 118-119). Se para um físico o tempo pode ter um sentido muito complexo, impactado pela teoria da relatividade, penso mais no plano humano-terreno-existencial, onde o tempo é uma conta que nos será cobrada no balanço que se fecha na experiência da morte. Se tivermos a disposição para um confronto auto crítico sobre como vivemos, se vivemos ou, como discorre a doutora, estamos em um modo “morto-vivo” que perambula se escondendo das questões mais essenciais da vida, vivendo mais para as aparências para agradar os outros, do que para algo substancial, sem encontrar sentido para seguir no fascínio da vida, a reclamar de tudo e todos, fingindo que se está vivo enquanto disfarça o sofrimento profundo, a incluir a imaturidade para refletir sobre a morte, como aponta no trecho (p. 85) de destaque desta Leitura.
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