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“Interpretar o desejo é restituir aquilo ao qual o sujeito não pode acessar por si só […]”
Obra: O Seminário, livro 6: O desejo e sua interpretação. VIII – 14 de janeiro de 1959. Zahar 2016, Rio de Janeiro. De Jacques-Marie Émile Lacan (France/Paris, 1901-1981).
Desejo não é necessidade. O primeiro está para uma demanda que não é essencial, e o segundo está para a sobrevivência. Estou com fome, saciá-la é a necessidade por sobrevivência, no entanto posso fazê-la sem recorrer a um restaurante francês, que se situa no campo do desejo.
Quanto ao trecho (p. 100) desta Leitura, a respeito do que o sujeito não consegue acessar por si só para compreender o próprio desejo, relaciona-se com o “afeto que designa, ao nível desse desejo que é o seu”. Quanto ao afeto, penso, o que explica um desejo por algo ou por uma pessoa? O que faz uma pessoa consumir um produto que custa bem mais que um similar na mesma qualidade? Foi Lacan que me ajudou a entender e isso passa pelo “significante”; uma ideia de ostentação ou de prestígio em torno do objeto demandado. Não é preciso de um iMac para o cotidiano onde um PC popular resolve, mas possuí-lo pode ter um significado importante para quem carece de exibir um poder de consumo.
O desejo por algo ou alguém se explica também com uma forma, uma textura, um tom do voz, um determinado aspecto de brilho ou cor, uma forma de se movimentar, uma linguagem corporal, em meio a influência do meio entre elementos que dão uma face simbólica ao objeto demandado que se concebe com o que se tem expectativa por satisfação. A ostentação de um produto de grife se relaciona com a força da influência coletiva sobre o indivíduo que cede no entendimento de uma satisfação que diz mais ao que o meio ou a massa lhe impõe, do que sobre o que realmente precisa.
O desejo não está para o que se demanda, mas àquilo que ele é “em função dessa demanda”. O que cabe de ser interpretado não é o objeto demandado em si, mas o enigmático “fantasma”, ou que diz respeito à demanda recalcada, mascarada (p. 100), e aqui vejo um elemento ético importante quanto ao que está por trás de um desejo.
Não é o desejo em si quanto ao objeto que interessa à análise de Lacan para a sua interpretação, e sim o que lhe causa. Não é o desejo do masoquista, do acometido por disposição ao suicídio, do narcisista que não cansa de tirar foto de si de corpo inteiro com pose apelativa para postar em redes sociais, ou de um consumidor compulsivo por algo, mas o que lhe causa é a chave para compor sua interpretação. O que o objeto demandado representa, enquanto significante, está no âmago da interpretação do desejo em Lacan.