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“O mesmo poeta que, ainda há pouco, inspirou aos estudantes os versos mais satânicos, os gritos mais desesperados contra Deus e todos os santos, revelou-se depois juiz implacável das consciências torturadas, e hoje é festejado como grande poeta cristão.”
Obra: Ensaios Reunidos. Volume I. 1942-1978. Retratos e Leituras (1953). Baudelaire e a liberdade. Topbooks/UniverCidade, 1999, Rio de Janeiro. De Otto Maria Carpeaux (Áustria/Viena, 1900-1978).
Refere-se Carpeaux ao poeta Charles Pierre Baudelaire (1821-1867), “talvez o maior poeta do século passado (XIX)” (p. 572), sendo um curioso caso de “glória póstuma”, dos versos satânicos ao prestígio de grande poeta cristão, cujo catolicismo “foi afirmado pela unanimidade da crítica católica francesa” (p. 571).
Um tema de importância maior nas obras de Baudelaire é apontado por Carpeaux: “o supremo valor humano, a Liberdade” (p. 572), e isso o faz ao citar os direitos “esquecidos” lembrados pelo poeta face à definição dos direitos do homem:
celui de se contredire
et celui de s’en aller
Teria sido realmente um poeta “satânico”? (p. 572), questiona o austríaco mais brasileiro que conheço.
Bem, discorre Carpeaux que o culto ao Diabo tem suas raízes no romantismo francês, e o que era uma brincadeira de “boêmios excitados” (p. 572) em Baudelaire se tornou coisa séria, ao se enveredar por uma profunda crença na “corrupção da Natureza, deturpada do pecado original”, o que tornou sua poesia uma “luta desesperada contra as forças da Natureza corrompida” (p. 573). Sendo a Natureza diabólica, a “teologia poética” de Baudelaire se afasta da ortodoxia cristã ocidental, não importa se católica romana ou protestante, penso.
O que seria então a poesia de Baudelaire? Pensei em maniqueísmo, o que Carpeaux indica (p. 574). Não me surpreende por isso que o dogma central da fé cristã, Cristo crucificado, não faça parte dos versos de Baudelaire, mas então, por que acabou referenciado no catolicismo francês? O poeta não deve ser visto como teólogo. Não fez teologia, não desenvolveu um sistema, não produziu uma auto-realização pela via religiosa, e sim pela arte (p. 576).
Baudelaire foi um artista, um poeta, que refletiu “em fórmulas do passado e com força profética, a má consciência de uma sociedade que se diz cristã sem o ser” (p. 577). Penso que foi por seu espírito de liberdade que exprimiu sua poesia, sendo sua verdade pessoal e não a dos outros (p. 578), aponta Carpeaux.