Imagem: Erich Fromm.net

“Talvez o maior prazer não esteja tanto em possuir coisas materiais, mas em possuir seres vivos.”
Obra: Ter ou ser?: Uma introdução ao pensamento humanista. 4. O que é o modo do ter? Planeta do Brasil, 2024, São Paulo. Tradução de Diego Franco Gonçales. De Erich Fromm (Alemanha/Frankfurt, 1900-1980).
Li bastante textos de Erick Fromm nos anos 1990, principalmente no período de transição em que abandonei minhas crenças no socialismo (1995). Tornei a apreciá-los em 2018 quando um interlocutor olavista tentou me repreender afirmando que se trata de um “comunista” da Escola de Frankfurt, igualmente má afamada, como se isso fosse importante e o viés ideológico do autor significasse algo em minha escolha de leitura. Leio Fromm com o mesmo prazer que tenho ao apreciar Olavo de Carvalho e, por isso, evito fazer parte de grupinhos disso ou daquilo…
Fromm abre o capítulo versando sobre a sociedade em que vivemos: baseada na propriedade privada, e que isso torna nosso discernimento “extremamente tendencioso” (p. 91), o que é verdade, mas então pensei, seria diferente em uma sociedade controlada por um partido comunista ou um grupo de líderes de uma comuna? Em todos os casos, parece-me que o fenômeno político não deixa de existir e aqueles que estão com o poder (político), independente de ser uma sociedade de propriedade privada dos meios de produção ou de uma sociedade de bens coletivos, deixariam de ser tendenciosos? O que se verifica nos casos históricos, na extinta União Soviética, no Leste Europeu, no Coréia do Norte, em Cuba…
Então o doutor Fromm afirma que a forma como a sociedade funciona, molda o caráter de seus membros (p. 91), o que também faz sentido, mas de forma relativa, penso. O desejo da posse e do acúmulo de bens reflete a forma da sociedade de propriedade privada, todavia não apenas a bens materiais, mas também no acúmulo de seres vivos, incluindo pessoas (p. 92), o que denota as sociedades patriarcais, e não é preciso fazer muito esforço para ver que o psicanalista e filósofo germânico está certo: basta conferir o Decálogo bíblico Êxodo 20:1–17 e Deuteronômio 5:5–21, para averiguar que entre as posses do homem estão a esposa, os servos e os animais.
No declínio do tipo patriarcal de propriedade (p. 93), com a evolução da emancipação da mulher em sociedades baseadas no industrialismo e na propriedade privada, como esse espírito de posse procura se preservar? “Segundo Fromm, será preciso “alargar a área de propriedade para incluir amigos, amantes, saúde, viagens, objetos de arte, Deus, o próprio ego” (p. 93). Curiosa resposta que me fez lembrar em uma empresa onde me informaram que a “dona” não era a proprietária de fato. A empresa na verdade pertencia ao amante dela, um empresário casado e bem conhecido em uma cidade do interior. Na prática, ela e a empresa pertenciam a ele.
Após discorrer sobre outro desdobramento, quanto ao “círculo vicioso da compra” (p. 94), o que posso chamar de “consumismo”, segue Fromm a apontar que “as pessoas são transformadas em coisas”, a incluir o ego, e que sendo assim “a base do nosso sentido de identidade” (p. 93), aqui penso em quantas pessoas vi sendo transformadas em “instituições” e serem “esquecidas” como seres humanos.