Uma leitura ao dia chega a novembro a meditar sobre os que se foram na Requiem em ré menor K.626 de Wolfgang Amadeus Mozart (Áustria/Salzburgo, 1756-1791), executada pela Orquestra Nacional da França, com o coro da Rádio França, sob a regência de James Gaffigan.

30/11/2022 23h22

Imagem: Rodrigo Gurgel. Bio.

Rodrigo Gurgel

“[…] o brasileiro é condicionado, sempre e cada vez mais, a enganar-se quanto a seus defeitos e qualidades, travestindo-os por meio do sentimentalismo, da farra, da autocomiseração ou do comportamento ufanista.”

Obra: Esquecidos e Superestimados. Capítulo 2 Escondido e desprezado – Emmanuel Guimarães e A Todo transe!… CEDET. Vide Editorial, 2014, Campinas, eBook Kindle. De Rodrigo Gurgel (Brasil, 1955)

Eis o que sintetiza o crítico literário e conservador, e por não dizer bibliófilo, em meio à análise de À todo transe!…, romance publicado em 1902 “escorraçado das antologias e banido das livrarias”, de Emmanuel Guimarães (1871-1907), cuja ficção descreve “a índole duradoura da classe dirigente e a feliz alienação do povo”; “a semelhança entre o romance e as piores páginas do noticiário político chega a ser assustadora” (pos. 467), afirma Gurgel.

A considerar uma sociedade cuja elite intelectual está bastante ocupada pela mentalidade marxista, e explora sentimentos denotados no trecho citado, um romance que expõe as mazelas da política só terá chance de ter algum êxito de disseminação, penso, se tiver como pano de fundo uma crítica ácida sobre a índole de políticos taxados como conservadores ou de direita. Políticos de esquerda, na atual sociedade, são os mais beneficiados pela indignação seletiva que o viés ideológico promove. Pois bem, Gurgel entende que a obra não tem idealismo, senão nas falas de Andrade e Melo, deputado monarquista , “o último que tem a coragem de se afirmar como tal” (pos. 478) e talvez esteja neste ponto a falta de “espaço” na divulgação da obra.

Com 18 capítulos, Esquecidos e Superestimados é um gracioso convite para um novo caminhar na literatura, para quem deseja ir além das bolhas dos arraias policiados pela patrulha progressista.

29/11/2022 23h36

Imagem: INDA CRIATIVA

Romeu Demattè Júnior

“Muitas são as definições para o que seria contabilidade colaborativa. Gostamos de seguir aquela escola que define contabilidade colaborativa como sendo o aproveitamento dos dados provenientes dos clientes das empresas, da própria empresa de contabilidade e do governo […] não se trata de apenas determinado sistema para outro sistema, mas sim de quaisquer sistemas que os clientes estejam utilizando, transformando-se assim, além de um aplicativo, em um conceito de captação de dados digitais.”

Obra: Tratactus Evolution Contabilidade Colaborativa. Capítulo 06. Editora Conhecimento, 2019, formato físico. De Romeu Demattè Júnior (Brasil/São Paulo/Serra Negra).

Nesta obra, Romeu Demattè Júnior, um dos fundadores da Exactus Software, apresenta um conceito que é muito interessante para consumidores de Tecnologia da Informação (TI) e talvez não o seja para especialistas em vender sistemas de contabilidade e gestão que são desnecessários, sob apelo de “unificação” ou “padronização” por conta de demandas de integração. E por conta de desconhecimento sobre a contabilidade colaborativa, no final, contadores acabam pagando por pacotes desnecessários e para atestar basta verificar o quanto acabam sendo pouco utilizados.

Penso que em vez de promover a aquisição de sistemas por um (vago) conceito de “integração” para “padronização”, algo oneroso e, muitas vezes, contraproducente, a ideia que extraí deste livro é aproveitar ao máximo o que se tem em termos de produção de dados nas empresas, para uma integração robotizada, combinada com hospedagem na nuvem e inteligência artificial, fazendo uso de métodos para complementar dados de maneira que sejam produzidas informações qualificadas para aproveitamento em escriturações contábeis formando um conjunto que faz uso do que o autor denomina de “linguagem de 7a. geração”.

Muito mais que aplicativos e linhas de programação, Romeu Demattè Júnior desenvolve um importante conceito que beneficia bastante os consumidores de TI. Se uma empresa tem um sistema de gestão financeira consolidado, customizado, não faz sentido substituí-lo por um indicado pelo contador/lobista ou quem quer que seja. A inserção da contabilidade colaborativa é uma resposta sensata, técnica e econômica que mantêm o sistema e integra os dados de interesse da contabilidade com outras plataformas.

28/11/2022 23h18

Imagem: ex-isto

Sócrates

“Logo, meu caro amigo, quem não conhece a verdade, mas só alimenta opiniões, fará naturalmente da arte da retórica uma coisa ridícula que não merece o nome de arte.”

Obra: Fedro. Edição da Martin Claret, São Paulo 2003. De Platão (Atenas, 428/427 – 348/347).

Mais um “diálogo socrático” de Platão, leitura de 2004. Quão difícil, penso, separar o que se trata de pensamento de Platão e o que seria de Sócrates, personagem central dos diálogos. No entanto, a introdução da edição que disponho cita o que pensou Friedrich Schleiermacher (1768-1834) sobre Fedro: resumo da filosofia de Platão (p. 51).

Fedro e Sócrates conversam sobre o discurso de Lísias. O que é um bom discurso? Sócrates insere o problema da verdade na arte da retórica (p. 98) e o fruto que dela se pode ter quando o orador atua a impelir seus ouvintes à ignorância (p. 99) pela persuasão. Neste contexto está a analogia do burro, onde Sócrates se coloca como um vendedor e o apresenta como um animal com as características de um cavalo, com base no conceito que está em concordância com o que o comprador pensa sobre o animal; então, para persuadir, saber o que o público pensa antes é suficiente, enquanto retroalimenta a ignorância.

Para não cair como instrumento de engodo ou do “mau caminho” (p. 99), a genuína retórica consiste no orador, de fato, estar bem informado da verdade sobre o que vai falar (p. 98), caso contrário terá apenas opiniões para dar de alimento a quem esteja na ilusão do saber (trecho da citação, p. 102).

A questão nos diálogos socráticos de Platão é atualíssima em nosso tempo de “pós-verdade”, onde flui em elevadíssima velocidade a comunicação. Os oradores de hoje estão potencializados pelas redes sociais e são exemplos categóricos do problema da retórica do vendedor de “burro” que o anuncia como se fosse um “cavalo”, com base no conhecimento precário que o público-alvo tem sobre o objeto em questão. Nesta ética que faz da retórica uma coisa ridícula, a verdade não importa e sim o objetivo único de fazer prevalecer um conceito de disseminação da ignorância pela persuasão.

27/11/2022 10h16

Imagem cedida pelo autor

Luciano Macêdo

Você e o Amor

“Uma noite igual a tantas… a não ser por um detalhe: você.
Você que é linda e que o destino traçou.
Você que faz os meus olhos brilharem
neste momento de amor.
É o rio que em correnteza descia
montes e penhascos, onde o meu barco corria, você… você que no meu barco entrou.
E o rio para o mar nos levou… num momento de carinho, onde a água nos juntou
em união perfeita e pura que
para o mar nos levou.
É um barco com velas hasteadas
que a força do destino conduz… você,
você que é luz, que é estrela
que o mar bravio conduz
em um livro de forças imensas,
neste momento de luz.
É o oceano em festa!
É a natureza bravia, você!
Você é a flor da primavera
que um beija-flor beijou.
Você é um caminho que nas estrelas brilhou.
E as marés vão e vêm no romantismo do amor.
É a floresta vazia
que o malvado levou… você.
Você caminhou tão sozinha
e no meu barco entrou,
encantando o mundo que um dia
a natureza mostrou: um detalhe de fantasia
que ao amor nos levou.”

Obra: Você e o Amor. De Luciano Arcelino de Macêdo (Brasil/Pernambuco/Recife, 1957).

O poeta da Maria Olinda está de volta e neste belo poema trabalha elementos que me fazem pensar na Teologia do Corpo [150], de São João Paulo II.

A “união perfeita e pura” que conduz a uma comunhão onde o “mar” pode significar a vida cheia de complexidades e circunstâncias, ao mesmo tempo que soa como uma releitura da “linguagem do corpo”, que se manifesta por um amor “de natureza espiritual e, ao mesmo tempo, sensual, por uma síntese da beleza humana, da alma e do corpo”.

O brilho nos olhos nesta doce contemplação masculina, harmoniza-se de maneira que revela um caminho (“que nas estrelas brilhou”) e remete a pureza desse encontro, a um deslumbramento por “um fascínio de forma mais ampla do homem pela mulher em referência ao Gênesis (2.23), por uma particular experiência de valores”.

“Você… você que no meu barco entrou”; mulher livre, espiritual, que caminhava “tão sozinha”, mas com seu dons de pertencer a si mesma, “pode decidir não só da profundidade metafísica, mas da verdade essencial e da autenticidade do dom de si, na profundidade da entrega enquanto destinados um ao outro”.

Amor genuíno, resistente, bênção que segue como um “barco com velas hasteadas que a força do destino conduz, sua base está na plena verdade, na profunda convicção “de que a amplitude da sua pertença constitui aquele dom recíproco em que o amor se revela ‘forte como a morte’ a atingir os limites da ‘linguagem do corpo'”.

150. Ver resumo de lições de 23/05/1984 [9], 30/05/1984, 06/06/1984 e 27/06/1984

26/11/2022 23h12

Imagem: katholish.de

Hans Küng

“Este silêncio sobre o Holocausto foi mais do que um fracasso político: foi um fracasso moral.”

Obra: A Igreja Católica. 8. A Igreja Católica – Presente e Futuro. Silêncio sobre o Holocausto. Edição da Objetiva, 2002, Rio de Janeiro. Tradução de Adalgisa Campos da Silva. De Hans Küng (Suíça/Sursee, 1928-2021).

O peritus (consultor teológico) para o Concílio Vaticano II se referiu ao papa Pio XII. Menciona também o papa João Paulo II que, em sua confissão de culpa em 2000, não considerou o silêncio de Pio XII sobre o Holocausto e preferiu beatificá-lo (p. 219). Cita o autoritarismo de Pio IX como linha do pontificado, lembra o caso do menino Edgaro Martara, abduzido dos pais judeus para a realização de um batismo em segredo no catolicismo (p. 220).

Hans Küng elenca algumas ações que marcaram o pontificado de Pio XII, na sua visão “o último representante incontestável do paradigma antimoderno medieval da Contra-reforma” (p. 220), “o homem que, depois da guerra, excomungaria todos os membros do Partido Comunista pelo mundo inteiro, por causa da situação política doméstica na Itália, sequer cogitou excomungar os ‘católicos’ Hitler, Himmler, Goebbels e Bormann” e que “até morrer, recusou o reconhecimento diplomático do jovem Estado democrático de Israel” (p 223).

O teólogo suíço considera Pio XII um papa que foi “autoritário” no segundo dogma mariano (Assunção de Maria), assim como no caso em que “interditou os padres operários franceses e destituiu todos os teólogos mais importantes de seu tempo” (p. 220). Küng salienta que Pio XII lamentou “brevemente e em termos gerais e abstratos o destino do ‘desventurado povo'”, mas “nunca usou a palavra ‘judeu’ em público” (p. 222); “opôs-se a uma condenação pública do nacional-socialismo e do anti-semitismo” (p. 220), além de ter finalizado o “Reichskonkordat com o regime nazista” (p. 221) que foi o primeiro tratado internacional com Hitler. Para Pacelli, na visão do autor, “só Roma era a nova Sion, o centro da Igreja e do mundo” (p. 221).

Foi interessantíssima, em minha experiência de leitura (2003), conferir esta auto crítica de Hans Küng. Não é à toa o aviso na abertura que, apesar de suas experiências “de quão implacável pode ser o sistema romano”, a Igreja Católica seguiu como o seu “lar espiritual” (p. 15).

Papa enviesado na ideologia política é sempre algo danoso à Igreja. Se no século XX o viés foi anti-comunista, cujo problema residia em uma indignação seletiva que fazia vista grossa à extrema-direita, hoje parece ocorrer o contrário: o atual papa soa simpático a políticos comunistas ou de extrema-esquerda, com críticas progressistas sobre a economia enquanto se mostra um tanto fechado, digo pouco disposto a um “diálogo” com políticos do outro lado.

25/11/2022 23h38

Imagem: Companhia das Letras

Paulo Vinícius Coelho

“De certa forma a seleção de 70 foi a mais pura síntese da escola brasileira. Com a mistura de estilos de norte a sul, a equipe apresentava a troca de passes pelo chão desde o campo de defesa, a marcação com quatro homens em linha sem o acompanhamento homem a homem e o enfoque na habilidade individual.”

Obra: Escola Brasileira de Futebol. 1. O maior time da história. Edição da Objetiva, Companhia das Letras, São Paulo, 2018, eBook Kindle. De Paulo Vinícius Coelho (Brasil/São Paulo/São Paulo, 1969).

A literatura sobre o futebol brasileiro segue sendo bem tratada após o legado de mestres como Nelson Rodrigues e Armando Nogueira. À mon avis, Paulo Vinícius Coelho, o PVC, jornalista estudioso da história do futebol e dos esquemas táticos, dá um tom de qualidade com originalidade na literatura futebolística.

Afirma o enciclopédico que a seleção de 70 “recuava para se proteger” e que “tudo mudava quando tinha a bola”. Quanto ao plano defensivo, salienta que “nos videoteipes da Copa de 1970, não é raro ver a seleção inteira atrás do meio de campo quando o rival tinha a bola”. Ao ler o capítulo dedicado a apresentar a icônica seleção tri campeã, que também faturou a eleição da revista World Soccer, para mim ficou claro que o técnico Zagalo, com uma boa gestão da preparação física (Admildo Chirol e seus assistentes Cláudio Coutinho e Carlos Alberto Parreira), promoveu ajustes no jeito de jogar da seleção para superar problemas ocorridos na Copa de 1966, diante da formação tática e a força física dos europeus, o que não mudou a característica principal do futebol brasileiro até então que é a constante preferência pela busca do gol.

De certa forma, a canarinha de 70 com um futebol atualizado para enfrentar os europeus no México, sem ponta-esquerda, nem centroavante, com “camisas 10” partindo para cima, antecipou alguns traços do que seria o “futebol total” do carrossel holandês em 1974. PVC conta como a seleção se preparou para apontá-la, no final do capítulo, como uma síntese do futebol brasileiro. Foi um time poético cuja lógica foi o prazer de jogar e não a posse de bola obsessiva, como o próprio PVC cita em relação ao que se pensa sobre Josep Guardiola, hoje.

Uma curiosidade neste capítulo está na história da demissão de João Saldanha, às vésperas do mundial. Saldanha era comunista declarado e, curiosamente, foi escolhido pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD, sucedida pela CBF), para ser o técnico de uma seleção no país onde rolava um regime militar de “caça” aos comunistas (de guerrilha, enquanto outros ocupavam tranquilamente as universidades no sentido gramsciano). Especulações à parte, a saída de Saldanha envolve inclusive um suposto mal estar com Pelé, fato é que PVC mostra que a mudança para Zagalo produziu melhores resultados, enquanto conservou a marca de uma escola admirada no mundo inteiro.

24/11/2022 23h06

Imagem: Museu do Futebol

Armando Nogueira

Chegue para ficar, menino-que-chega, porque é aqui que está a bola – a bola da minha, da tua, da nossa infância; aqui está a bola que, rolando, descobre o céu, brinquedo mágico, forma perfeita, forma divina.

Deus é esférico.”

Obra: Menino-que-chega. Ler também é uma paixão. Número I, junho 2004. Domínio público. De Armando Nogueira (Brasil/Acre/Xapuri, 1927-2010).

Por razões que competem à minha vã filosofia, perdi o gosto por assistir a partida de futebol. Permito-me a lampejos da brevidade de um lance ou outro, quem sabe a refletir alguma poesia que ainda pulsa onde o business se impõe. Assim parei para apreciar a obra de arte de Richarlison, que me fez lembrar outro mestre das crônicas: Armando Nogueira.

Richarlison hoje foi uma releitura do “menino-que-chega”, para ficar… porque a bola minha, da nossa infância, está para a poesia, apesar da brutta figura de quem, nesse brinquedo mágico, a transforma em negação da força da ingenuidade e da alegria no coração daquele menino do mestre Armando, que caiu na felicidade de ir pela primeira vez ao Maracanã; e assim Richarlison, na felicidade de sua primeira vez em Copa, assinou uma pintura para saudar a que Garrincha esculpia ao vento.

23/11/2022 23h36

Imagem: Sétimo Selo

Santo Agostinho de Hipona

“Chegado o tempo em que convinha nos inscrever para receber o batismo, deixamos o campo, e voltamos para Milão.

Alípio também quis renascer em ti comigo […] Juntamos também a nós o jovem Adeodato, filho carnal de meu pecado, a quem dotaste de grandes qualidades.”

Obra: Confissões. CAPÍTULO VI. Batismo de Agostinho. Seu filho Adeodato. Martin Claret, 2002, São Paulo. Tradução de Alex Marins. De Aurelius Augustinus Hipponensis (Aurélio Agostinho de Hipona), Santo Agostinho de Hipona (Norte da África/Tagaste, 354-430).

Dezembro está chegando… Milão…

Com o meu lado agostiniano que pulsa, para entender o que se tornou ortodoxo na fé cristã nos quatro primeiros séculos, imprescindível conhecer o pensamento de Agostinho, inclusive para compreender melhor o senso crítico de Lutero, o monge agostiniano e o protestantismo que dele se desenvolveu. O bispo de Hipona em Confissões, caminha pelo próprio passado e mergulha na introspecção com a segurança da fé que converge a Cristo como modelo de santidade e moral seguindo a tradição de São Paulo.

Grande privilégio ter visitado o local onde o bispo Santo Ambrósio acolheu o catecúmeno filho de Santa Mônica, Agostinho, em Milão. Sob o Duomo está o Battistero di San Giovanni, onde o jovem ex-maniqueu e ex-professor-profano-namorador teria sido batizado por imersão com seu amigo Alípio e o filho Adeodato. Abaixo da catedral está o sítio arqueológico como traço da história dos tempos finais da Patrística, penetrando em minhas memórias de leituras. 

É a Itália das cidades-museus que nos conectam a raízes da fé e quase sempre passem sem a percepção de turistas que se encantam com o terraço do Duomo, quando a maior riqueza fica bem embaixo, nas ruínas da antiga igreja.

22/11/2022 23h12

Imagem: Alchetron

Hans-Hermann Hoppe

“[…] o fenômeno do aumento dos índices de criminalidade somente pode ser explicado pelo processo de democratização: por um crescente grau de preferência temporal social; por uma crescente perda, tanto em termos intelectuais quanto em termos morais, de responsabilidade individual; e por uma diminuição do respeito por todas as leis – i. e, relativismo moral -, estimulada por inabaláveis enchentes de legislações.”

Obra: Democracia, o Deus que Falhou. Capítulo II. Sobre a Monarquia, a Democracia e a Ideia de Ordem Natural. Edição do Mises Brasil, 2014, São Paulo. Tradução de Marcelo Werlang de Assis. De Hans-Hermann Hoppe (Alemanha/Baixa Saxônia, 1949).

Torno a esta leitura de 2015 a pensar o quanto pode ser vista como “criminosa”, “subversiva”, passível de ser censurada ou quem sabe queimada em praça pública com os louvores dos que foram educados no sistema educacional da Pindorama, como este que vos escreve, para tratar a democracia como um deus; intocável. A democracia instrumentalizada gera anátemas, mesmo quando se apresentam argumentos sólidos sobre sua instrumentalização para fins eticamente questionáveis.

O filósofo libertário alemão Hoppe está longe de ser o primeiro a analisar com criticismo certos desdobramentos de regimes democráticos. Uma Leitura [149] sobre Sócrates, em dialética com Adimanto, na obra A República, de Platão, serve como outro exemplo:

“A democracia, ‘uma forma de governo aprazível, anárquica, variegada’ (Livro VIII, p. 255), é esmiuçada não tendo o apreço de filósofos quanto à importância do comando ou leme do ‘navio’ (alegoria) do Estado aos cuidados dos filósofos. Entre os problemas, a democracia se forma a partir da oligarquia, sofre alteração para dar lugar à tirania (p. 259) mediante ‘cúmulo da liberdade’; seria da liberdade em excesso (p. 262), que surge “a mais completa e mais selvagem das escravaturas” (p. 262)”.

É comum encontrar quem, ao se deparar com algum tipo de crítica à democracia, confundir o crítico com um defensor de algum regime tirânico, mediante forma binária de raciocínio que tem enorme potencial de atrapalhar uma reflexão com propósito de não ser passional ou enviesada.

Vejo a democracia sob um criticismo importante, abordada em análises distintas nas citações desta Leitura: Sócrates a vê, como evolução, tendo parte de um processo de exploração política com potencial de ser um caminho para um regime tirânico. A análise de Hoppe (pp 81-107) está no contexto do surgimento dos estados modernos republicanos, da transição partindo da monarquia (1789-1918), tendo como marco a Revolução Francesa (1789), onde expõe a ampliação do escopo estatal incluindo desdobramentos econômicos, mediante o aumento dos impostos, do endividamento “público”, da inflação, além do que define como preferência temporal social” que se associa ao relativismo moral.

149. 24/04/2022 09h43 A República. Livro VI. Edição da Martin Claret, São Paulo 2002, formato físico. De Platão (Atenas, 428/427 – 348/347)

21/11/2022 23h46

Imagem: UAI

Nelson Rodrigues

“O que a sra. Friedman quer é, justamente, liquidar a mulher como tal. Se vocês espremerem tudo o que ela diz, ou escreve, descobrirão que a nossa ilustre visita pensa assim, mais ou menos assim: — “A mulher é um macho mal-acabado, que precisa voltar à sua condição de macho”. Dirão vocês que estou abusando do direito de interpretar e fazendo um exagero caricatural. Pelo contrário: — estou sendo fidelíssimo ao sentido dos seus textos, de todas as entrevistas que concedeu, em todos os continentes.”

Obra: O melhor de Nelson Rodrigues. Crônicas. Inimiga pessoal da mulher. Edição da Nova Fronteira, 2018, Rio de Janeiro. eBook Kindle. De Nelson Falcão Rodrigues (Brasil/Pernambuco/Recife, 1912-1980).

Crônica publicada em O Globo, 17/04/1971.

Encontrei nesta coletânea a íntegra da crônica que tinha escutado em 1996 e que me despertou o interesse pelo pensamento da feminista Betty Friedan (1921-2006).

Na edição que disponho está “Friedman”.

Contexto: Desembarcara no Galeão a ativista americana, um dos ícones do feminismo à época, e assim foi recebida na coluna de Nelson Rodrigues. Fiquei então a pensar se um jornalista fizesse isso hoje, com a imprensa no grau de viés ideológico em que se encontra e as redes sociais repletas de formadores de opinião nos dois lados da idolatria política.

Rodrigues coloca em dúvida o feminismo de Friedan: “não tem nada a ver com a mulher” (4. pos. 3032) e então a chama jocosamente de “líder do antifeminismo” (11. pos. 3059). A visão de Friedan (que é claramente relacionada com Simone de Beauvoir), define a feminilidade como uma consequência de uma sociedade de consumo e Nelson Rodrigues parece classificá-la na categoria de quem disse coisa nenhuma enquanto a define como “um ser todo feito de certezas” (12. pos. 5059), ao se referir a forma como respondeu às perguntas onde tudo convergia à tese de que a feminilidade é uma ilusão. A colega de redação, bem diferente de jornalistas do tempo presente, que estava na coletiva, comentou à feminista “pois eu me sinto muito feminina” (13 pos. 3066).

O pernambucano mais carioca que tenho notícia, em seu ofício com as palavras, não poupa Friedan e assim resume a fixação antifeminina da autora: “no fim de tudo, tenhamos dois machos” (14. pos 3066) e que a ativista “nem desconfia que sexo, para o ser humano, é amor.” (17 pos. 3082).

20/11/2022 12h36

Imagem: Clarín

Max Weber

“Um dos elementos fundamentais do espírito do capitalismo moderno, e não só dele mas de toda a cultura moderna, é a conduta racional baseada na de ideia de vocação, nascida – como se tentou demonstrar nessa discussão – do espírito do ascetismo cristão.”

Obra: A ética protestante e o espírito do capitalismo. Capítulo V – O ascetismo e o espírito do capitalismo. Martin Claret, 2002, São Paulo. Tradução de Pietro Nassetti. De Maximilian Karl Emil Weber (Alemanha/Erfurt, 1864-1920).

Nas duas experiências de leitura desta obra (1995, 2002), prevaleceu um “Será?” em minhas anotações, mas hoje enxergo melhor contribuições consideráveis de Max Weber para uma melhor compreensão de certos traços do protestantismo em suas raízes históricas nas relações com o capitalismo moderno.

Apesar da ênfase no nascedouro embasado no “espírito do ascetismo cristão”, Max Weber foi o primeiro autor, em minha leituras, a destacar um traço interessante entre o ascetismo protestante e a propensão a poupança em função de certa aversão ao consumismo (pp 124-125) relacionado ao que o ascetismo concebia como “futilidades” (p. 122). A riqueza é eticamente má se for usada para tentação em um “gozo de vida no ócio e no pecado” (p. 118), e neste ascetismo é negado “o desfrute da vida e de tudo o que ela tem de oferecer” (p. 121), conclui um dos pais da sociologia, cuja análise se baseia com frequência na interpretação do puritano inglês Richard Baxter (1615-1691). De certa forma, o puritanismo protestante apresentou tendência para aspectos da cultura sem relação com valores religiosos, mas o próprio Max Weber reconhece que “não é verdade que os ideias puritanos implicassem em um solene e intolerante desprezo pela cultura” (p. 121); de certo modo havia algum interesse, se bem que enviesado com o propósito religioso, a considerar os exemplos mencionados em relação a sermões presbiterianos com citações de clássicos e as ligações de grandes nomes do movimento puritano com a renascença (p. 122). No mais, puritanos protestantes detestavam o que hoje ainda pode ser visto em certos grupos evangélicos como desprezo às coisas mundanas. Em um tempo em que não existiam rádio, televisão, cinema, o teatro era detestável para puritanos. O erótico, a superstição, a nudez, a conversa livre, “fiada”, as ostentações, são alguns elementos, mencionados por Max Weber, que não poderiam estar na literatura e nas artes em geral aos olhos desse ascetismo (p. 122). Nesta visão da existência terrena, as posses denotam bênçãos; quanto mais se acumulava riqueza, maior era o sentimento de responsabilidade na administração para que houvesse crescimento, progresso, mais riqueza. A prosperidade material estava intimamente ligada a uma ideia de que a posse dos bens está para a glória de Deus. Neste sentido, Max Weber me fez perceber um link do protestantismo ascético em termos do que considera como “fundamentos éticos consistentes” (p. 123) em seu significado para o desenvolvimento do capitalismo moderno.

Há uma distância enorme entre o ascetismo protestante como catalisador do acumulo de riquezas e o desapego às coisas materiais nas comunidades cristãs primitivas. Isso não significa que meu entendimento é de que os primeiros cristãos fossem “comunistas”; apenas penso que tinham uma relação com o plano terreno como algo efêmero, onde se colocava a caridade como sinal da fé em Cristo, desdobrando em um voluntário partilhar com implicações na vida social, enquanto havia grande expectativa pela vida no Reino falado por Cristo. No protestantismo ascético, a caridade se faz presente, no entanto serve mais como um disfarce para uma ocupação materialista que diz respeito ao acumulo de riqueza, camuflagem reforçada com o uso de jargões do tipo “é para a glória de Deus”. Não que ter posses seja um problema em si, mas no sentido deste acúmulo insaciável dado a própria existência como se o “reino de Deus” anunciado por Jesus não passasse de uma infantil fantasia.

Em outro contexto, no lugar da propensão ao acúmulo pela preferência à poupança e ao investimento, o que marcou as primeiras gerações de protestantes, hoje é nítido um consumismo hedonista onde o materialismo está explícito entre muitos “crentes” onde Jesus parece mais um “gênio da lâmpada”, não limitado aos “três desejos”, e que atende aos diversos caprichos de um “amo”. Lembro-me de um caso emblemático de um indivíduo “evangélico”, com um certo olhar de orgulho por promover cultos domésticos, que começou a conversar comigo cuja pauta se restringia (sem que eu a tivesse incentivado) nos bens que possui (precisamente casas, terrenos e carros). Em rodas de pessoas religiosas e endinheiradas, sobra um materialismo tão intenso quanto o de ateus e de socialistas, esse últimos pautados no desejo de tomar o que é dos outros, tudo camuflado com uma fé onde o reino de Deus não passa de fábula. Estão tão-somente ocupadas com valores bem mundanos, terrenos. Pessoas assim são fáceis de serem encontradas e parecem mesmo confirmar o que Nietzsche afirmou, em tom tão provocante, de que o “anticristo” esteja muito bem representado entre muitos que se dizem “cristãos”:

“[…] no fundo só existiu um cristão e esse morreu na cruz” [148]

148. 24/08/2022 00h02

19/11/2022 19h54

Imagem: Britannica

Adolf von Harnack

“Jesus se dispôs a discutir com discípulos a visão de uma sociedade humana não mais amparada por institutos jurídicos, mas regida pelo amor, uma sociedade em que o inimigo é desarmado pela mansidão. Sublime ideal é a herança mais preciosa que nos legou desde os primórdios da religião cristã, e que sempre será a estrela polar e a meta para a qual tende nossa evolução histórica. Não nos é dado saber se a humanidade será capaz de alcançar este ideal, mas é nosso dever, pois não excede as nossas forças, aproximar-nos continuamente deste: e já a nossa geração parece disposta, melhor que a de dois ou três séculos atrás, a reconhecer em tal tendência o dever de cada um, e não poucos homens, dotados de sentimento mais requintado e quase profético, que fixam seus olhos e almas no reino do amor e da paz, que para eles não é mais uma utopia.”

Tradução livre.

Obra: L’Essenza del Cristianesimo. Conferenza VII. L’Evangelo ed il lavoro, ossia Ia questione delia civiltà. Traduzione dal tedesco di A Bongioanni. Torino Fratelli Bocca, 2a. Edizione. Milano – Roma, 1908. De Adolf von Harnack (Estônia/Tartu, 1851-1930).

A Essência do Cristianismo é em uma série de lições de um curso ministrado em Berlim, no inverno de 1899-1900 [147] que se tornou um clássico de teologia liberal cujo autor é considerado o mais importante teólogo protestante e historiador da Igreja entre o fim do século XIX e o início do século XX. A biblioteca digital da Unesp disponibiliza o download da edição em italiano (1908), usada nesta Leitura. A obra original em alemão: Das Wesen des Christentums.

Adolf von Harnack foi professor de Karl Barth (1886-1968), um dos teólogos protestantes mais importantes do século XX, cujo pensamento se tornou para mim grande referência na época do seminário. Nesta série de conferências, no alvorecer do século XX, o professor alemão se demonstra por demais otimista com a sua geração, porém, em 1914, assinaria um manifesto de apoio aos propósitos da guerra alemã, o que não combinou com o que anunciou nas famosas lições de 14 anos atrás no tocante ao que via na sua própria geração em relação ao reino do “amor e de paz”, conforme o trecho citado (pp 114-115), algo que provocou uma reação severa de Karl Barth que passou a ser um ferrenho crítico de seu pensamento; a teologia liberal mergulhou em crise.

Bruno Forte, teólogo italiano contemporâneo da mais alta envergadura, assim comenta [147] este trecho:

“O engano presente nessas palavras, tão dramaticamente desmentidas pelos desenvolvimentos históricos do século XX, logo se evidenciará na crise do tempo, que Barth associou a 4 de agosto de 1914, dia negro (‘dies ater1) em que von Harnack subescreveu um documento por ele mesmo redigido, assinado por 93 intelectuais e intitulado Manifest der Intellektuellen, com o qual a intelligentsia alemã aderia incondicionalmente à política de guerra do Kaiser.” (p. 33)

Como um intelectual da envergadura de von Harnack, tão otimista com o “reino do amor e da paz” de Jesus, leitura que se mostrou impressionantemente equivocada em 1900 face as suas expectativas para o trágico século que seria, não percebeu o imenso contrassenso de seu envolvimento politico com a Primeira Guerra Mundial? O final do século XIX foi marcado por um senso, um tanto comum e ilusório, entendo, de progresso humano moral, em parte derivado pelo que se tinha de ideia sobre o avanço do progressismo; havia também um forte cientificismo com a expectativa de que o ser humano poderia lidar cada vez melhor com seus dilemas, embora dentro do progressismo havia um “cavalo de Troia” (marxismo) que pregava um ódio profundo de classes e uma violência que seria subestimada por muitos intelectuais. Fato é que o teólogo alemão pareceu fazer parte dessa mentalidade deslumbrada e assim se expressou tão esperançoso com o século XX, de duas guerras mundiais, do advento das armas nucleares, da ascensão de três catástrofes políticas, do fascismo, do nazismo e do comunismo,; foi o século da Guerra Fria onde o mundo se tornou refém de duas potências imperialistas, os EUA e a (extinta URSS), além da proliferação de ditaduras no dito “estado moderno”, caracterizado pela decadência de monarquias; algumas ditaduras que nasceram no século XX perduram até nosso tempo (Coreia do Norte, Cuba, Venezuela e regimes teocráticos islâmicos no Oriente Médio e na África) e, em relação ao próprio Harnack, de intelectuais de seu calibre que se perderam passando pano para políticos que, dada a natureza corrupta dessa atividade, fazem exatamente o contrário da ética do Reino de Cristo.

147. À escuta do Outro, Paulinas, 2003, São Paulo, p. 33. De Bruno Forte (Italia/Napoli, 1949)

18/11/2022 23h38

Imagem: escritas.org

José Saramago

[…] há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pegados à página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio […]”

Obra: A Caverna. Edição da Companhia das Letras, São Paulo, 2020, eBook kindle. De José de Sousa Saramago (Portugal/Azinhaga, 1922-2010).

Palavras no deserto (pastor Abdoral)

Palavras no deserto nascem…
e definham…

Pronunciadas em uma donna
que se esconde de si mesma
com um falso rosto maquiado.

Palavras brotam…
e murcham…

Como um orador fake
no pedestal a caricaturar
o que empreende no palco.

Palavras rompem…
e desfalecem…

Em uma cátedra,
de quem se arroga em
argumentos de autoridade;
nada transmite
além de si mesmo.

Em sequidão,
de pedras em letras mortas que não abrem caminhos,
não quebram barreiras, não desvelam sentidos…

São como tempos de uma juventude
que apenas pulsa e
se recusa a envelhecer.

Palavras…
aos olhos que veem,
que não desvendam
na alma e no coração.

Pastor Abdoral, 18/11/2022 23h36

17/11/2022 22h18

Imagem: DW

Karl Marx

Imagem: Cuba Debate

Friedrich Engels

Estas medidas serão naturalmente diversas consoante os diversos países.

Para os países mais avançados, contudo, poderão ser aplicadas de um modo bastante geral as seguintes:

  1. Expropriação da propriedade fundiária e emprego das
    rendas fundiárias para despesas do Estado.
  2. Pesado imposto progressivo.
  3. Abolição do direito de herança. […]”

Obra: Manifesto do Partido Comunista. II Proletários e Comunistas. Editorial «Avante!», 2a. edição, 1997, Lisboa. De Karl Marx (Reino da Prússia/Renânia-Palatinado/Tréveris, 1818-1883) e Friedrich Engels.(Alemanha/Barmen, 1820-1895)

Obra clássica do comunismo, lida, relida… Da juventude de Marx e Engels onde traçam premissas que demarcariam o comunismo do socialismo.

As “medidas” são meios a serem adotados no processo de ocupação do aparelho estatal para viabilizar um processo rumo ao comunismo com “intervenções despóticas no direito de propriedade e nas relações de produção burguesas” (p. 49).

“O proletariado usará a sua dominação política para arrancar a pouco e pouco todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção na mão do Estado, i. é, do proletariado organizado como classe dominante, e para multiplicar o mais rapidamente possível a massa das forças de produção.” (p. 49)

A lista das medidas se completa assim:

  1. Confiscação da propriedade de todos os emigrantes e rebeldes.
  2. Centralização do crédito nas mãos do Estado, através de um banco nacional com capital de Estado e monopólio exclusivo.
  3. Centralização do sistema de transportes nas mãos do Estado.
  4. Multiplicação das fábricas nacionais, dos instrumentos de produção, arroteamento e melhoramento dos terrenos de acordo com um plano comunitário.
  5. Obrigatoriedade do trabalho para todos, instituição de exércitos industriais, em especial para a agricultura.
  6. Unificação da exploração da agricultura e da indústria, actuação com vista à eliminação gradual da diferença *** entre cidade e campo.
  7. Educação pública e gratuita de todas as crianças. Eliminação do trabalho das crianças nas fábricas na sua forma hodierna. Unificação da educação com a produção material, etc.

Após 31 anos da primeira experiência de leitura…. Comunista… Animal político profissional que aprendeu a enriquecer explorando a sua mais perfeita antítese; indivíduo douto-cínico que se auto desmente acusando os outros do que faz para promover alienação em ambientes extremistas de aficionados ingênuos, muitos até doutos que sonham (ainda) com uma aberração abstrata no mundo real, sem se darem conta que não passam do que no Manifesto chamam de “socialismo conservador” que pode ser observado na ocupação do Estado para fins de enriquecimento pessoal, algo que começa mediante a disseminação de uma agenda progressista pesada, que implique em uma carga de “compromissos sociais” que provocam necessidades de grande financiamento à máquina do aparato e, na condição de credor de títulos públicos, mediante retorno do serviço (juros) do financiamento, o resultado converge aos interesses patrimoniais de políticos, lobistas, da esquerda à direita, assim como de investidores não partidários, muitos a atuarem como financiadores de políticos progressistas. Ironia: o endividamento do Estado a servir às elites econômicas foi abordado por Marx em sua obra mais conhecida: O Capital [146].

Quando não enriquecem legalmente como credores do Estado, fazem da corrupção uma instituição paralela no aparato. Comunista caridoso da “coerção do bem” aos olhos de bestializados de quem banca seus privilégios traduzidos em carga tributária; reféns de um esquema perverso de quem legislar para si mesmos porque socialismo é para os pobres, e as comodidades do capitalismo…. Da mesma forma que liberais ingênuos romantizam o capitalismo quando ignoram aspectos mesquinhos da natureza humana, o mesmo ocorre com adeptos do marxismo ao não pesarem que políticos comunistas ali estão para enriquecer.

146. 03/09/2022 20h55 O Capital. Vol I, capítulo 14. A chamada acumulação primitiva. Edição Resumida por Julian Borchardt. Editora Guanabara, 7a. edição, 1982, formato físico. De Karl Marx (Reino da Prússia/Renânia-Palatinado/Tréveris, 1818-1883).

16/11/2022 23h40

Imagem: Nobel Prize

Friedrich August von Hayek

“O caráter peculiar do problema de uma ordem econômica racional é determinado precisamente pelo fato de que o conhecimento das circunstâncias das quais devemos fazer uso nunca existe de forma concentrada ou integrada, mas apenas como pedaços dispersos de conhecimento frequentemente contraditório que todos os indivíduos separados possuem.”

Tradução livre.

Obra: The Use of Knowledge in Society. The American Economic Review, Vol. 35, No. 4, pp. 519-530, September 1945. De Friedrich August von Hayek (Áustria/Viena, 1899-1992).

E segue Hayek a apontar outra questão relacionada: da “ideia comum agora de que todo esse conhecimento deve, como uma coisa natural, estar prontamente ao comando de todos” (p. 522). Primeiro aponta a dispersão, depois o que entende como uma ideia de que se ignora esse problema de maneira que é tratado ou concebido como algo contornável e até manipulável, de forma mecânica, o que identifica como “aparato da produção moderna” (p. 523).

Diante do problema da dispersão, Hayek vê o sistema de preços, em ternos de mercado, “como um mecanismo de comunicação de informações” (p. 526) como no caso de escassez de recursos (p. 527), sem que seja necessário atuar no consumo ou realizar encomenda; o sistema de preços, ao refletir a escassez, com o que se entende por carestia, sinaliza necessidade de moderação de forma que contribui para que os indivíduos possam ter elementos para se movimentarem nos mercados na direção correta (p. 527). O mercado é o centro das informações precificadas que norteiam ações de alocação de recursos e consumo, sendo assim um elemento que compõem o fundamento da civilização (p. 528).

Em outras palavras. sociedades civilizadas sugiram pela cooperação entre indivíduos, cada um buscando seus interesses para atender a necessidades de outros em infinitas combinações entre agentes econômicos, resultantes de racionalidades e subjetividades. O comércio proporciona a ponta de consumo que sinaliza aos agentes produtivos sobre o que se deseja, e então pela livre aplicação de recursos, todos sujeitos à lei da escassez, combinam ações para satisfazer os desejos dos consumidores. 

Sendo o mercado livre um ambiente natural a fornecer dados sobre o que produzir, quanto, onde e como, com certa segurança, o governo quando interfere neste meio, a lidar com a “dispersão do conhecimento”, tem grande potencial para falhas, enquanto compromete a visão dos agentes econômicos ofertantes e demandantes, o que desemboca na perda de eficiência que a informação espontânea dispõe à cataláxia.

Por conta da “dispersão do conhecimento”, não é possível o governo saber, muito menos atender com relativa precisão, interesses de indivíduos, sejam produtores ou consumidores, sobretudo dentro da cadeia de insumos, onde um “consumidor” de recursos vem a se tornar um produtor de outros, e tal problema se torna latente dentro de uma ótica coletivista (onde o governo se torna protagonista das normas regulatórias), intervindo no mercado de consumo e vendo que não conseguiu os resultados esperados, parte para intervir na cadeia, destruindo toda a economia de informação que torna o mercado sustentável, evidenciando que todo planejamento central se torna suscetível a ser contraproducente, quase sempre agradando a determinados grupos e prejudicando outros.

15/11/2022 12h54

Imagem: FGV

Celso Castro

“O golpe de 1889 – ou a ‘proclamação da República’, como passou à história – foi um momento-chave no surgimento dos militares como protagonistas no cenário político brasileiro.”

Obra: A Proclamação da República. Introdução. Edição da Zahar, 2000, eBook Kindle. De Celso Corrêa Pinto de Castro (Brasil, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro, 1963).

Para quem deseja conhecer melhor questões de história do Brasil, em especial, de estudos sobre os militares brasileiros, as obras do pesquisador Celso Castro são indispensáveis.

Há 133 anos ocorreu um golpe militar que passou a ser doutrinado em salas de aulas ginasiais e do ensino médio como um ato virtuoso pelo advento da República no Brasil. Comecei a revisar meu entendimento sobre os acontecimentos de 15 de novembro de 1889, a partir de leituras em 1993, quando ocorreu o plebiscito [144] que me chamou a atenção para o fato que, durante 104 anos, a decisão tomada pelo marechal Manuel Deodoro da Fonseca (Brasil/Alagoas, 1827-1892) teve caráter “provisório” e se deu não por uma vontade popular, tampouco por um ato conjunto do parlamento e sim por uma decisão de um militar encharcado de contrassensos, a começar por seu vínculo afetivo com a monarquia, cuja quartelada matinal conservou o regime do então amigo imperador Pedro II, e a reviravolta ocorrida durante a noite em que foi visitado por lobistas republicanos Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva e Aristides Lobo. Deodoro da Fonseca se viu em meio a uma informação falsa da nomeação, para a presidência do Conselho de Ministros, no lugar do visconde de Ouro Preto (o qual havia destituído e preso, junto com os demais ministros), de um grande desafeto pessoal no Rio Grande do Sul: Gaspar Silveira Martins (Uruguai/Cerro Lago, 1835-1901). Neste contexto, decidiu “proclamar” a República.

A república, cujas raízes na antiguidade remetem a uma forma democrática de governo cujo aparato estatal inexiste [145], onde cidadãos se reúnem para deliberação de coisas comuns, sob convergência de atos intimamente ligados à disposição de contribuírem com seus recursos para viabilização do que for decido em assembleia de anciãos (senadores), foi ao longo do tempo ganhando um significado envolto a um escopo do estatismo cujo aparato se ampliou, sobretudo após a Revolução Francesa (1789). Desta forma, a caricatura da república quando se considera seu significado na antiguidade, e o monstro que se tornou nos estados modernos, obviamente não se trata de uma questão consoante a aspectos burlescos verificáveis na historiografia política brasileira, cuja característica peculiar está no protagonismo militar, onde a dita “proclamação” da República representou um marco importante nesse sentido, como salienta Celso Castro, na introdução da obra desta Leitura, onde Deodoro está sob uma visão diferente de opiniões encontradas na bibliografia que versa sobre o tema. Teria sido, o marechal alagoano, um “chefe militar levado ao confronto com o governo, motivado pelo que imaginava ser a defesa da ‘honra’ do Exército e por algumas particularidades da política do Rio Grande do Sul, que havia chefiado há pouco” (introdução).

Penso que os militares que conspiraram pela queda da monarquia não eram a imagem predominante das forças armadas e sim membros de um braço ideológico mais articulado, com muitos do baixo escalão ( o capítulo 1, da “mocidade militar”, ajuda a compreender a formação), que faziam da Escola da Praia Vermelha uma espécie de central partidária, sob uma visão cientificista da sociedade, a compor o viés positivista cuja frase (cafona) na bandeira republicana “Ordem e Progresso” ilustra bem essa mentalidade um tanto bestial e, por não dizer, mais uma caricatura do que entendiam como republicanismo moderno na Europa e nos EUA.

A considerar o capítulo (5) da conspiração, penso hipoteticamente se ao longo desses 133 anos não se consolidou no imaginário popular brasileiro a ideia da necessidade do protagonismo militar em momentos de grandes tesões políticas. Talvez como legado do último regime (1964-1985) dos homens de farda, que viraram fetiches para muitos “patriotas” civis, hoje percebo de forma mais clara uma “psicologia coletiva” (aqui tomo por empréstimo um termo usado pelo analista geopolítico italiano Dario Fabbri) que parece estar presente em favor da intervenção militar, algo, em parte, explicável, quando se verifica que o hábito da leitura, infelizmente, não faz parte das “paixões nacionais”, tendo em vista um padrão: quando militares se intrometem no governo, além do autoritarismo que lhes é peculiar, que facilmente descamba para ditadura, produzem uma série de mazelas no aumento da mentalidade intervencionista econômica, ampliação do escopo de controles sociais (o regime de 1964 reforçou a mentalidade varguista dos anos 1930), planos econômicos expansivos, ou inflacionistas, origens de bolhas, sendo a do encilhamento a mais conhecida (1889-1891), e a crise da hiperinflação dos anos 1980, uma herança fiscal militar dos anos 1970.

Melhor os militares ficarem nos quartéis em treinamento, de prontidão para defesa territorial e ao provimento em situações de calamidade pública.

144. LEI Nº 8.624, DE 4 DE FEVEREIRO DE 1993. Dispõe sobre o plebiscito que definirá a forma e o sistema de governo e regulamenta o art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, alterado pela Emenda Constitucional nº 2.

145. Ver 05/11/2022 20h01 ON POWER: The Natural History of Its Growth. V – The coming oh the warrior. Traduzida para o inglês por J. F. Huntington;. Edição da Liberty Fund, 2020, Indianapolis, formato físico. De Bertrand de Jouvenel des Ursins (France/Paris, 1903-1987).

14/11/2022 23h26

Imagem: ENGEPLUS

Eduardo Bueno

“A República de fato só seria proclamada à noite, na casa de Deodoro, com ele na cama, ainda adoentado. […] Ele chamou Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva, Aristides Lobo e falou: ‘Digam ao povo que a República está feita'”.

Obra: Brasil, Uma História. Capítulo 21 – República ainda que tardia. Editora Leya, 2013, eBook Kindle. De Eduardo Bueno (Brasil/Rio Grande do Sul/Porto Alegre, 1958).

Creio que seja uma ocasião mais apropriada para a manifestação do meu amigo de infância, pastor Abdoral. Boa leitura!

Foi com uma fake news que a República foi proclamadapor Pastor Abdoral

Do alto da montanha em minha reclusão, em paz, sem receber visitas e em boa companhia de sabiás, meu amigo de infância pediu para comentar a Leitura do dia.

Ora, ora, em tempos de clamores por “intervenção” militar, quando melhor será se for psiquiátrica, seguiam-se os desmandos políticos na velha Pátria mãe gentil, e lá pela madrugada de 15 de novembro de 1889, militares decidiram por uma intervenção, em benefício próprio, envoltos em mais uma crise entre os que estão no poder e os que estão loucos para tomá-lo. Parecia que tudo se resolveria com uma quartelada onde o marechal Deodoro da Fonseca decidiu destituir todo o gabinete de governo e prender o presidente do Conselho de Ministros, visconde de Ouro Preto. Não apetecia, obviamente, a um monarquista, até então, derrubar a monarquia; fato é que 63 dias antes Deodoro achava o povo não instruído suficiente para viver em uma república (p. 434) e, adoentado, após derrubar o Conselho que desagradava os militares, então tornou para seus aposentos…

O dia passou e tudo ficaria monárquico se não o tivessem visitado, na calada da noite, para lhe contar a fake de que o amigo imperador Pedro II tinha escolhido Gaspar Silveira Martins para ocupar a Presidência do Conselho. Logo o Silveira Martins, persona non grata da mais alta ojeriza do combalido marechal…. Dizem as línguas ferinas, da historiografia politicamente incorreta, que a rixa tinha se originado por causa de uma mulher que ambos teriam disputado, em um passado não tão distante, onde o Martins teria levado a melhor lá pelas bandas do Rio Grande do Sul, tchê!

E mesmo sem o “zap” das tias com os dedinhos a compartilhar, o boato, a conversa pra boi dormir, a perua, o papo-furado, não importa o nome; hoje a moda é chamar de fake, eficiente desde sempre e assim Deodoro acreditou: a amizade com o imperador não foi suficiente. Irado, o comandante decidiu dar um golpe e “proclamou”, na verdade mandou avisar ao povo bestializado, os brasileiros que ele achava “mal educados” (p. 434) para viver sem a monarquia, que a República estava instituída, a princípio provisoriamente, mas o tempo foi passando, passando… foram 104 anos de uma “proclamação” sob o rótulo de “provisória” cujo sufrágio para confirmá-la só fora realizado em 1993.

O Brasil tinha se tornado “independente” com um príncipe pegador e a república veio com um golpe de uma quartelada por um comandante com “dor de cotovelo”, manipulado por um boato.

E assim meus amiguinhos encerro a vos dizer que nada mais irônico é ver hoje os “guardiões” da República da Pindorama a lutar contra as fake news…

13/11/2022 21h32

Imagem: Planalto. Galeria de Presidentes.

Fernando Collor

“Nas eleições de 1990, no 1o ano de meu governo, numa Câmara então já com 503 deputados, o PRN, legenda pela qual concorri à Presidência da República, logrou conquistar 40 cadeiras e o PST, que integrou minha coligação no pleito presidencial, apenas duas. Juntos, somavam 8,4% do total. Ante esses números, sempre tive consciência da fragilidade do apoio político, parlamentar e partidário de que poderia dispor, quando me elegi.”

Obra: Relato para a história. Para que serve o impeachment. ‎ Editora 247 S.A, eBook Kindle, 2013. De Fernando Affonso Collor de Mello (Brasil/Rio de Janeiro/Rio de Janeiro, 1949).

Discurso do ex-presidente proferido na ocasião em que retomava a ocupar cargo na vida pública, após cumprir a pena de perda dos direitos políticos em função do processo de impeachment (1992), ter perdido a disputa para o governo de Alagoas (2002) e ter sido eleito em 2006 para o senado, por Alagoas. Foi o mais jovem presidente eleito da República; um pouco antes ganhou notoriedade nacional como “caçador de marajás” na gestão que fizera em Alagoas (1987-1989).

No ano da primeira eleição presidencial (1989) após a “redemocratização”, estava prestes a completar 15 anos e acompanhava política, lia muita coisa sobre socialismo e achava que a União Soviética era coisa boa. Lembro-me de alguns candidatos (muitos): além do Collor (predileto das meninas da escola por ser “lindinho”), quem me chamou mais a atenção foi o Lula (o fenômeno do ABC paulista que assombrava, e ainda assombra, “viúvas” do regime militar), seguido por Brizola com o PDT (e sua “neura” com a Globo), depois o Afif Domingos (o “juntos chegaremos lá” que deu um boom durante a campanha, mas logo esfriou). A corrida ao Planalto também foi marcada por Silvio Santos que tentou entrar atrasado e foi barrado; teve também o doutor Enéas (e os seus 15 segundos do PRONA com o “meu nome é Enéas” no final, a parte mais divertida do programa eleitoral). Fernando Gabeira no Partido Verde me deixou curioso ao ver participando do pleito um ex-integrante do grupo de guerrilheiros que sequestraram o embaixador americano. O tucano Mário Covas parecia muito prestigiado (talvez pela base em São Paulo); teve também o velho Ulysses Guimarães do PMDB (gostava dele e lembro uma frase – não sei por que guardei desde então – que ele dizia, “devagar se vai longe”), além do Maluf, que se gabava de ter feito “muitas coisas” (escutava alguns alegando que “ele rouba, mas faz”…); o que me marcou em Maluf é que ele era chegado a um “barraco” em debates que eram sempre “animados” com farpas e provocações pesadas que deixavam os mediadores perdidos; o último candidato que me lembro foi o Aureliano Chaves, do extinto PFL. Havia outros que não me recordo e hoje percebo que as tesouras estavam soltas…

Collor correu por fora, chegou ao segundo turno e venceu Lula, que tinha uma imagem mais “radical”. O “Lulinha paz e amor” seria a solução que o ex-operário e sindicalista encontraria em 2002 para sair mais da bolha de eleitores petistas.

Tornando ao Discurso do ex-presidente:

É do conhecimento de todo o país o esforço que empreendi e o empenho que empreguei para compor meu governo de apenas 12 ministérios, com correligionários e integrantes de alguns dos 24 partidos com os quais competi pela Presidência. Encerrada a apuração, era preciso ensarilhar as armas do embate eleitoral e buscar a cooperação dos adversários que sempre respeitei e que sempre encarei apenas como concorrentes, jamais como inimigos.

Collor assumiu com ideias de austeridade, mas confiscou a poupança e isso foi muito grave, fato que me marcou, pois recordo que queria trocar de computador (o XT, comprado em 1989, rapidamente ficou obsoleto) e não pude, pois o dinheiro estava “preso”. No trabalho me lembro de ver alguns representantes comerciais – que às vezes passavam na sala em que trabalhava- bastante atordoados. Acredito que muitos eleitores que votaram em Collor no segundo turno, com medo de Lula já com a pecha de “comunista”, se sentiram traídos com o confisco.

O impeachment de Collor veio por um julgamento político, como normalmente ocorre. O de Dilma foi também político, apesar de todo o tecnicismo das “pedaladas”. No caso de Collor, o ex-presidente versa em detalhes, no Discurso, como o processo foi conduzido de forma abusiva. Entendo que as questões com PC Farias e a crise familiar com o irmão Pedro funcionaram como “cortina de fumaça”, para que o sistema político encontrasse um pretexto, em meio às pressões das ruas, de multidões canalizadas pela crise social. O Poder Legislativo decidiu se livrar de um presidente que já tinha começado com pouco mais de 8% de apoio na bancada do Congresso, e que não conseguiu conquistar a confiança dos que estavam (e muitos ainda permanecem) com a batuta entre parlamentares. No final, o governo Collor sucumbiu depois da artimanha do confisco, que se revelou pífia, pois faltavam ajustes fiscais mais estruturais que dessem ao gestor da política fiscal mais espaço para conter gastos, coisas que dependiam de uma forte base no Congresso, algo que viria no modelo do governo do vice, Itamar Franco, a dar carta branca a equipe do que passaria a ser chamado de “Plano Real”.

Dois impeachments, crescentes demandas por coalizões que sempre descarregam no oportunismo do PMDB e do “centrão”, o “mensalão” no primeiro mandato de Lula (2003-2006), à mon ávis, são exemplos que reforçam meu entendimento de que o presidencialismo adotado no Brasil é massa falida. Não há solução política sustentável e mais um sintoma dessa debilidade crônica foi o que o sistema político pode oferecer na eleição recente; dois candidatos em segundo turno que ilustram o capitulo X de O Caminho da Servidão, de Hayek.

O parlamentarismo não me parece uma solução sem uma profunda mudança na bestializada sociedade brasileira, embora seja melhor para resolver, de forma menos morosa, crises de governo, a considerar a atual fragmentação de partidos que só interessa ao balcão de negócios que retroalimenta o esquema de coalização politiqueira com as lideranças, algo que ajuda a esconder quem realmente dá as cartas no poder.

12/11/2022 23h32

Imagem: Torino Today

Dario Fabbri

“Não foi Putin quem criou a Rússia, mas foi a Rússia que criou Putin.”

Tradução livre.

Obra: Non chiamatela Guerra di Putin. Rinascimento Culturale. Conferenza, 27 settembre 2022 [143], Erbusco. De Dario Fabbri (Italia, 1980).

Palestra do analista italiano de geopolítica e professor da Scuola Holden di Torino, realizada no dia 27/09/2022, sobre o tema da guerra na Ucrânia.

Fabbri argumenta que a análise geopolítica é agregada e não se deve cair em rótulos que apelam ao líder em si para explicar fenômenos geopolíticos, “ao contrário da historiografia clássica que se estuda na escola”, quando se dá muita ênfase a personalidades; cita Napoleão, Carlos Magno (2:33) como exemplos. Esta premissa é importante para estudar uma guerra como a da Ucrânia, para evitar o entendimento, comum no cotidiano, de que a invasão é fruto da única iniciativa ou vontade de Putin.

A geopolítica se ocupa a estudar as causas estruturais de um fenômeno, o que é “muito cansativo” (3:43) e a considerar a questão Rússia versus Ucrânia, Fabbri chega no ponto central da palestra: “Não foi Putin quem criou a Rússia, mas foi a Rússia que criou Putin” (4:08); a guerra da Ucrânia “não é a guerra de Putin” (9:00) , e sim de uma coletividade russa forjada pela cultura, pelos costumes, por uma visão peculiar de si mesma, em uma questão de psicologia coletiva; “é uma guerra profundamente russa” (11:10), “é a Rússia que invade a Ucrânia” (11:11), mesmo que Putin seja um ditador, é preciso haver um consenso que vem pela visão coletiva em concepções que motivam o conflito.

Nações são compostas por um código antropológico, cuja ressonância, por vezes, se revela trágica, dramática, sendo a guerra um desdobramento e, em relação a agressão a Ucrânia, a psicologia coletiva russa se revela binária, composta de dois elementos: um complexo de inferioridade e superioridade em paralelo (13:36), superioridade na visão do russo médio como parte de uma “grande nação”, “uma grande potência”, que lhe dá muito orgulho (14:09) e isso se traduz em um complexo de inferioridade ou diria, de síndrome de “perseguição”, de não ser devidamente compreendida, de estar cercada ou sob assédio do “mundo” (14:40) que no caso se resume ao “ocidente” (14:50), tendo em vista que os asiáticos não são considerados no mesmo nível. Essa visão russa se formou ao longo de séculos, um povo que veio da migração dos slavos na alta idade média e se consolidou onde hoje está a cidade de Kiev na Ucrânia, berço de sua cultura, para se expandir ao oriente.

A relação dessa psicologia coletiva russa com os ucranianos é de natureza patológica-psicológica. Por um lado os russos os veem como “sub humanos”, a serem submetidos a um império; ucranianos, nesta visão, seriam agricultores que falam errado; a língua ucraniana para os russos é vista como um dialeto baseado em uma forma errada de se falar o russo (16:47) e, neste aspecto, guardando as devidas proporções, o imaginário da coletividade russa sobre os ucranianos lembra um pouco a visão preconceituosa dos sulistas brasileiros em relação aos modos, sotaques e regionalismos dos nordestinos. Fabbri cita o exemplo do que consideravam (e alguns ainda consideram) os ingleses em relação ao inglês falado por americanos como um dialeto errado (16:56) ou uma forma de se falar grotesca, não sofisticada. Por outro lado, a psicologia coletiva russa tem uma visão sentimental sobre os ucranianos, por laços históricos , enquanto os vê como “inferiores”.

A Ucrânia tem um valor estratégico na visão russa; é um cuscinetto (24:00). Um estado “cuscinetto” é um pais que se situa entre duas potências rivais, potencialmente hostis. E existência desse estado é pensada, planejada, para ser um demarcador de limites a evitar um conflito entre potências maiores. No caso, entre a Rússia e o “ocidente”. A ideia estratégica de se usar um “cuscinetto” é como um “videogame”, ao permitir errar por uma vez e assim o “cuscinetto” ucraniano “dá uma vida a mais” aos russos; a Ucrânia serve como território externo para combater inimigos e recuar, em eventual revés, a fim de um refazimento estratégico. A ideia do “cuscinetto”, no caso do território ucraniano, se formou na medida em que os russos viram, ao longo da história, o território ser invadido através do terreno plano, facilitador a invasores, que consiste a Ucrânia.

Na visão de Fabbri, a ideia de uma Ucrânia mais próxima do ocidente (OTAN) e a visão do “cuscinetto” impelem os russos a promoverem a guerra, primeiro pela ameaça, ao posicionar tropas na fronteira, depois a invasão propriamente dita, na certeza de que se referem a um território de forte cultura russa, o que explica, em parte, a passividade de habitantes diante dos invasores; grande parte da população ucraniana é russófona, cuja figura do presidente Zelensky é sintomática, pois o russo é sua madre língua (29:10) enquanto fala mal ucraniano (com forte acentuação russa). Contudo, a passividade da população russófona deixa de existir a partir do momento em que o método russo de invasão se traduz em bombardeios de alvos civis, enquanto a Ucrânia se mostra mais compacta do que aparentava e a soberba russa se mostra evidente, na medida em que o conflito se alonga.

O cenário geopolítico diz respeito a uma invasão russa que atingiu 20% do território ucraniano, boa parte de cidades mais importantes em termos econômicos; o plano tático envolve a perda do governo ucraniano de boa parte do sustento econômico; o controle de portos e vias marítimas se traduz em grãos que não podem deixar a Ucrânia sem a permissão do governo russo. Enquanto os russos provocam enorme pressão no governo ucraniano em escolher alvos econômicos, a situação russa se tornou difícil com o conflito se alongando, em se tratando de um país exportador de petróleo e gás, a considerar a ação dos importadores ocidentais em reduzir as aquisições desses insumos, o que força os russos a buscarem negócio com a China, “que faz o preço” (36:35) e não é vista como aliada (37:09), enquanto os russos, com perfil “racista” (com os chineses, 37:00), ficam em uma situação desconfortável a depender da visão hegemônica do governo de Pequim, que se vê como um império do “centro do mundo” (37:21); para os russos, fazer negócio de commodities com os chineses é “humilhação da humilhação” (37:06). Porém, China e Rússia possuem um inimigo comum: EUA (37:27).

O outono à porta dos europeus com o custo do gás nas alturas, russos sob pressão com a guerra perdurando, entre questões morais sobre um agressor e um agredido, enquanto se coloca a questão sobre o quanto pode durar o regime de Putin, pontua Fabbri que o regime autoritário russo criou os russos (44:30), o modelo liberal democrático ocidental não serve de parâmetro para criar expectativas de mudanças na Rússia; diz o especialista que “os russos não vivem como nós, não possuem as nossas ambições” (46:28), embora há uma burguesia em São Pertersburgo e Moscou, não contam (são os que fazem manifestações em praças). Em suma, na Russia predomina uma mentalidade diferente que não vê sentido nos valores democráticos liberais do ocidente. Então é preciso questionar em geopolítica: De que coisa vive determinada coletividade? (46:42) Fabbri aborda a questão a partir do que vivem as grandes potências: de gloria (48:06) e assim os russos podem mudar o regime se entenderem que o atual comando é incapaz de defende-los diante de ameaças do exterior, ou humilhando-os perante o exterior (48:41).

143. A palestra pode ser conferida no endereço https://www.youtube.com/watch?v=gnhPsR0QtTk

11/11/2022 23h10

Imagem: Editora Planeta

J. J. Benítez

“A Igreja Católica, especialmente seus setores mais conservadores, tentou – e tenta – ridicularizar o meu trabalho. O livro, porém, continua na linha de frente. Várias gerações se incorporaram à sua leitura, seguindo o boca a boca.”

Obra: Operação Cavalo de Tróia 1. Apresentação. Tradução de Hermínio Tricca, Planeta do Brasil, 2008, São Paulo, eBook Kindle. De Juan José Benítez López (Espanha/Pamplona, 1946).

Em 1998 li esta obra após minha curiosidade ser despertada por um colega. Para reavaliar algumas anotações à época, visto que o livro, em formato físico, fora emprestado, revisitei-a em formato digital para o Kindle.

Não mudou minha visão, por sinal predominante, de que se trata de uma bela história de ficção científica e, claro, posso estar enganado, visto que ciência implica em um saber de natureza transitória e o que posso saber ou penso que sei é de uma dimensão desprezível diante do que potencialmente acontece em termos de conhecimento aplicado. O tema da viagem no tempo (passado) é, no que é possível verificar (e ao considerar a mencionada natureza da ciência), um assunto teórico em demonstrações matemáticas – e não comprovado no mundo real, ao que se pode atestar – sendo tratado como impossível em muitas leituras.

A riqueza de detalhes técnicos chama a atenção de um suposto projeto militar americano, cuja execução se deu em uma viagem no tempo, precisamente para 30 de março do ano 30. Todavia, um ponto na obra que me chamou a atenção, quando estava no seminário e a revisitei, é a aparente capacidade super estimada do “Major” em se adaptar tão bem ao ambiente da época de Jesus em diálogos que fluem com uma facilidade impressionante; refiro-me ao problema da linguagem, tendo em vista a enorme distância no tempo (um pouco mais de 1900 anos) que afeta o que se sabe com precisão sobre o grego, o latim, o aramaico e o hebraico, as principais línguas do ambiente em que o Jesus histórico esteve.

Saindo do lado polêmico do ficcional, um ponto crítico da obra que merece uma reflexão, à mon avis, está na concepção do Jesus observado que não estava a fundar uma religião, tampouco uma igreja, muito menos dogmas. Sobre a tese de que Jesus não fundou igreja, talvez surpreenda que seja considerada pelo teólogo peritus na redação do Concílio Vaticano II, nomeado pelo Papa João XXIII, Hans Küng:

“Críticos bíblicos concordam nesse ponto. Jesus não proclamou uma igreja, nem a si mesmo, mas sim o reino de Deus.” [142]

E Küng também lembra que Jesus “praticamente nunca usou a palavra igreja” [142]. A história de Benítez em 4.500 páginas, relatada em séries, converge a essa visão. Então, quando revisitei a obra pude ver conexões, e isso não significa um entendimento que o autor se baseou na crítica histórica teológica moderna, e sim um ponto de convergência.

Por fim, lembro de outro colega, desta vez na época do seminário, que parecia ter procuração para defender o autor, que “jura de pé junto” (expressão do colega), que não se trata de “uma invenção de uma mente brilhante”, como lhe repliquei na ocasião. E eis que ficou um tanto desapontado comigo após comentar que tinha relido e continuava com o entendimento de literatura ficcional.

Talvez ocorra fascínio porque a obra apresenta um roteiro muito bem elaborado, que vai desde o aguçadíssimo espírito investigativo do autor, passa pela narrativa de um enigma para acesso ao material, estilo Código da Vinci (2003), obviamente antes de Dan Brow, segue muito bem construída em torno da ideia de um aparato estatal militar que conspira para esconder do mundo um segredo que revolucionaria muitos aspectos da história e da ciência em si, apimenta a relação com o leitor com supostas investidas do FBI sobre o autor em uma passagem nos EUA, a envolver precaução para tornar público o material da fonte, caso seja “eliminado”, até cair na temática dos preparativos para a viagem no tempo onde os dois militares são equiparados a “astronautas”, tudo isso dentro do contexto do início dos anos 1970, quando a corrida espacial ainda era assunto político de altíssima relevância, até chegar na chegada ao “destino” onde são inseridos os personagens bíblicos ou seja, apaixonante (não somente) para quem aprecia teoria da conspiração.

142. Em 12/02/2022 18h38, A Igreja Católica, p. 27, da edição da Objetiva, em português, 2002, formato físico. De Hans Küng (Suíça/Sursee, 1928-2021).

10/11/2022 23h06

Imagem: Nobel Prize

Friedrich August von Hayek

“[…] Parte da nossa dificuldade atual é que, para vivermos ao mesmo tempo dentro de diferentes tipos de ordem, e de acordo com diferentes regras, temos que ajustar constantemente nossas vidas, nossos pensamentos, e nossas emoções.[…]”

Obra: Os Erros Fatais do Socialismo. Por que a teoria não funciona na prática. Capítulo I – Entre o instinto e a razão. Faro Editorial, 2017, São Paulo. Tradução de Eduardo Levy. De Friedrich August von Hayek (Áustria/Viena, 1899-1992).

Tomando esse apontamento de Hayek, vivo entre microrelações e macrorelações humanas, entre o individual e o coletivo, entre preferências subjetivas, existenciais, e questões práticas, objetivas, amplas, a serem discutidas em âmbito pessoal e coletivo; moralidades que entram em conflito, onde se insere o problema da competição, visto por Hayek como recurso para aumentar gradualmente a eficiência humana (p. 31) nessas duas visões de ordens, sobretudo quando se depara a ter que se relacionar com a “ampliada” onde o aspecto econômico, de mercado, tem considerável peso. É preciso então aprender a interagir, conviver nesses dois mundos, o microcosmo (família) e o macrocosmo (civilização global). O termo “sociedade” aplicado a ambos, “não tem praticamente nenhuma utilidade e pode levar a vários equívocos” (p. 29).

O capítulo I da obra, intitulado Entre o instinto e a razão, é uma dessa aberturas impactantes do pensamento deste que, à mon avis, foi o economista mais importante do século XX. Cita Aristóteles, reconhece os méritos científicos do pensador enquanto argumenta que “falava a partir de seus instintos” e não por “reflexão” (p. 19), ao considerar o alcance do arauto em Ética a Nicômaco (IX, x). Isto posto porque, aponta Hayek, “os instintos do homem que já estavam desenvolvidos bem antes da época de Aristóteles, não foram feitos para o tipo e a amplitude numérica dos agrupamentos em que ele vive hoje” (p. 20). O ser humano foi aprendendo a ficar civilizado se submetendo a uma moralidade que se desenvolveu de tribos territoriais a espaços cada vez mais amplos (p. 21), e destaca a propriedade separada (privada) e os contratos, como derivações desses espaços “amplos” onde solidariedade e altruísmo ficaram em segundo plano. A disciplina demandada com as restrições dessa ordem ampliada é coisa odiada e, neste aspecto, Hayek entra na problemática do complexo peso da economia na formulação das regras abstratas, tais como a responsabilidade individual e a propriedade separada, e reconhece Adam Smith (1723-1790) como o primeiro “a perceber que encontramos métodos de ordenação da cooperação econômica humana que excedem os limites do nosso conhecimento e da nossa percepção” (p. 23).

Com Hayek, pude refletir melhor que estou envolto em dois mundo em dialética de valores, crenças, tradições, lembranças, costumes, diante da pressão de ordem ampliada (alguns, de forma simpliesta, chamaram de “sociedade”) onde predomina uma racionalidade que busca o um plano normatizado, através da convivência social, a considerar como “política” no sentido “público”, enquanto força externa que atua e dialoga com a ordem interna, a família e a menor das unidades; o indivíduo.

Acredito que um dos maiores dramas da humanidade está nas tentativa de conciliar essas duas ordens e o significado da cooperação social. Hayek lembra que “a competição requer que aqueles nela envolvidos observem regras em vez de recorrer à força física” (p. 31). E essas regras, que podem unificar a ordem ampliada, não são meramente arbitrárias e sim produtos de um contínuo esforço de “tentativa e erro, de experimentação”, de cooperação sem que tenha ocorrido intenção de experimentar, mas de tentar superar adversidades, cujo planejamento central não é causa, tampouco pode explicar, e sim um processo de repassagem de conhecimentos, tradições, valores, hábitos, moralmente aceitos, em um certo ponto conservados, depois modificados, em uma tensa e dinâmica relação de forças em agentes sociais, cuja mente humana promove dentro de uma evolução cultural onde a imitação tem um peso maior que a percepção e a razão, que assim como a moralidade, resulta de um processo evolutivo cultural; é o que está na espécie humana entre o instinto e a razão.

09/11/2022 20h45

Imagem: flickr oficial

Olavo de Carvalho

“[…] um povo conservador vota em candidatos comunistas: ele não sabe que são comunistas, não sabe que há um movimento comunista ativíssimo no continente, não tem a menor ideia das consequências do seu voto.”

Obra: A Nova Era e a Revolução Cultural. Apêndices. Por que o brasileiro vota na esquerda. CEDET, 2014, Campinas, formato físico. De Olavo Luiz Pimentel de Carvalho (Brasil/São Paulo, 1947-2022)

Um prazer que não tem preço na leitura consiste na liberdade para estar entre Paulo Freire e Olavo de Carvalho, assim como entre Marx e Mises.

Não sou adeptos de clubinhos e assim a leitura se mostra como um ato de repulsa a qualquer zona de conforto ou bolha ideológica.

Apeteceu-me nestes tempos de ressaca eleitoral, lembrar uma síntese de Olavo de Carvalho acerca do que o filósofo da direita bolsonarista entendeu como três fatores que explicam o porquê de um eleitorado, que ele entendia como “conservador”, votar na esquerda:

O primeiro fator, aponta Olavo de Carvalho, diz respeito a direita “não ter canais partidários ou culturais de expressão” e assim considera que “ninguém pode votar em candidatos inexistentes” (p. 194). Em um texto de 2006, obviamente antes do fenômeno Bolsonaro e de canais de expressão, considerando o alcance em redes sociais, como o Brasil Paralelo, destarte o primeiro fator, em parte, pode não ser mais considerado; penso ser importante a ressalva do rótulo impróprio, e até mesmo ofensivo, de “conservador” dado a Bolsonaro (talvez “neoconservador” seja mais próximo), pois muitas ideias que permeiam o âmbito bolsonarista não são legitimamente conservadoras quando expõem uma mentalidade intervencionista na economia, com um certo grau de socialismo, enquanto é corporativista assistencialista e personalista-populista. Discussões sobre ser ou não genuinamente conservador à parte, fato é que Bolsonaro é o maior, e talvez o único, ícone de uma direita panis et circenses brasileira, e o que compromete ainda mais este primeiro fator é que esta direita foi derrotada e que em 2018, o PT, com todos os problemas com a Lava Jato, ainda sim conseguiu 45% dos votos válidos no segundo turno.

O segundo fator apontado por Olavo de Carvalho está no uso de duas linguagens no esquerdismo: a primeira é a interna, para discussões de bastidores onde a esquerda assume sua verdadeira identidade; a segunda é a linguagem externa para falar como o povo (p. 194), onde se camufla em “generalidades moralistas, nacionalistas e populistas” (p. 194) a evitar jargões marxistas para não ser percebida como neocomunista.

O terceiro fator estaria “no sucesso de quarenta anos da ‘revolução cultural’ gramsciana” (p. 195) onde os cacoetes comunistas se incorporaram ao “senso comum” brasileiro e por isso os aceita passivamente sem perceber suas implicações ideológicas.

Quanto a questão dos partidos, tornando ao primeiro fator, penso que não há um partido de direita no Brasil; à época do texto, Olavo de Carvalho desqualifica o (extinto) PFL, o (atualmente em decadência) PSDB (“a direita da esquerda”) e o PMDB (hoje MDB), visto como “repleto de comunistas” (p. 196). Acrescento o Partido Novo, o típico partido liberal massa de manobra da revolução gramsciana, assim como os movimentos Livres e MBL. Enfim, penso, a política brasileira não foi capaz ainda de produzir um partido de direita menos contaminado com os trojans esquerdistas.

08/11/2022 23h06

Imagem: Jornal da USP

Paulo Freire

“[…] apenas os que possuem poder podem definir o que é correto ou incorreto. Apenas os que possuem poder podem definir o que constitui intelectualismo. […]”

Imagem: LMU

Donaldo Macedo

Obra: Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. 3 – O analfabetismo da alfabetização nos Estados Unidos. Edição da Paz e Terra, 2011, São Paulo, eBook Kindle. De Paulo Reglus Neves Freire (Brasil/Pernambuco/Recife, 1921-1997) e Donaldo Pereira Macedo (Cabo Verde/Ilha Brava, 1950).

Esta obra surgiu de três ensaios de Paulo Freire e a colaboração incluindo capítulos dialógicos, de Donaldo Macedo, professor de psicolinguística da Universidade de Massachusetts (campus de Boston), o qual Paulo Freire define como “excelente intelectual, rigoroso e sensível” (p.32). O título original, publicado nos EUA: Literacy: reading the word and the world.

O capítulo 3 é marcado por um diálogo de Freire com Donaldo Macedo, que faz a abertura a mencionar o que considera uma ironia os Estados Unidos, país “que se orgulha de ser o primeiro e mais adiantado dos países do chamado ‘primeiro mundo'” com o fato de que “60 milhões de pessoas sejam analfabetas ou funcionalmente analfabetas” (p. 149). Freire destaca a questão do poder que “está sempre associado à educação” (p. 150). Seria o poder de quem determina como deve ser a escola, onde entender a questão do currículo é essencial, pois é onde se fomenta a rebeldia por parte das crianças e dos adolescentes (p. 151). Freire entende que há uma violação ao mundo dos alunos (p. 153); a escola os desconsidera e assim “estão reagindo a um currículo e a outras condições materiais das escolas que anulam suas histórias, culturas e experiências cotidianas.” (p. 151), o que denota um “sentido contrário aos interesses desses alunos”, então “é como se o sistema fosse instalado para garantir que eles passem pela escola e a abandonem como analfabetos”, pois ficam distantes da “palavra do currículo” ou a palavra dominante, o que implica em um afastamento da prática da leitura (p. 151).

Macedo menciona o que Freire cita como “atividade intelectual do ponto de vista dominante”, e então Freire responde com a citação desta Leitura e frisa que os parâmetros intelectuais são fixados pela elite ou seja, “para ser intelectual, deve-se fazer exatamente aquilo que os que têm o poder definem que o intelectualismo faz” e, nesse sentido, “a atividade intelectual dos desprovidos de poder é sempre caracterizada como não intelectual” (p. 152). Os alunos são submetidos a uma estrutura de ensino, mediante uma grade curricular imposta de maneira que a natureza política da educação é repudiada ideologicamente, então a “universalidade mítica da educação”, colocada como coisa para “melhor servir a humanidade”, faz com que “muitos culpem os próprios alunos quando ‘abandonam’ a escola” (p. 152). Com a aceitação da natureza política da educação, segundo Freire, “torna-se difícil aceitar a conclusão da classe dominante: de que os que abandonam a escola são os culpados” (p. 152).

07/11/2022 00h18

Imagem: BBC

George Orwell

“A heresia das heresias era o bom senso. E o aterrorizante não era o fato de poderem matá-lo por pensar de outra maneira, mas o fato de poderem ter razão. Por que, afinal de contas, como fazer para saber que dois e dois são quatro?”

Obra: 1984. Parte I.7. Companhia das Letras, 2009, São Paulo. Tradução de Alexandre Hubner e Heloisa Jahn. De George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair (Índia/Motihari, 1903-1950).

Erich Fromm vê 1984 como “expressão de um sentimento” e “uma advertência”; sentimento de quase desespero sobre o futuro do homem e advertência de que poderemos perder as qualidades humanas (p. 365).

Uma das qualidades mais caras é a da liberdade de pensamento que envolve a capacidade para raciocinar e duvidar. A meditar na distopia de Orwel, recentemente pude perceber uma sombra tenebrosa do que Fromm entendeu como “advertência”, em um sentido mais amplo, em relação à censura a qual pontuo diante do ato de pensar no sentido de externar dúvida, questionar.

Uma coisa alarmante é ver militantes, no lado dos derrotados, apelando para as forças armadas, como se tivessem na certeza de um diagnóstico pleno, conclusivo, de que o resultado não é legítimo e/ou que o lado vencedor não deve tomar posse por essa e outras “razões”; vejo um fetiche por homem de farda sem elementos concretos no desejo por “intervenção”, até o momento de minha capacidade de percepção dos fenômenos. Outra igualmente alarmante situação é ver censura sendo aplicada, por ordem judicial, a quem venha a externar algo razoável, que considero de bom senso, na forma de demanda por esclarecimentos, em menção às autoridades competentes, sobre determinados pontos suscitados acerca de determinados resultados de urnas no sistema de apuração eleitoral. É leviano, no mínimo, apontar “fraude” nas urnas eletrônicas sem provas bem fundamentadas, da mesma forma se aplica a quem usa a mordaça judicial para impedir o exercício da dúvida e do debate livre, franco, sobre detalhes que envolvem o tema.

Questionar passou a ser objeto de censura… Temo que estejamos a adentrar em tempos mais sombrios onde duvidar, pedir esclarecimentos as “autoridades” do aparato estatal pode incorrer como um traço a lembrar o crimepensar, na terminologia de 1984; uma “heresia” passiva de censura perante olhos na forma de “teletelas” em indivíduos de toga que se conduzem como “editores da sociedade”, como se tivessem com a batuta do Ministério da Verdade (Miniver) no romance orwelliano.

Estamos distante, à mon avis, do universo trágico de 1984; considero um exagero analogia como se estivéssemos próximos daquele mundo horrendo, contudo os profundos controles sociais e a desumanização que Orwell expõe na obra são dramas tão sinistros, devastadores, que basta uma sombra para soar o alarme.

06/11/2022 11h04

Imagem cedida pelo autor

Luciano Macêdo

Um pai

Um pai
representa toda a riqueza de um filho,
a esperança de uma família,
a grandeza de uma nação.
Um pai
é o alicerce de tudo,
um cantil no deserto, uma fábula,
a história viva, um pedaço de vida,
um pedaço de pão…
Um pai
é a própria criação, o início de tudo na fé,
na esperança e no amor.
Um pai
é a saudade de um filho, a vontade de um dia tocá-lo e falar das coisas que não entendia.
Agora tudo é claro, claro como o dia.
Quero falar-lhe,
mas ele já partiu…
Partiu para o céu, ficando a saudade
e a esperança de um dia encontrá-lo.”

Obra: Um pai. Grupo Clientes LLConsulte, 20/08/2022. De Luciano Arcelino de Macêdo (Brasil/Pernambuco/Recife, 1957).

Luciano Macêdo é “o poeta da Maria Olinda”, assim costumo chamá-lo nas sessões de prioridades das manhãs [141], onde é assíduo frequentador.

Presenteou-nos com este belo poema que nos convida a um caminhar sublime, reverenciando de onde partimos, passando pelo significado de como seguimos na grandeza deste “pedaço de vida”, “cantil no deserto”, cuja riqueza alicerçou a criação.

Vai-se então desse tom genuinamente de espírito conservador, por enaltecer raízes, até a saudade em uma confluência de sentimentos que vão de um lamentar, acerca do que não fora discernido enquanto estivera desfrutando dessa presença, seguido de uma visão reveladora que indica uma maturidade que se harmoniza no ciclo da vida e se renova a vislumbrar outro plano, inspirado, regado por um sublime desejo de reencontro, cuja esperança é sinalizada pela fé.

141. A sessão de prioridade é uma reunião diária (08 às 09h em dias úteis) no Zoom, que promovo entre clientes membros do grupo de usuários de sistemas contábeis.

05/11/2022 20h01

Imagem: Cultura Animi

Bertrand de Jouvenel

“A antiga república não tinha aparato estatal. Não havia necessidade de mecanismos para impor a vontade pública a todos os cidadãos, não existia tal aparato. Os cidadãos, com suas próprias vontades e seus próprios recursos – estes últimos pequenos no início, mas em constante crescimento – decidiam ajustando suas vontades e executavam decisões reunindo seus recursos.”

Tradução livre.

Obra: ON POWER: The Natural History of Its Growth. V – The coming oh the warrior. Liberty Fund, 2020, Indianapolis. Traduzida para o inglês por J. F. Huntington. De Bertrand de Jouvenel des Ursins (France/Paris, 1903-1987).

O Poder: história natural de seu crescimento foi a experiência de leitura mais importante de 2021.

Bertrand de Jouvenel chama a atenção, no parágrafo anterior, que Rousseau e Montesquieu não pontuaram as diferenças entre a república na antiguidade e a república no estado moderno (p. 100) e talvez, por isso, pode soar como diversa a análise do politólogo, economista e diplomata francês do entendimento de que o aparato do Estado sempre foi pré-requisito para o estabelecimento do trato das “coisas públicas”. Jouvenel vê duas coisas distintas se desenvolvendo na antiguidade: a república e o “aparato” do Estado.

O termo “Estado” é relacionado pelo autor com uma estrutura de imposição mediante a combinação de dispositivos “políticos e religiosos” com os quais o monarca, em um estágio de poder conferido e diferenciado da antiga república, “erigia um aparato de governo que se tornou estável e permanente, completo, com uma burocracia, um exército, uma polícia, um código tributário e tudo o mais” que é conotado ao termo (p. 100).

Nas antigas repúblicas, Roma e Grécia, não havia uma estrutura, um “braço espiritual” (p. 98) para dar ao rei as condições de um poder capaz de manter um aparato que hoje pode ser identificado como “Estado”, algo que só viria com a expansão mediante as guerras de conquista, que ampliou o escopo de culturas e das demandas que forçariam uma maior estrutura de poder. O patriarcado surgiu das guerras entre tribos ou bandos, em pilhagens onde mulheres e crianças, tratadas como bens na família avuncular, tiveram o controle de posse ou propriedade transferida dos derrotados para os vencedores, que se tornaram líderes das famílias, dando origem a figura do chefe paternal [140]. De interesses comuns de patriarcas teriam surgido as repúblicas, que se expandiram também por guerras de conquista. Se nas repúblicas as questões públicas eram tratadas entre representantes dos cidadãos com o rei mediador, conciliador, juiz, referencial da fé religiosa, porém, como consequência do processo de expansão de domínio territorial das repúblicas, por meio das guerras de conquista, o poder político do rei foi se fortalecendo perante o conselho dos anciãos, tendo peso maior em si, sobre os representantes, que na antiguidade compunham o “senado”. O rei se tornou mais poderoso na medida em que instrumentalizou a plebe para ampliar seu capital político, arregimentou o prestígio entre súditos, acumulou força militar, e assim encontrou elementos para compor o “aparato do Estado” onde se converteu na figura do monarca.

Na obra de Jouvenel se desenvolve a tese de que o crescimento do poder político está diretamente ligado ao crescente aparato do Estado, processo inaugurado na antiguidade, cujos esforços democráticos na modernidade são inócuos para conter o problema.

140. Ver 19/01/2022 19h45 sobre a mesma obra.

04/11/2022 23h20

Imagem: Jornal da USP

Florestan Fernandes

“[…] nunca mais apareceu alguém com a envergadura teórica de Lênin e tão capaz de ligar criadoramente a teoria com a prática política. […] Ele não é uma mera reprodução de ideias e de doutrinas. Nada haveria de mal se fosse. Ocorre que não é. Ao estabelecer, tão escrupulosamente, o que era central ao marxismo genuíno, ele também alarga e aprofunda a teoria marxista do Estado.”

Obra: Apresentação de o Estado e a Revolução. Editora Hucitec, São Paulo, 1979, formato físico. De Florestan Fernandes (Brasil/São Paulo/São Paulo, 1920-1995). O Estado e a Revolução de Vladimir Ilyich Ulianov (Rússia/Ulianovsk, 1870-1924), pseudônimo Lênin.

Apresentação feita em 1978 por Florestan Fernandes, patrono da Sociologia brasileira, desde 2006 [137] . O Estado e a Revolução consiste na interpretação de Lênin sobre as ideias de Marx e Engels na aplicação do Estado (transitório) com fins de instaurar a “ditadura do proletariado”.

Neste aspecto, Florestan Fernandes afirma:

“Atente-se, a este respeito, para a compreensão e a intepretação da conquista do poder pelo proletariado, do tipo de Estado resultante da ditadura do proletariado, das funções desse Estado de democracia da maioria (e do significado político dessa mesma democracia, destinada à superação e a destruição) e do definhamento do Estado mediante o desenvolvimento socialista e a implantação do comunismo.” (p. XIII).

O Estado, a democracia, as instituições sociais são instrumentos para conduzir a sociedade ao comunismo; o socialismo seria, na visão de Lênin, um estágio ou uma transição com a instrumentalização do Estado e da democracia para destruir, fazer definhar instituições que dão guarida ao capitalismo, superar a luta de classes com a supremacia do proletariado em uma demarcação de concepções políticas “no corpus teórico do marxismo” (p. XIII). A leitura da obra seria para o entendimento de que o proletariado “deve primeiro conquistar o Estado burguês para, em seguida, transformá-lo e destruí-lo” (p. XVIII). Um detalhe interessante é que Florestan Fernandes publicou este texto no ano em que se tornou mais notório no Brasil o sindicalismo no ABC paulista, pela figura do então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, e assim o intelectual entendeu ter sido “um momento propício” para situar “à nova luz a questão do espaço político democrático” (p. XVII). Talvez, penso, que essa visão explique, em parte, a razão de o Partido Comunista Brasileiro (PCB) ter sido negativamente crítico à fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) [138], pois certamente tinha planos de conduzir o processo do socialismo por um caminho que os sindicalistas, em um projeto mais autônomo de poder, talvez, não tivessem discernimento e/ou vontade política sobre a questão da instrumentalização da democracia para interesses da “ditadura do proletariado” no sentido de caminho para o comunismo.

Quando li O Estado e a Revolução pela primeira vez (1991) e me dei conta do socialismo como “transição”, algum tempo passou e passei a achar intrigante o disseminado uso do termo (aparentemente anacrônico) “ditadura do proletariado”, quando não aplicado objetivamente, velado em defesa de “políticas públicas” por políticos progressistas onde a liberdade (fenômeno do indivíduo) é o alvo a ser anulado pelo coletivismo, enquanto práticas análogas provocam a mesma indignação entre desavisados eleitores de esquerda que se declaram contrários a quase tudo que soe como “antidemocrático”, digo “quase tudo” quando há uma indignação (justíssima) na apologia ao fascismo e ao nazismo, outros modelos de regime totalitário, mas uma letargia diante da “ditadura do proletariado”. Penso que isso ocorra porque tais eleitores desconhecem as raízes da interpretação mais aceita sobre Marx e Engels, feita por Lênin, onde o termo “democracia” está envolto a intenções diferenciadas na alienação de arraiais de devotos dissonantes cognitivos, fanáticos por Che Guevara, Fidel Castro e afins; um caminho imperceptível para incautos, rumo ao comunismo, uma arma de alienação de eleitores massa, não versados nos reais interesses e que creem, sob ingenuidade, na democracia como sinônimo de liberdade.

A teoria do Estado transitório rumo ao comunismo falhou? O que consigo ver é que o socialismo se tornou uma visão política permanente, inerente ao Estado moderno, algo que inclusive envolve também políticos de direita, na medida em que se revelaram pífios os modelos de planejamento central em meios produtivos estatizados (socialismo econômico), e assim o comunismo parece inalcançável enquanto se tornou conveniente a adoção de fortes controles sociais para manter os detentores dos meios produtivos, cativos, submissos, de joelhos perante o aparato estatal. Tais detentores (empresários e investidores), à mon avis, entenderam essa lógica do poder na “terceira via” e se alinharam (há muito tempo) de maneira que passaram a apoiar políticos, especialmente os de esquerda, por serem mais inclinados aos controles que acabam beneficiando os que estão no topo dos mercados, com as regulações, de maneira que um eleitor massa ao votar em um grupo político populista é constantemente ludibriado, a pensar que está dando apoio a quem priorizará os “menos favorecidos” ou “mais pobres” quando, na verdade, tem um projeto para satisfazer elites econômicas, sobretudo as do mercado financeiro, em especial via endividamento do Estado, problema por sinal abordado por Marx [139].

137. LEI Nº 11.325, DE 24 DE JULHO DE 2006, assinada pelos então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da educação Fernando Haddad.

138. Ver 18/10/2022 23h24, sobre página 431 de Brasil: De Castelo a Tancredo. Figueiredo: o crepúsculo do governo militar. Ed Paz e Terra, 5a. reimpressão, 1988, Rio de Janeiro, formato físico. De Thomas Elliot Skidmore (EUA/Ohio, 1932-2016).

139 Ver 03/09/2022 20h55 O Capital. Vol I, capítulo 14. A chamada acumulação primitiva. Edição Resumida por Julian Borchardt. Editora Guanabara, 7a. edição, 1982, formato físico. De Karl Marx (Reino da Prússia/Renânia-Palatinado/Tréveris, 1818-1883).

03/11/2022 23h43

Imagem: Blog da Boitempo

Caio Prado Júnior

“O aparelhamento técnico se desenvolvera bastante. As estradas de ferro, cujo estabelecimento data de 1852, somavam cerca de 9.000 km de linhas em trafego, e outros 1.500 em construção. A navegação a vapor se estendera largamente, e além das linhas internacionais, articulava todo o longo litoral brasileiro desde o Pará até o Rio Grande do Sul; prolongava-se ainda para o Sul, e pelo Rio da Prata e rios Paraná e Paraguai, comunicava Mato Grosso com o resto do país […] Assim, de um modo geral, o Brasil realizara um grande avanço no sistema de transportes […]”.

Obra: História Econômica do Brasil. 20 – Síntese da Evolução Econômica do Império. Ed. Brasiliense, 25a. edição, 1980, São Paulo, formato físico. De Caio da Silva Prado Júnior (Brasil/São Paulo/São Paulo, 1907-1990).

Brasil do Império, meados do século XIX. Leitura de 1995.

Caio Prado Júnior destaca, no mesmo parágrafo, que a navegação fluvial “somava 50.000 km de linhas” (p. 196). Uma rede telegráfica de quase 1.000 km de linhas também foi implantada neste período (p. 197); “em termos relativos, o progresso no período que ora nos ocupa será mais acelerado que em qualquer outro momento posterior”, aponta o historiador (p. 197).

Foi um Brasil mais pautado à iniciativa privada e com atração a capital estrangeiro, especialmente o proveniente da Inglaterra. Houve um forte crescimento em infraestrutura, cujo ícone foi a famosa Estrada de Ferro Mauá. Penso, o que parecia ser um promissor começo do capitalismo livre e desenfreado no Império, se perdeu com a repugnância ao laissez-faire do imperador Pedro II, intelectual que subestimou a política e não via com bons olhos gente que enriqueceu alheia ao estado, como Irineu Evangelista de Sousa, mais conhecido como “barão de Mauá”, que personificava a  ideia de um ousado (e pecaminoso, aos olhos do imperador) empreendedorismo à época. No afã de “desenvolver a economia” sob sua batuta, promoveu a mais traumática das intervenções: no mercado de crédito por emissão de papel-moeda, ocasionando na bolha do “encilhamento”, uma bolha que afetou o início da República, devastando o comércio e, por tabela, as bases da agricultura e da indústria.

Mais adiante, sob o Estado Novo de Getúlio Vargas, aprofundou-se o intervencionismo com a estatização de setores siderúrgico e energético (Petrobras) até os “50 anos em 5” de Juscelino Kubitschek, onde a indústria automotiva assumiu a preferência política em termos de transportes de massa e de carga, as estradas foram amplamente objeto de alocação enquanto as ferrovias e as hidrovias, todas estatizadas, foram praticamente abandonadas; ou seja, “política públicas” desastrosas para um país continental, mediante alocação de recursos que concentraram demais investimentos subsidiados em automotivos e malha rodoviária, em detrimento do potencial ferroviário e hidroviário. Em outras palavras, o Brasil que de vez em quando se torna refém dos caminhoneiros, foi formado, entre outras  raízes iatrogênicas antecedentes à República, por Pedro II que detestava ver o estado minimizado mediante grandes empreendimentos de infraestrutura promovidos pela livre iniciativa. Se o capital estrangeiro e o livre mercado não tivessem passado por tanta resistência nas mentalidades políticas imperial (século XIX) e republicana (desde o final do século XIX) brasileiras, é possível que fenômeno de investimentos privados levasse a economia brasileira a um caminho mais próximo do que se deu nos Estados Unidos da América em termos de diversidade de malhas multimodais ferroviárias e hidroviárias.

02/11/2022 16h32

Imagem: DW

Karl Marx

“A França, portanto, parece ter escapado ao despotismo de uma classe apenas para cair sob o despotismo de um indivíduo, e, o que é ainda pior, sob a autoridade de um indivíduo sem autoridade. A luta parece resolver-se de tal maneira que todas as classes, igualmente impotentes e igualmente mudas, caem de joelhos diante da culatra do fuzil. […]”

Obra: O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. Capítulo VII. Domínio público. Marxists Internet Archive. De Karl Marx (Reino da Prússia/Renânia-Palatinado/Tréveris, 1818-1883).

O golpe de Estado ocorrido em 2 de dezembro de 1851 na formação do Segundo Império da França, sob análise de Marx, cuja publicação ocorreu em 1852. A França entronizava o sobrinho de Napoleão, que vivia na “vagabundagem” (p. 44), segundo Marx, e se aproveitou do nome e do crédito da classe mais engajada politicamente; “não o camponês revolucionário, mas o conservador; não o camponês que luta para escapar às condições de sua existência social, a pequena propriedade, mas antes o camponês que quer consolidar sua propriedade” (p. 44), afirma. Marx vê a máquina estatal a serviço do interesse burguês. Destaca o endividamento do camponês “proprietário” no processo de posse; “senhores feudais foram substituídos pelos usurários urbanos; o imposto feudal referente à terra foi substituído pela hipoteca; a aristocrática propriedade territorial foi substituída pelo capital burguês” (p. 45), aponta.

A máquina estatal a serviço da elite política é uma tônica ao longo dos processos pós revolucionários. Marx observa esse fenômeno na França que derrubou o absolutismo monárquico e reconhece : “todas as revoluções aperfeiçoaram essa máquina, ao invés de destroçá-la” e que no contexto do parlamento francês, a disputa do poder pelos partidos era vista como “o principal espólio do vencedor” (p. 43).

Na obra se aplica a teoria da “luta de classes” como ferramenta de análise e a expectativa de que a classe operária poderia fazer diferente na chegada ao poder. No século seguinte, infelizmente, Marx não pode conferir a aplicação ou interpretação de sua teoria em modelos na União Soviética e no Leste Europeu, além do que ocorrera na dinastia Kim Coreia do Norte e na revolução cubana dos guerrilheiros de Fidel, e entre o final do século passado até os dias atuais, nos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela, ou seja, em todas as experiências onde os burgueses foram substituídos por legítimos representantes dos trabalhadores ou dos despossuídos, não faltaram (e ainda não faltam) classes “impotentes e igualmente mudas”, no terror de regimes tirânicos que os colocam “de joelhos diante da culatra do fuzil”, exceto, claro, os que faziam (e os que ainda fazem) parte ou se submetiam (e se submetem) ao partido.

01/11/2022 23h30

Imagem: Twitter

Adriano Gianturco

“A história da humanidade pode ser resumida como um conflito entre um grupo de pessoas que tenta monopolizar o poder e transferi-lo a parentes/amigos/partido e outro grupo que tenta derrubar a elite e tomar posse do poder. […]”

Obra: A ciência da política: uma introdução. Capítulo 1 – A Escola Elitista. 1.4 Organização e velocidade de circulação. Forense Universitária, 3a. edição, 2a. reimpressão, 2021, Rio de Janeiro, eBook Kindle. De Adriano Gianturco Gulisano (Itália/Catania).

Obra do professor italiano que leciona no Brasil (com domínio da língua portuguesa melhor do que muito nativo influencer por aí…) que cumpre o propósito de explicar a lógica da política aos leigos, com abordagens sobre escolas de pensamento, o que a torna uma leitura muito importante por ser uma visão diversa dos arraiais acadêmicos tupiniquins, advinda de um PhD com formação europeia. A ciência da política: uma introdução busca o debate com os manuais mainstream.

O trecho se trata da abordagem sobre a Escola Elitista; o professor trabalha conceitos de Gaetano Mosca (1858-1941) e Vilfredo Pareto (1848-1923). A luta por esse monopólio do poder não se restringe às épocas antigas (direito dinástico), mas até os dias atuais, menciona o professor, e aqui penso que isso é fácil de ser observado a partir de nossos quintais, pois não se trata apenas de uma sensação que políticos, nas democracias modernas, estabelecem dinastias, e diria não apenas na ótica partidária, visto que não é raro ver seus filhos e netos se enveredarem no caminho da “vida pública” a herdarem o capital político do “pai”, ao mesmo tempo que se torna muito difícil o surgimento de lideranças com potencial eleitoral fora desses círculos íntimos, muitas vezes resumidos a familiares, o que, neste ponto, faz-me lembrar o que o professor menciona, na visão da referida escola mediante a ótica de Pareto, que as elites são criadas pela organização ou estrutura e não o contrário, onde é interessante o conceito de “velocidade de circulação” na composição das elites (dividida e unificada).

Recomendo a obra a quem busca ter mais subsídios para desenvolver um melhor entendimento sobre fenômenos políticos, o que seria um passo adiante ao que ocorre entre os que estão presos na massificação de opiniões, sem um consistente embasamento reflexivo.

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2 Replies to “Uma leitura ao dia (nov/22)”

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