Fevereiro começa com esta obra maravilhosa de Flávio Hugo Venturini (Brasil/Minas Gerais/Belo Horizonte, 1949), Clube da Esquina 2, do álbum Noites com sol, que marcou minha juventude, em tempos de celebrar para renovar o espírito a sempre lembrar que os sonhos não envelhecem.

28/02/2023 21h32

Imagem: Twitter @cortellaoficial

Mario Sergio Cortella

“Convêm reforçar: a Filosofia é a atitude metódica, disciplinada, estruturada e intencional de indagação sobre as razões de ser das coisas e fatos, de maneira a produzir consciência e renovação.”

Obra: Filosofia: E nós com isso? 2. O que é isso? eBook Kindle, 2019. De Mario Sergio Cortella  (Brasil/Paraná/Londrina, 1954)

O professor Cortella resumiu magistralmente nesta frase a relação de praxis que tento empreender com a filosofia.

Não sendo preciso ser filósofo para filosofar (p. 25), apetece-me a “atitude metódica, disciplinada, estruturada e intencional de indagação”, e eis que pelo filosofar aprendi a reavaliar constantemente os procedimentos que adoto, sobretudo no tocante ao atendimento a clientes, na busca de compreender “razões de ser das coisas e fatos”, por meio de análise de dados de comportamentos de usuários e questões operacionais na interminável depuração do método. É pelo filosofar que tento uma versão cada vez melhor de meu trabalho na expectativa de “produzir consciência e renovação”.

Ao desmembrar a sentença de Beda (672-735, pp 25-27), o professor Cortella premia o leitor com uma reflexão chave para se compreender que a filosofia é para lições de vida, uma preciosidade do espírito humano amalgamado a empreender no pensar e agir, com coerência ética para construir o saber que precisa ser regado com humildade para bem servir a tudo o que me envolva.

27/02/2023 22h40

Imagem: Réflexion Chretienne

Saint Bernard de Clairvaux

«art admirable et qui n’éblouissent pas moins par l’éclat des pierreries que par celui des cierges dont ils sont chargés. Que se propose-t-on avec tout cela, est-ce de faire naître la componction dans les cœurs? N’est-ce pas plutôt d’exciter l’admiration de ceux qui le voient ? O Vanité des vanités, mais vanité plus insensée encore que vaine! Les murs de l’église sont étincelants de richesse et les pauvres sont dans le dénûment; ses pierres sont couvertes de dorures et ses enfants sont privés de. vêtements; on fait servir le bien des pauvres à des embellissements qui charment les regards des riches.”

Obra: Apologie de Saint Bernard adressée à Guillaume, abbé de Saint-Thierry. Chapitre XII. 28. bibliotheque-monastique. De Saint Bernard de Clairvaux (France/Fontaine-lès-Dijon, 1090-1153).

Texto do século XII que ecoa no tempo para refletir sobre o que tem sido feito com a fé quando se evidencia a opulência do ambiente sacro em detrimento do Evangelho: oratórios com “comprimento excessivo”, “decoração suntuosa” e “pinturas curiosas”, “cujo efeito é desviar a atenção dos fiéis”, indica o abade francês. “Que relação pode haver entre todas essas coisas e os pobres, os monges e os homens espirituais?”, indaga.

Sobre o que chama de “art admirable“, é “vaidade ainda mais insensata do que vã”; “as paredes brilham com riqueza e os pobres são destituídos; com pedras são cobertas de ouro e seus filhos privados de roupas”; “pobres que nada encontram para ajudá-los na miséria enquanto admiradores satisfazem a curiosidade”, admoesta o abade medieval francês, doutor da Igreja.

Até parece que foi direcionado para a corrente geração cristã goumert.

26/02/2023 16h14

Imagem: flickr oficial

Olavo de Carvalho

“Nas minhas leituras de juventude, mais de quatro décadas atrás, poucas perguntas me impressionaram como aquela que dá título à segunda parte de La Rebelión de las Masas, de José Ortega y Gasset: ‘Quién manda en el mundo?'”

Obra: O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. Quem manda no mundo?. Record, 2017, São Paulo. De Olavo Luiz Pimentel de Carvalho (Brasil/São Paulo, 1947-2022).

A formulação do filósofo espanhol – uma das maiores referências de pensamento que tenho no século XX – foi no sentido geopolítico, cuja constatação foi da perda da liderança europeia para a Rússia e os EUA (p. 547). Por trás de todos os governos do Ocidente está a “elite globalista fabiana, fenômeno visível em seu modus operandi, sendo involuntariamente cômica a insistência de alguns em chamá-la de ‘poder secreto'”(p. 548), afirma o filósofo brasileiro.

No entanto, pouco ou quase nada se sabe do que se passa na Rússia, na China e nos países islâmicos, onde atuam os herdeiros da KGB (da extinta URSS), os serviços secretos da China e as organizações islâmicas e essa “diferença de visibilidade entre os grandes esquemas globalistas em disputa é fonte de erros catastróficos na descrição do conflito de poder no mundo”, aponta (p. 549). Sobre esta constatação, penso no turbilhão de “teorias da conspiração” que circulam no ocidente sobre os governos de Putin e do Partido Comunista da China que ajudam a confundir enquanto nada representa quanto ao desconhecimento acerca desses poderes.

Esta Leitura se complementa com o artigo Os donos do mundo (pp 542-544), Olavo de Carvalho aponta sua síntese dos três projetos de dominação global na atualidade: (1) o “russo-chinês”; (2) a elite financeira ocidental; e (3) a Fraternidade Muçulmana. O primeiro tem termos bem definidos aos interesses nacionais e regionais, o segundo está mais avançado e se situa acima de quaisquer interesses nacionais e o terceiro gravita em torno do Califado Universal como “grande fator de unificação ideológica” (p. 543).

25/02/2023 21h28

Imagem: centrostudilivatino.it

Hegel

“A dissolução daquela unidade simples é o resultado da primeira experiência; mediante essa experiência se põem uma pura consciência-de-si, e uma consciência que não é puramente para si, mas para um outro, isto é, como consciência essente, ou consciência na figura da coisidade. São essenciais ambos os momentos; porém como, de início, são desiguais e opostos, e ainda não resultou sua reflexão na unidade, assim os dois momentos são como duas figuras opostas da consciência: uma, a consciência independente para a qual o ser-para-si é a essência; outra, a consciência dependente para a qual a essência é a vida, ou o ser para um Outro. Uma é o senhor, outra é o escravo.”

Obra: Fenomenologia do Espírito. Parte I. III – Força, e entendimento. Fenômeno e mundo supra-sensível. A verdade da, certeza de si mesmo. A – Independência e Dependência da Consciência-de-si: Dominação e escravidão. Vozes, 1992, Petrópolis. Tradução de Paulo Menezes. De Georg Wilhelm Friedrich Hegel (Alemanha/Stuttgart, 1770-1831).

Da série Fontes que Marx bebeu.

Três momentos da dialética ou da “fenomenologia” mediante movimento historizado das ideias: tese (consciência), antítese (auto consciência, fora de si, consciência que não é puramente para si, que se evidencia pelo confronto, pelo questionamento, pela negação, pela luta, pelo conflito, pela dor) e síntese (razão, “reflexão na unidade”, o resultado do confronto ou da “superação” da luta das “duas figuras opostas da consciência”, é tese versus antítese a evidenciar o retorno para si, de forma depurada).

Publicada em 1807, Fenomenologia do Espírito está entre as mais importantes obras da filosofia no mainstream ou na adoção do aparato estatal à filosofia hegeliana.

O espírito é a razão e a fenomenologia (do espírito) é a descrição da razão ou do absoluto em movimento dialético por meio da figura histórico ideal. No trecho a mais célebre: “servo-patrão”, no sentido espiritual, no movimento dialético da razão e não com conotação política ou social. No “patrão”, reside a consciência que domina, e no “servo”, o outro que cede, mas em se tratando de uma relação que não é estática, não se trata de algo permanente, há o conflito e seguem em movimento pela dialética onde a força do dominador passa pela força do dominado, de maneira que o servo percebe que o patrão depende dele, assim como o patrão percebe o quão depende do servo de maneira que ocorre uma inversão ou superação desse conflito de desiguais e opostos que tornam a uma síntese que será submetida a um novo processo dialético.

Uma releitura: demanda, consumidor (tese, ideia de si), vendedor, preço de oferta (antítese, ideia fora de si), preço após negociação (síntese, ideia que torna a si).Esse processo seria contínuo e a síntese passa a ser uma tese para ser confrontada com uma nova antítese e formar nova síntese.

Meu primeiro contato com esta obra foi motivado por leituras de obras de Marx em minha juventude. Em um certo sentido (aparentemente irônico), para entender o conceito de “superação” dialética no materialismo histórico de Marx, e como se desenvolveu a crítica do materialismo histórico na luta de classes, precisei conhecer o historicismo idealizado da tríade tese, antítese e síntese, de Hegel.

24/02/2023 21h18

Imagem: BBC

Adam Smith

“[…] A escassez de mão de obra ocasiona uma competição entre os patrões, que assim procuram conseguir trabalhadores, e isto quebra voluntariamente a combinação natural dos patrões para não elevar os salários.”

Obra: A Riqueza das Nações. Livro I. Capítulo 8 – Dos Ganhos do Trabalho. Edição da Hemus, 1981, Curitiba. De Adam Smith (Reino Unido/Escócia/Kirkcaldy, 1723-1790).

A demanda de assalariados aumenta com a renda e com o capital, e a riqueza nacional consiste nos aumentos da renda e do capital; não é a grandeza da riqueza nacional, mas seu aumento contínuo que ocasiona na elevação dos salários e, como exemplo, Smith cita o nível salarial superior na América do Norte (1773), em comparação com o que observou na Inglaterra (p. 47). Embora a América do Norte não fosse tão rica quanto a Inglaterra, avançava com maior rapidez na aquisição de riqueza (p. 48).

Apesar de Smith dar ênfase ao problema da combinação (no intuito empresarial de forçar redução de salários) ter sido mais comum, sob argumento de que se tem menor quantidade de empresários em comparação com a de trabalhadores, o que facilitaria entendimentos (p. 45), não sei se o jovem Marx [159] esqueceu de considerar explicitamente esta ponderação sobre a escassez da mão de obra a pesar na alta do preço do trabalho do mesmo Smith, dito “pai do liberalismo”, quando o ícone do “socialismo científico” estava a produzir os Manuscritos de Paris (Econômicos-Filosóficos) a conferir A Riqueza das Nações, afinal, pesar apenas um lado não confere se o interesse foi científico.

159. Ver 17/02/2023 20h12

23/02/2023 22h04

Imagem: nickvujicic.com

Nick Vujicic

“Uma das melhores maneiras que encontrei para aguentar firme e segurar as pontas, mesmo quando minhas preces não são atendidas, é ajudar outras pessoas.”

Obra: Uma vida sem limites. Inspiração para uma vida absurdamente boa. Capítulo 2 – Sem braços, sem pernas, sem limites. Novo Conceito Editora, 2013, Ribeirão Preto. De Nicholas James Vujicic (Austrália/Melbourne, 1982).

Sem pernas, sem braços e pleno de espírito humano. O Evangelho pregado por Nick Vujicic não é de quem costuma colecionar bênçãos de consumismo, testemunhadas como forma de auto afirmação. Não se trata de um invólucro contra o imponderável da vida na forma de dores e tragédias, que acontecem “apesar das nossas orações e da nossa fé” (p. 36).

Como manter a esperança em meio ao sofrimento?, indaga o evangelista (p. 36) que aponta o despertar da solidariedade que acontece em tragédias, “para nos dar provas da presença de Deus” (p. 37). Para suportar os dilemas da vida, Nick Vujicic se volta às virtudes como exercício de amor ao próximo; se há um fardo, aliviar a dor alheia alimenta a esperança; na carência de compaixão, oferecer compaixão; ser amigo quando se precisa de amizade; dar esperança quando mais se necessita dela (p. 37).

Nesse movimento dialético de solidariedade humana, a vida terrena floresce no meio dos espinhos, enquanto temporária, serve como preparação cuja promessa aponta para o céu e, neste aspecto, a teologia do evangelista australiano se alinha ao Evangelho que supera o materialismo do “Evangelho Goumert” ou personalizado conforme os anseios de consumo de fiéis alienados, o que tem caracterizado muitas expressões de fé na atualidade.

22/02/2023 21h28

Imagem: Art Now and Then

A quarta-feira de cinzas
em uma aquarela de 1881
do pintor polaco

Julian Falat (1853-1929)

“Contemporaneamente col ciclo delle feste si andava sviluppando la disciplina del digiuno. Il digiuno quadragesimale, che finora aveva abbracciato solo trentasei giorni, fu esteso a quaranta, anticipandosi il princìpio del medesimo al mercoledì delle ceneri, come fu chiamato quel giorno dalla cospersane delle ceneri fatta in esso e prescritta per tutta la Chiesa da Urbano II nel sinodo di Benevento (1091).”

Obra: Storia della Chiesa. Volume I. Roma, Frederico Pustet, MDCCCCII. Capitolo V. Culto, Disciplina e Costumi. Traduzione del Sac . Dott. Pietro Perciballi. De Franz Xaver von Funk (Alemanha/Abtsgmünd, 1840-1907).

Oportuno acesso da tradução em italiano da obra do historiador e teólogo alemão.

No primeiro período medieval (692-1073) em paralelo aos ciclos das festas [157], foi se desenvolvendo o jejum como disciplina promovida pela Igreja cujo poder coercitivo aumentou (p. 339). Surgiram os livros penitenciais em um longo processo de aplicação, mas ocorreu uma “forte oposição” (p. 338) no século IX.

O período do jejum quadragesimal foi expandido de 36 para 40 dias com a antecipação partindo da quarta-feira de cinzas, como fora chamado o dia da aspersão (de cinzas) como imposição da penitência, prescrito para toda a Igreja pelo papa Urbano II no sínodo de Benevento em 1091 (p. 340, citação desta Leitura). A regra se deu em Roma no decurso do século VII (p. 340) e se propagou em todo o rito romano, com exceção da igreja de Milão (p. 341).

157. Neste período se consolidaram diversas festividades entre as quais dos apóstolos e evangelistas, dos santos padroeiros em datas variadas de acordo com a localidade, o culto dos santos e das relíquias (p. 343), dos defuntos (p. 340, introduzida pela primeira vez pelo abade Odilone de Cluny em 998), além das principais celebrações, Páscoa e Pentecostes, estas duas últimas deixando de considerar a semana inteira como uma celebração contínua desde o século X, comemorando apenas a primeira metade da semana.

21/02/2023 15h22

Imagem: Cultura Animi

Bertrand de Jouvenel

“POWER IS AUTHORITY and a makes for more authority. It is force anda makes for more force.”

Obra: ON POWER: The Natural History of Its Growth. Book IV. The State as Permanent Revolution. IX. Power, Assailant os the Social Order. Traduzida para o inglês por J. F. Huntington;. Edição da Liberty Fund, 2020, Indianapolis. De Bertrand de Jouvenel des Ursins (France/Paris, 1903-1987).

Torno novamente à obra prima de Bertrand de Jouvenel no tema central. O autor vê esse processo do avanço do poder como algo não ininterrupto, mas os “reverses e recuos que recebe não impediram o avanço do Estado ao longo dos séculos”, como se prova historicamente (pelo crescimento) da taxação, dos exércitos, da legislação e das forças policiais, além da crescente regulação das atividades privadas (p. 171).

O poder se revela historicamente como implacável sobre quem aspira se livrar dos que o operam ou do “jugo aristocrático”, como se pode verificar na violenta reação da nobreza às revoltas camponesas “Jacqueries” (p. 175) que marcaram a alta idade média.

Contesta-se a suposição de Hobbes sobre as grandes sociedades “políticas” a estabelecer ordem (como se fossem preferencialmente baseadas em soluções não invasivas ou pacíficas) sem a coalescência de poder para super impor a si mesmo, seja por consentimento ou violência, diante de células sociais a serem subjugadas (p. 178); o poder avançou se ocupando em quebrar pequenos núcleos, clãs; foi em guerras de conquistas ou na base da pirataria que se forjaram estados europeus ou parafraseando Sheakspeare, “Monarquia e aristocracia feudal são dois leões nascidos no mesmo dia” (p. 180).

O poder ao longo do tempo se ajusta e eis que a aristocracia mercantil surgiu quando o dinheiro (ou fiduciário) se tornou evidente diante da percepção anterior que se tinha da riqueza; se um banqueiro deseja riqueza para acumular ativos financeiros, quem opera no poder vai procurar formas de usar tais recursos para transmuta-los como força política (p. 184). O poder político está acima do econômico; o primeiro instrumentaliza o segundo. A associação do poder econômico ao político é a regra elementar para se analisar a auto preservação nessa dinâmica do poder ao longo da história e um exemplo hoje, à mon avis, está em bilionários que apoiam políticos e ativistas progressistas, socialistas, aparentemente avessos ao mercado enquanto vivem do modo capitalista em uma simbiose em torno do centro de comando onde o poder demonstra sua irresistível e destrutiva força: o Estado.

20/02/2023 11h12

Imagem: UFMG

Carolina Maria de Jesus

“…Eu gosto de ficar dentro de casa, com as portas fechadas. Não gosto de ficar nas esquinas conversando. Gosto de ficar sozinha e lendo. Ou escrevendo! Virei na rua frei Antonio Galvão. Quase não tinha papel. A D. Nair Barros estava na janela;. (…) Eu falei que residia em favela. Que favela é o pior cortiço que existe.”

Obra: Quarto de Despejo: diário de uma favelada. 22 de julho (1955). Ática, 1993, São Paulo. De Carolina Maria de Jesus (Brasil/Manias Gerais/Sacramento, 1914-1977).

Quando escuto argumentos do tipo que os hábitos da leitura e da escrita são para quem tem “tempo de sobra” ou “tem a vida ganha”, penso na escritora, poetisa e compositora Carolina Maria de Jesus, negra, favelada do Canindé (São Paulo), catadora de lixo com três filhos de pais diferentes, enquanto amante da leitura que adiante se tornou fenômeno literário através da obra Quarto de Despejo: diário de uma favelada (1960), com cem mil exemplares no Brasil e traduções em treze línguas em mais de quarenta países [158].

Carolina Maria de Jesus é um dos mais notáveis exemplos de que a vida é feita de escolhas ou no que se diz no mercado de ações como “trade-off” e no economês, “custo de oportunidade”. Não importam as circunstâncias, escolhas devem ser feitas de coisas em detrimento de outras porque a vida é escassa assim como o tempo que se passa por ela.

O tempo é recurso econômico caríssimo e irrecuperável. Não é possível voltar no tempo para aproveitar de outra forma o que foi gasto. Um juventude gasta com vulgaridades e vícios não pode ser revivida. O tempo que passou, passou… Uns preferem “ocupar” a mente e gastar o tempo com distrações do cotidiano, quem sabe mais em futilidades, no entanto Carolina estava no pior tipo de cortiço que existe e seu “trade-off” substituiu “ficar nas esquinas conversando” pelo trato da intelectualidade, através do empreendimento da leitura. Nessa escolha sábia, combinada com seus dilemas existenciais, nasceu uma grande autora.

158. Ver matéria da UFMG no link da imagem

19/02/2023 16h38

Imagem: Recanto do Poeta

Ariano Suassuna

“A obra que se apresenta ao público, qualquer que seja ela, é o resultado de duas derrotas: a primeira, porque o artista jamais conseguirá se equiparar à mobilidade, à vida, à riqueza, à contínua invenção da realidade; a segunda, porque depois de inventar sua obra — que não é senão uma tentativa de resposta domada, clarificada e ordenada ao que o mundo contém de feroz, de disperso e selvagem — nunca consegue ele imprimir na obra tudo o que desejou e entreviu no momento da criação.”

Obra: O Santo e a Porca. Nota do Autor. Edição da Nova Fronteira, 2018, Rio de Janeiro, eBook Kindle. De Ariano Vilar Suassuna (Brasil/Paraíba/Parahyba do Norte, atual João Pessoa, 1927-2014).

No teatro de Ariano, o que se pode ter como “inverossímil” vem com um realismo de sua vivência no mundo a ele dado e “inapreensível”, o que se traduz por uma literatura popular que “transfigura a vida com a imaginação para ser fiel à vida”. Então, “anjos se vestem de judeus e os diabos de frades ou de vaqueiros” (p. 12), cangaceiro é trapaceado por um tipo ambíguo de “esperto-carente” como João Grilo, cachorro é enterrado com recitações em latim, o valentão e o capitão da cidade são frouxos enrustidos, entre outras criações tão hilárias.

Outrossim, em O Santo e a Porca, cuja montagem se deu pela primeira vez em 1958, no Rio de Janeiro, um avarento perde dinheiro por um descuido grotesco de um apego maior que a atenção quanto à sua validade. Para rebater críticos ávidos por um realismo seco e limitado ao que se pode apreender com o imponderável espírito humano, o mestre mais pernambucano dos paraibanos afirma que o teatro nunca conseguirá “reproduzir a vida, que se reinventa a cada instante”, enquanto cita um caso similar envolvendo um avarento de sua família, um tio em Taperoá (p. 12).

Sobre o trecho desta Leitura, sensação de derrotado me soa familiar quando determinada coisa imagino, com sutilezas e uma singularidade onde as ações que tomo para realizá-la produzem uma versão aproximada que reflete a inferioridade do que produzo no mundo material.

18/02/2023 18h48

Imagem: Mises Brasil

Ludwig von Mises

“O homem lida com o trabalho das outras pessoas da mesma forma com que lida com todos os fatores de produção escassos. Avalia o trabalho pelos mesmos princípios que aplica na avaliação de outros bens. O nível do salário é determinado no mercado do mesmo modo que o preço de qualquer mercadoria.”

Obra: Ação Humana. Um Tratado de Economia. Capítulo 21. Trabalho e Salários. 3. O Salário. 3.1a. Edição pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, São Paulo. De Ludwig Heinrich Edler von Mises (Áustria-Hungria/Leópolis, hoje cidade da Ucrânia, 1881-1973).

A crítica de Marx sobre o mercado consoante a força de trabalho como mercadoria (pelas leis de mercado), no capítulo 4 de Manuscritos Econômicos-Filosóficos, é contrastada com a visão realista, intuitiva, descritiva, praxiológica de Mises no capítulo 21 de Ação Humana, um tratado de economia à luz da explicação cataláctica.

“A competição entre empresários para conseguir melhores colaboradores é tão intensa quanto a competição para obter matérias primas, ferramentas e máquinas, ou para conseguir capital no mercado de crédito” (p. 682).

Se Marx aplica a teoria da luta de classes, sobretudo em paralelo a uma visão agregada e dissemina uma crítica repulsiva ao mercado como fonte dos males sobre o proletariado, Mises discorre sobre o mercado como realidade a ser melhor estudada e trabalhada sem fazer uso de generalizações, sem vitimismos ou sentimentalismos. No primeiro caso, Mises refuta narrativas que versem sempre sobre a maior vulnerabilidade do lado de quem oferta força de trabalho, ao cogitar que o trabalhador (ofertante) também realiza escolhas, sem estar a mercê dos empregadores. Neste ponto, penso, pode ser visto em profissionais de certa qualificação que, de fato, são disputados por empregadores e assim eventualmente rejeitam propostas, barganham salários e/ou benefícios porque percebem o quanto são escassos e destarte valiosos pelos serviços que oferecem.

Sobre “ataques violentos” a explicação do valor do trabalho pelas leis de mercado (sem se referir diretamente a Marx), o sábio austríaco entende como algo “inteiramente errôneo” (p. 679) . Ao abordar o problema de níveis salariais, Mises vê como improvável a (suposta) combinação tácita entre empresários (monopólio de demanda) a não ser que inteligência e capital não fossem suficientes para acesso a atividade empresarial e sim uma “licença que só fosse concedida a pessoas privilegiadas” (p. 680); neste aspecto seria uma forte intervenção que provocaria distorções na economia a impedir um melhor conhecimento do que está a ocorrer.

Mises entende estar fora da realidade a doutrina da manipulação monopolística dos salários pois o trabalho não é uma entidade homogênea; “o que é comprado e vendido no mercado não é ‘trabalho em geral’, mas determinado tipo de trabalho capaz de prestar determinados serviços”, afirma (p. 682). Para Mises, no mercado cada caso é um caso, cada profissão está sob uma situação específica de mercado, o que desmonta argumentos baseados em um raciocínio com variáveis agregadas que, de fato, perdem o sentido ao se tentar explicar os fenômenos de precificação da força de trabalho sem pesar necessidades pontuais de tomadores em seus respectivos setores. Mises considera a dispersão de conhecimentos e o significado da escassez, como se aplica a todo recurso econômico, no comportamento dos agentes evidenciado nas ações humanas.

17/02/2023 20h12

Imagem: DW

Karl Marx

“[1] O salário é determinado pela luta árdua entre o capitalista e o trabalhador. […] O trabalhador transformou-se numa mercadoria e terá muita sorte se puder encontrar um comprador. E a procura, à qual está sujeita a vida do trabalhador, é determinada pelo capricho dos ricos, e dos capitalistas. Se a oferta excede a procura, um dos elementos que compõem o preço – lucro, renda da terra, salários – será pago abaixo do seu valor; uma parte da procura destes fatores será retirada do uso e o preço corrente seguirá para o preço natural.”

Obra: Manuscritos Econômicos-Filosóficos. Capítulo 4. Primeiro manuscrito. Salário do trabalho. Martin Claret, 2003, São Paulo. Tradução de Alex Marins. De Karl Marx (Reino da Prússia/Renânia-Palatinado/Tréveris, 1818-1883).

Na primeira vez que li (1989) veio a fascinação de adolescente…

Marx aborda a precificação da força de trabalho no que entendeu de sua leitura de A Riqueza das Nações, de Adam Smith. De um lado a oferta de força de trabalho, do outro os tomadores de recursos (a demanda). A força de trabalho é uma mercadoria, entende, o que hoje é uma obviedade pelo realismo econômico do mercado, segue não raramente mal compreendida, sobretudo por muitos em salas de aula que foram “educados” (diria doutrinados) por interpretações que reprovam as forças econômicas da escassez sobre a procura e a oferta de recursos, entre os quais está a mão-de-obra. “Se a oferta (de mão de obra) é muito maior que a procura (vagas de empregos), então parte dos trabalhadores cai na miséria ou na fome”, afirma, enquanto aponta que, pelo mercado, trabalhadores estão nas mãos dos interesses dos ricos, os capitalistas, descreve o sobe e desce natural do mercado que precifica o trabalho (pp 66-67), o que afeta mais gravemente, no seu entendimento, os trabalhadores enquanto preserva os lucros dos patrões. Marx menciona o interesse prioritário de empregadores de grandes fábricas por mão de obra de preço mais baixo para apontar a causa da maior contratação de mulheres e crianças.

Para entender Marx é necessário compreender a tríade de Hegel, embora o filósofo da minha adolescência tenha sido crítico ferrenho do idealista alemão, a dialética da tríade tese, antítese e síntese foi a fonte filosófica em que o jovem dos Manuscritos de Paris demonstra ter bebido para aprimorar sua visão crítica da economia dos meios de produção por meio da luta de classes. Ainda em Hegel, Marx fez uma releitura da visão da humanidade como sendo desde os primórdios marcada pelo confronto de consciências ao longo de sua história; escravagistas versus escravizados, patrícios versus plebeus, senhores versus vassalos, burgueses (capitalistas) versus trabalhadores… Tese versus antítese para gerar uma superação ou síntese. Hegel tinha desenvolvido a ilustração signoria e servitù, ou “padrão e servo”, para abordar o significado do movimento dialético pela consciência mediante o confronto de tese e antítese a gerar um resultado dinâmico de uma síntese que torna à dialética. Marx produziu entre abril e agosto de 1844; fazia parte de uma geração que testemunhou relações trabalhistas com o problema da exploração de longas jornadas diárias e salários baixíssimos, incluindo trabalho infantil. O sentimento de repulsa ao que ocorria na exploração da força de trabalho estava latente na Europa.

Marx, talvez impressionado pela extrema carência que observou entre operários, em meio a intensa aplicação da divisão do trabalho e de técnicas inovadoras de produção á época, foi pessimista com o futuro dessa ordem de produção em grande escala, sujeita ao conflito natural de forças de mercado, em um ambiente de interesses privados entre quem oferece mão de obra e quem a compra e eis que sentencia; “a miséria social constitui o objetivo da economia” (p. 70).

Se o mercado é a causa do grande mal de provocar miséria e fome aos trabalhadores, infelizmente, o talentoso pensador Marx não pode ver o resultado de experiências (de socialismo real, especialmente na extinta URSS, em Cuba, na Coreia do Norte e na Venezuela) que tentaram substituir o mercado para superar (aproveitando o hegelianismo de sua crítica) o que considerava um problema de degradação do ser humano pela exploração do capitalista, enquanto sociedades formalmente abertas ao mercado, enquanto menos suscetíveis a controles estatais e pressupostos socialistas, ocorreu significativo aumento da qualidade de vida.

16/02/2023 20h02

Imagem: RedPillReports

Ken Goffman

“No século XX, o revolucionário marxista Vladimir Lenin (que achava saber quase tudo) disse que a forma de fazer com que as pessoas compreendessem era ‘explicar, explicar e então explicar novamente’. Sócrates, cujo objetivo era levar as pessoas à autocompreensão, expondo as falácias do que elas achavam saber, poderia ter dito: ‘questionar, questionar e então questionar novamente’.”

Obra: Contracultura através dos tempos. Do mito de Prometeu à cultura digital. Capítulo três – Politicamente incorreto. Sócrates e a contracultura socrática. Ediouro, 2007, Rio de Janeiro. De Ken Goffman (R. U. Sirius) e Dan Joy.

Em leitura de 2010: Quantos “Sócrates” na União Soviética tomaram cicuta? Quantos em Cuba de Fidel e Che Guevara? E na Itália de Mussolini, na Alemanha de Hitler? Na Venezuela de Chávez e Maduro? No Chile de Pinochet? Nos regimes militares dos anos 1960, 1970 e 1980 na América do Sul?

Hoje penso esta questão na Rússia de Putin, em regiões desoladas da África sob o terror do radicalismo islâmico, na Arábia Saudita do jornalista assassinado enquanto apoiada pelos EUA, os “defensores” da liberdade no mundo?

A filosofia de Sócrates é fascinante enquanto inaceitável em grupos onde sobram explicações para quase tudo, sob padrão de pensamento onde o ato de questionar só é bem vindo se for em relação a ideias contrárias às próprias “convicções” ou “crenças” predominantes. Os debates normalmente são dissimulados por um criticismo raso que não passa de um disfarce entre indivíduos que comungam as mesmas crenças. Tal moléstia espiritual é facilmente observável entre bolsonaristas, lulistas e tantos outros ístas que assim desenham seus delírios de convicções como coisas para “explicar, explicar e explicar novamente”, ou doutrinar, enquanto as questionáveis estarão sempre do outro lado. Não por acaso, nesses grupos o que mais se encontra é a figura do fanático no imbecilizante processo coletivo de multiplicação de “idiotas úteis”.

O método socrático é uma terapia para quem sofre de “pensamentos automáticos” [156]. Tal enfermidade do espírito ocorre quando se pensa e não se realiza a singularidade crítica do próprio juízo; as coisas passam pele mente que foi “treinada” para repetir conceitos como verdades intocáveis, assim conduzidas sem análise, ausentes de depuração.

“Sócrates ensinou os gregos a pensar e a pensar sobre o pensamento”, afirmam os autores. O espírito de Sócrates se desenvolveu em uma sociedade onde indivíduos tinham dificuldades para pensar por conta e risco, argumentam (p. 72), e penso que talvez em um estado mais grave, em comparação com o que consigo observar no meu cotidiano, flagro-me com esse problema (o que me parece bom, sendo péssimo quando não percebo rapidamente a falha de meu pensamento), assim como se dá quando me deparo com quem pensa de forma absolutamente rígida a impossibilitar a crítica do que pensa sobre um determinado problema ou quando se está acostumado a pensar de um jeito quando uma resposta inteligente vai depender da capacidade de questionar as próprias ideias pré-concebidas.

A sabedoria autenticada ao filósofo ateniense, no oráculo de Delfos, consistia no saber suficiente para saber que não sabia de nada, uma visão potencialmente capaz de muito contrariar elites intelectuais tão plenas de certezas, assim como todos os que exploram a massificação de ideias. Neste aspecto, à mon avis, a disseminação de pensamentos automáticos, via fanatismo político, tem potencial de causar danos maior que o fanatismo religioso; o político pode se disseminar facilmente na sociedade com ideias e/ou apoio de “acadêmicos” que lhes dão ilusório ar de embasamento “científico”, sobretudo quando as teorias não são confrontadas com a prática ou quando as supostas intenções nos discursos têm maior peso que a análise crítica dos resultados obtidos.

15/02/2023 21h26

Imagem: Luciana Amorim

Fori Imperiali

“O romano sabe que o o Estado depende dele, e que ele depende do Estado: não é idealista, nem derrotista: é realista.”

Obra: Religiões da Humanidade. A Religião dos Romanos. Edições Loyola, 1996, São Paulo. De Waldomiro Otávio Piazza.

Na última passagem pelos Fori Imperiali, parei para meditar sobre o quanto a política, a religião e o direito estavam amalgamados nas relações religiosas pela pragmática mentalidade simbiótica com o Estado, em um traço do homem da Roma antiga, dos tempos republicanos ao Império; cabe a ressalva de que o período dos “romanos” foi longuíssimo, com mais de 1.100 anos a considerar a fundação de Roma à queda do Império.

Neste capítulo da obra de religiões comparadas do padre Piazza, relembro uma leitura de 2004, com uma abordagem ampla e muito interessante sobre algumas características da religiosidade dos romanos que, de certa forma, em alguns momentos influenciou o catolicismo romano. Rito como forma contratual entre o adorador e a divindade (p. 163) em um sistema politeísta, com divindades para determinadas situações ou necessidades (pp 154-157), que evoluiu para se torna um sistema sob forte controle estatal (p. 162), a evidenciar um formalismo jurídico (p. 153), com grande abertura ao sincretismo com “formas religiosas populares” (p. 162), de onde, à mon avis, imagino que a noviça fé cristã penetrou (já nos tempos imperiais), combinado com um calendário festivo (p. 267) e a prática do culto doméstico (p. 165) com o chefe de família como sacerdote (p. 166)

14/02/2023 21h42

Imagem: Grupo Editorial Record

Bruno Garschagen

“No cerne da produtividade baixa e estagnada do Brasil existe um sistema econômico que desincentiva a concorrência, estimula a ineficiência e incentiva a alocação inadequada de recursos.”

Obra: Direitos máximos, deveres mínimos. O festival de privilégios que assola o Brasil. 7. Empresários: opção preferencial pela servidão. Editora Record, 2019, Rio de Janeiro. De Bruno Garschagen (Brasil/Espírito Santo/Cachoeiro do Itapemirim, 1975).

A seguir, pequenos contos de minha rudimentar imaginação…

Um grupo de taxistas se organizou para protestar contra os motoristas de Uber. Exigem que seus “direitos” sejam respeitados perante os “ilegais” que não pagam a licença municipal (entenda-se taxa para encarecer serviços e garantir reserva de mercado).

Um empresário de beira de praia reinava tranquilo em um negócio de mergulho até que um dia chegou uma empresa “forasteira” na cidade para “tomar seus clientes”, a oferecer serviços com preços menores, profissionais mais qualificados e equipamentos novos (que absurdo!), então não teve dúvida: acionou seus “amigos da política”.

Após perceber uma repentina queda nas vendas, o dono de um mercadinho, amigo e correligionário do prefeito, acionou fiscais da prefeitura para uma “visitinha” a mercearia da rua ao lado, recentemente aberta.

Contadores se reuniram para defender que determinados serviços livremente prestados se tornem exclusivos para quem tem CRC (mais um caso de reserva de mercado) enquanto outro grupo quer tabelamento de preços mínimos e que os conselhos combatam a “uberização” de serviços da dita “contabilidade online”.

Um empresário decidiu não participar de um esquema de cartel e, de repente, choveram fiscais em seu posto de combustíveis.

Seria a aversão à concorrência coisa apenas de grandes players, não importa o lado, de políticos em favor de grandes empresários, como ocorrera na canetada do então ministro da Fazenda, Guido Mantega, no governo Lula II, para encarecer em 30% os carros chineses com mais IPI para a alegria das montadoras nacionais, como lembra o autor sobre a “indústria mimada” (p. 218) no “rent-seeking” de cada dia, ou será que a mentalidade anticapitalista está fortemente enraizada na cultura brasileira e pode ser observada em qualquer esquina?

Ao buscar proteções do governo, “o empresariado brasileiro não tem incentivos para buscar inovações e competitividade”, afirma Garshagen (p. 219). Penso, a falta de interesse em promover melhor eficiência produtiva e zelo administrativo reflete o quanto é tentador ao empresário o atalho da servidão pelo favorecimento político, e de forma legal, seja com empréstimos a juros subsidiados onde o critério da alocação de recursos está contaminado por interesses de manutenção do poder no jogo político, seja pela produção de legislação que lhe conceda privilégios tributários e/ou o proteja de concorrentes. Nesse negócio de laços, na falta de excelência de gestão reside também, em parte, o problema do desprezo à prática da contabilidade nas empresas, também muito prejudicada pelo ambiente tóxico da burocracia fiscal que inibe a transparência ao estimular a informalidade.

13/02/2023 22h38

Imagem: AELB

Zaqueu Moreira de Oliveira

“Os reformadores tradicionais continuaram a defender a a praticar a ligação da Igreja com o Estado, pelo que a intolerância foi a triste marca do luteranismo, do zwinglianismo, do calvinismo e do anglicanismo.”

Obra: Princípios e Práticas Batistas. Uma abordagem histórica. 1. Princípios batistas. 1.2.5. A separação entre igreja e estado. Kairós Editora, 2003, Recife. De Zaqueu Moreira de Oliveira (Brasil/Piauí/Landri Sales).

Uma das coisas mais agradáveis desta terapia pela leitura é a oportunidade de recordar tempos de sala de aula, anotações e professores entre os quais estão o Dr. Zaqueu.

Esta obra pode ajudar batistas que costumam fazer confusão entre princípios, que são universais não exclusivos de um grupo a identificar quem segue a confissão, e práticas, que mudam com o tempo, sendo aceitáveis mediante o entendimento que se tem da Palavra de Deus (p. 79).

Sobre o trecho, o problema da intolerância religiosa, longe de ser exclusividade da Igreja Católica sobre os “protestantes”, foi uma mancha na história de grandes movimentos reformadores. Protestantes que perseguiram protestantes…

A separação entre igreja e estado, princípio batista relacionado à liberdade religiosa, não significa que a igreja deva se isolar; pode cooperar mas jamais aceitar intromissão “de um sobre o outro” (p. 27). Este princípio, à mon avis, tornou-se ainda mais precioso nos dias atuais onde o progressismo, em torno do Estado, avança à intromissão na vida de igrejas para impor o que muitas vezes se choca com valores que são celebrados pelas confissões.

12/02/2023 13h58

Imagem: RIOTUR

Augusto dos Anjos

“Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada,
— O cantochão dos dínamos profundos.
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa…
Da transcendência que se não realiza…
Da luz que não chegou a ser lampejo…

E é, em suma, o subconsciente aí formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!”

Obra: O Lamento das coisas. Eu e outras poesias. Martin Claret, 2002, São Paulo. De Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Brasil/Paraíba, 1884-1914).

Em Elogio de Augusto dos Anjos (de 1919, que está na introdução da edição que disponho), Órris Soares (Brasil/Paraíba, 1884-1964), organizador de Eu e outras poesias, crítico, escritor, dramaturgo e amigo do “desventurado” poeta (p. 13), define este poema como “um soneto formidável, dos maiores da língua portuguesa” (p. 22).

Ler Augusto dos Anjos é abraçar a língua portuguesa, sentir sua nobreza, seu pulsar no diálogo entre a criatividade e o gramatical. Fora um poeta que abraçou sua materna língua para vivê-la intensamente entre as profundidades da razão e da sensibilidade, ou no que comenta Órris Soares:

“A que escola se filiou? – A nenhuma. Se o homem vale por seus sentimentos, com dobradas razões o poeta, dada sua maior riqueza de sensações. Isso de escolas é esquadria para medíocres. Só existe uma regra de escrita – a do escritor apoderar-se de sua língua e manejá-la de acordo com o seu individualíssimo sentir.” (pp 15-16).

O Lamento das Coisas é uma das peças que melhor refletem a genialidade de Augusto do Anjos, à mon avis, um dos maiores poetas da madre língua, um mestre na habilidade de ser espectador para poetizar a finitude da terrena condição humana, enquanto está a percorrer pela existência, em suas dores e desencontros, por um riquíssimo e dramático realismo com forte tom cientificista.

11/02/2023 20h14

Imagem: Vogue

Martin Luther King Jr.

“[…] Um policial divertido interpelo-a, em tom de mofa: ‘O que é que você quer?’

A criança fitou-o nos olhos, resoluta, e respondeu: ‘Liberdade’.

Ela quase não sabia dizer a palavra, mas trombeta alguma de qualquer Gabriel já produzira som mais autêntico.”

Obra: Pretos e Brancos Reunidos. Luther King: O Redentor Negro – Preces e Mensagens. Edição da Martin Claret, 2001, São Paulo. De Martin Luther King Jr. (EUA/Geórgia, 1929-1968).

Na luta por direitos civis dos negros americanos em reuniões nas igrejas em Birmingham, doutor King e equipe ensinaram a filosofia da não-violência. Incluíram crianças no movimento totalmente pacífico, mas que produziu críticas da imprensa. Foi então que o doutor King indagou sobre onde estavam os redatores que apontavam o “uso” de crianças quando, há séculos passados, o sistema social segregacionista usava e abusava das crianças; onde estavam os críticos quando crianças negras nasciam nos guetos em um ambiente contaminado pela discriminação (p. 62).

Crianças nas marchas pela liberdade incomodaram os que não sabiam o que fazer, além de prender organizadores diante um dos movimentos civis mais inteligentes do século XX, capitaneado por uma mente brilhante que fez do pacifismo uma ferramenta de justiça em combinação do Evangelho com a filosofia de Gandhi. A não-violência uniu negros, enquanto massas brancas de Birmingham permaneceram em neutralidade (p. 66), quando não até mesmo em oposição a truculência do aparato estatal quando policiais recusavam a cumprir ordens de jogar jatos d’agua em manifestantes que se reuniam em oração (p. 67). A luta contra o racismo foi marcada por uma comunhão no sofrimento que fortaleceu o movimento da não-violência, apesar de poucos infiltrados que tentavam descaracterizar o perfil pacífico, fato é que a não-violência desarmou espíritos que queriam “justificar” as prisões de quem nada fez além de protestar pacificamente no país onde se diz que há zelo pela liberdade; a maioria acusada por “crime de desrespeito” (p. 67).

O que o doutor King e seguidores promoveram foi exatamente o contrário do que movimentos influenciados pelo marxismo apregoavam sob a alegação de estarem em prol de direitos civis; de um lado a não violência do líder evangélico, do outro a apologia ao ódio no pano de fundo da luta de classes: não dá para colocar tudo no mesmo bojo.

Porém, na dissonância cognitiva peculiar entre os que caminham no raso mundo das opiniões, o doutor King foi chamado de “comunista”, sendo então o que restou, sobretudo entre os que se pautam na desonestidade intelectual diante do que o pastor batista estava a deixar para os EUA e o mundo.

10/02/2023 23h56

Imagem: INDA CRIATIVA

Romeu Demattè Júnior

“Faço questão de relatar neste capítulo, trechos contidos nos livros de Joseph Ratzinger, sejam eles, Jesus de Nazaré, Deus existe, o catecismo católico, porque eu o considero o maior teólogo do mundo.”

Obra: Sou, filho do acaso ou filho de Deus? Capítulo 4. Editora Conhecimento, 2020. De Romeu Demattè Júnior (Brasil/São Paulo/Serra Negra).

Torno ao diretor e um dos fundadores da Exactus Software que, neste capítulo, me fez recordar tempos do seminário batista em que me prendia na biblioteca a textos do então cardeal Ratzinger e pensava na riqueza de um teólogo que, cerca de dez anos depois, identifiquei como profundamente conservador, no sentido virtuoso do termo. O curioso é que muitos que desconhecem a importância da teologia de Ratzinger à fé cristã contemporânea, chamam-no de “conservador” em um sentido impreciso (depreciativo) e outros tantos insatisfeitos com os efeitos do Concílio Vaticano II na aproximação da linguagem da Igreja ao tempo presente, parecem crer que ele fora “progressista” (neste ponto desconfio se leram sequer uma linha do Concílio), enquanto o legado deste homem de Deus, que fora de fala tranquila e sempre respeitosa nos antagonismos, foi ter deixado a lição de que é possível atualizar a teologia e as relações da Igreja com o mundo sem se desligar ou destruir as indispensáveis conexões com suas raízes da fé.

Fé e razão (Fides e Ratio), duas asas onde o espírito humano se eleva para contemplar a verdade, eis um pensamento estampado na forma como fui influenciado a estudar teologia. Fé e razão não se excluem mutuamente; complementam-se, aprendi.

O “natura Deus” citado por Demattè tem um significado profundo no meu entendimento da fé em diálogo com a razão, desde a importância de não se confundir a natureza universal com o ser que a fundamenta, até se chegar à diferenciação teológica cristã em comparação com o que se tinha com os deuses místicos e políticos (p. 48); neste aspecto penso a fé em Cristo como fenômeno inovador do espírito que se desenvolveu em um ambiente religioso engessado, hostil, regulado ou estatizado pelo Império (Romano), e o que hoje se chama de “paganismo” por historiadores cristãos, foi a regra de um sistema complexo de ritos que sucumbiu em meio a um elemento caríssimo peculiar à nascente confissão em Cristo que segue em dois milênios de história enquanto as antigas religiões que tentaram anular a cristã, foram extintas.

Acrescente-se a profundidade teológica cristã nascente ao sentido de, diferentemente de outros credos onde Deus está posicionado em posição sempre afastada fisicamente da criação ou da natureza, incluindo a humana, em um senhorio absoluto e distante dos mortais, quando não pluralizado (politeísmo), o fato da fé cristã ao mesmo tempo ratificar a crença no Deus Todo-Poderoso, Soberano, Absoluto, e inserir o Ἐμμανουήλ, o Deus que se humanizou; o verbo que se fez carne para habitar (tabernacular) entre nós (καί λόγος γίνομαι σάρξ καί σκηνόω ἔν ἡμῖν). É o Verbo que se compadeceu em um ato de amor do Criador ou no que lembra Demattè, “a primazia do logos e a primazia do amor se mostraram idênticos” (p. 50).

O λόγος a habitar entre nós também se notabiliza como forma de priorizar o racionalismo ou a razão no “princípio” e não produto de uma construção baseada no sentido inverso, do material ou “irracional”. Neste aspecto, a fé cristã é uma afirmação consolidada de fé e razão, as “duas asas” no voo do saber que se contrapõe a negativa materialista que se arroga para explicar o mundo, onde se situa a teoria da evolução.

09/02/2023 23h30

Imagem: IEA-USP

Darcy Ribeiro

“A antropologia brasileira não é nada do que possamos nos orgulhar (…). Temos antropólogo que é inimigo do Índio, temos antropólogo que é indiferente ao Índio, ou antropólogo o que é muito freqüente, que está interessado em aprender do Índio. Ele vai lá, tira do Índio o que é necessário para fazer suas tesezinhas doutorais, para fazer sua carreira universitária, mas que não quer saber do Índio, senão para manipulá-Io em favor próprio. E muitos deles nunca chegam mesmo a atender, porque já vão para a aldeia, apenas para ilustrar uma “tesesinha” do professor estrangeiro para obter o doutorado, e permanece sempre um alienado (…). Estes não prestam para nada, nem para a Cultura Brasileira, nem para os índios.” [12]

12. RIBEIRO, S. & MARTINS, E. Antropologia ou a Teoria do bombardeio de Berlim. Encontros com a Civilização Brasileira, 12: 81-100, 1979.

Obra: Antropologia Aplicada. 4. Antropólogos, índios e colonialismo interno. Editora Ática, 1988, São Paulo. De Frans Moonen.

Citação em importante texto do antropólogo da UFPB nesta obra que é muito útil para conhecimento inicial sobre a “ciência das sobras”, assim apelidada a antropologia no século XIX (p. 9). Enquanto o apelido parece sugerir uma ciência sem muita utilidade, subestimá-la é o primeiro grave engano entre debutantes em função do seu infame uso em estudos sobre índios, nativos e aborígenes por cientistas sob interesses de manipulação colonialista. A antropologia foi aplicada também, e certamente avançou neste plano, em tempos de guerras para definir estratégias com base em análises de costumes de povos envolvidos nos conflitos.

Sobre a ácida crítica de Darcy Ribeiro, Moonen segue a afirmar que “nos outros países, a situação não é diferente” (p. 38). O texto é de 1988 e me pergunto se a ciência antropológica avançou no dilema entre a indiologia e o indigenismo. O professor Moonen sugere uma “revolução acadêmica” em mudança de atitude, a envolver questões políticas, uma “revisão profunda de teorias antropológicas e dos métodos e técnicas” e revisão de grade curricular para superar o que entende ocorrer entre muitos antropólogos com “atitude absenteísta, ou a prostituir a sua ciência”, sendo a brasileira “alienada da realidade”, “um luxo supérfluo e inútil, uma ciência abstrata que deixa apenas um gosto de cinza e sangue” (p. 63).

Ciência prostituída por interesses políticos, econômicos e, em suma, ideológicos, sempre será um drama na jornada humana de construção do saber e, consoante a esta leitura de 1994, a antropologia se revelou um caso mais perceptível. No entanto, à mon avis, anos depois percebi que nada supera a economia “política” em matéria de destruição em massa.

08/02/2023 23h10

Imagem: PT

Paul Singer

“Quando a renda deixou de crescer, o regime militar enveredou pelo caminho da ‘abertura política’, que culminou com sua auto-abolição.”

Obra: Repartição da Renda. Pobre e ricos sob o regime militar. V – Conclusões. Edição da JZE, 1986, Rio de Janeiro. De Paul Israel Singer (Áustria/Viena, 1932-2018).

Mais uma lembrança de leitura dos tempos de graduação (1995). Obra do economista austríaco (obviamente não alinhado à Escola Austríaca) mais brasileiro que tenho conhecimento, nesta condição ao lado de Otto Maria Carpeaux.

Singer, da velha guarda do PT, esteve muito presente em meus estudos de economia. Sem cair em “economicismo”, considera fatores políticos e ideológicos (pp 92-93) que contribuíram para a derrocada do regime militar. O professor cita a influência dos posicionamentos, de cunho social, oriundos da Igreja Católica, a crescente oposição de intelectuais, mudanças na correlação de forças internas entre os militares e a reação da sociedade civil, em que se insere o revitalizado movimento sindical, às medidas de arrocho em meio a uma inflação que superava os 200% a criar uma pressão que enfraqueceu a base parlamentar do regime no Congresso em 1983, gerando significativos efeitos políticos no ano seguinte (p. 93).

O professor Singer faz uma interessante avaliação dos fenômenos de repartição da renda durante o regime militar onde identifica o crescimento da camada rica, mediante aumento da renda “de forma mais injusta” (p. 89), acompanhada com redução da proporção dos informais (p. 84), do aumento da “burguesia gerencial” (p. 86), da “proletarização da classe média”, a qual define como “ascensão de uma parcela minoritária mais significativa do proletariado a níveis médios de renda” (p. 84), do avanço do “capitalismo monopolista” ou de “grandes empresas” e, neste ponto, vejo o regime militar como período de forte crescimento do capitalismo de compadrio como marca da alta cúpula empresarial brasileira embora, tornando à obra, tenha ocorrido intenso aumento de pequenas e médias empresas durante o período do “milagre econômico” (p. 88).

A seguir no contexto um pouco antes de meados dos anos 1980, no sentimento predominante à época em que agonizava o regime militar, Singer encerra a obra dando a democracia a “tarefa histórica” de reduzir “os intoleráveis graus de desigualdade de renda” no país (p. 93).

07/02/2023 22h54

Imagem: El Español

Umberto Eco

“O Conde de Monte Cristo é um dos romances mais apaixonantes jamais escritos e, por outro lado, é um dos romances mais mal escritos de todos os tempos e de todas as literaturas.”

Obra: Aos Ombros de Gigantes. Sobre algumas formas de imperfeição na arte. Lições em La Milanesiana 2001-2015. Edição da Gradiva, 2018, Lisboa. Tradução de Eliana Aguiar. De Umberto Eco (Itália/Alexandria, 1932-2016).

Eis um caso de um apaixonante clássico enquanto construção literária tecnicamente questionável. O Conde do Monte Cristo tem muitas repetições de adjetivos, redundante, mecânico e desajeitado, cheio de buracos, com divagação silenciosa, aponta o medievalista bibliófilo italiano (pp 305-306) que traduziu a obra que lembra: Dumas sabia escrever, mas era pago por linha escrita e “precisava esticar” (p. 304).

O mesmo romance mal escrito tem três situações arquetípicas “de provocar um nó até a garganta” com inocência traída, golpe do destino e estratégia de vingança onde sucumbem as personagens “além do limite do razoável” (p. 308).

Lendo a interessantíssima análise de Umberto Eco enquanto revisito a obra, à mon avis, percebo que a redundância de Dumas foi também estratégica para, através da espera prolongada do desfecho de narrativas, produzir mais excitação no leitor ou “agonia”, termo usado por Umberto Eco, que aponta a intenção de Dumas em criar um mito e não produzir uma arte (p. 310).

06/02/2023 22h46

Imagem: Kidega

Ludwig Feuerbach

“O cristianismo já está tão deturpado e em desuso que até mesmo os representantes oficiais e eruditos do cristianismo, os teólogos, não sabem mais ou pelo menos não querem saber o que é o cristianismo.”

Obra: A Essência do Cristianismo. Prefácio à segunda edição. Editora Vozes, 2007, Petrópolis. Tradução e notas de José da Silva Brandão. De Ludwig Andreas Feuerbach (Alemanha/Landshut, 1804-1872).

Feuerbach se refere às reações do que viria a ser A Essência do Cristianismo, sua principal obra (p. 19) pela qual acredita ter mostrado o mistério da religião cristã cuja essência seria “em nada mais crê a não ser na verdade e divindade da essência humana” (p. 22) em uma descrição materialista antropológica do fenômeno humano relacionado à fé religiosa, o que pode ser sintetizado pela expressão de que Deus seria uma projeção de valores ou qualidades humanas, “o sentimento que o homem tem de si mesmo libertado de qualquer obstáculo” (P. 117), cuja necessidade de um Deus pessoal se explicaria pelo fato “de que o homem pessoal só encontra a si mesmo em sua personalidade” (p. 118). Esse mesmo homem que reflete Deus por meio de suas vicissitudes seria o criador do mundo (p. 127). A infantilidade preservada no homem manipulado compõe a essência do fenômeno religioso onde o homem prega a si mesmo para alienar.

Com provocações mediante o que entendo ser um “ateísmo metodológico”, Feuerbach explica a religião cristã como fruto dos desejos humanos; talvez, o Deus de Feuerbach seja mais fácil de ser observado hoje em “igrejas” onde no lugar do Reino de Cristo foi colocada a auto afirmação pelo consumismo.

Nada surpreende à época o fato do mainstream religioso não ter bem recebido a obra, enquanto Karl Marx e Friedrich Engels a abraçaram, e no tempo do primeiro contato pessoal, sobraram alguns seminaristas um tanto intrigados, enquanto outros pareciam arrependidos de terem mergulhado na leitura que, pessoalmente, foi muito proveitosa, sobretudo para entender um pouco mais da base filosófica de Marx.

05/02/2023 11h06

Imagem: Le Monde

Denis Huisman

“[…] nosso maior desejo e acender a vocação de leitor, ou mesmo de ‘ledor’, contumaz, em muitos dos que, por acaso ou necessidade, forem levados a consultar este dicionário ou a folhear distraidamente suas páginas. Nosso desejo é vê-los todos ‘amarrados’, presos à armadilha ‘deste vício impune: a leitura’ (segundo palavras de Valery Larbaud), apaixonados por esses textos, sem conseguir abater-se dos ‘livros cultos’, das obras capitais da história das ideias. […]”

Obra: Dicionário de Obras Filosóficas. Preâmbulo. Edição da Martins Fontes, 2000, São Paulo. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. De Denis Huisman (France/Paris, 1929-2021).

No mais importante lugar da casa, esta obra é indispensável: mil produções do pensamento universal organizadas em verbetes que servem de base inicial para um mergulho de leituras.

Huisman talvez tenha sido o mais conhecido professor de filosofia de Paris entre alunos do ensino médio nos anos 1960-1970 [157]. Evidentemente não foi a intenção do professor francês resumir a existência humana em pensamentos acerca de 1.000 obras; limitou para ter eficácia de estudo e cultura, informa no Preâmbulo, além de dar ao leitor elementos essenciais enquanto se estimula a leitura das próprias obras na sua integralidade (VIII, IX).

157. Ver matéria do jornal Le Monde em https://www.lemonde.fr/disparitions/article/2021/02/04/le-professeur-et-philosophe-denis-huisman-est-mort_6068766_3382.html

04/02/2023 13h42

Imagem: National Review Institute

Kevin D. Williamson

“[…] A doutrina econômica socialista da União Soviética exigia a centralização e a sistematização da agricultura como prelúdio para a industrialização maciça e veloz da nova sociedade socialista. Assim, os rios que abasteciam o mar de Aral foram desviados por ordem dos planejadores centrais, para que irrigassem as novas fazendas coletivas estatais – nesse caso, enormes plantações de algodão.

Nos anos 1960, as obras de recanalização dos rios foram concluídas e o mar de Aral, devastado.”

Obra: O Livro Politicamente Incorreto da Esquerda e do Socialismo. Capítulo 9 – O socialismo é sujo. Edição da Nova Fronteira, 2013, Rio de Janeiro. Tradução de Roberto Fernando Muggiati. De Kevin Daniel Williamson (EUA/Texas/Amarillo, 1972).

Não se tratou de um acidente como em Chernobyl. Crime premeditado assim como ocorre no garimpo em terra Yanomami, a destruição do mar de Aral foi um dos maiores ecocídios cometidos por um governo socialista. Uma imensa violação ambiental “esquecida” pela mídia, a mesma onde predomina afeição por governos mais intervencionistas tão comuns em regimes de esquerda.

Fico a pensar se um governo rotulado como de “direita” ou “conservador” tivesse promovido uma obra colossal para desviar rios e destruir um imenso lago de 65.000 km2, cuja imensidão lhe deu o rótulo de “mar”, como teria reagido uma mítica mídia “imparcial”, tão interessada na promoção da defesa do meio ambiente? Com a sequidão, sais minerais e toxinas viraram pó e doenças respiratórias foram disseminadas na população em torno de Aral, pessoas que viviam da pesca e tiveram esse meio de subsistência cortado pelo regime de Moscou. Detritos de projetos agrícolas despejados, agravaram a situação, junto com lixo radioativo (Polígono Simipalatinsk) não muito distante do lago destruído (p. 122).

Para quem acredita que a destruição do meio ambiente é uma consequência exclusiva da mentalidade “capitalista selvagem” que só pensa no lucro, como reza o mantra doutrinário em salas de aula da Pindorama, considero salutar conferir o capítulo 9 desta obra, para se ter uma visão da selvageria causada por regimes socialistas sobre o meio ambiente.

03/02/2023 21h20

Imagem: artrianon

‘Narciso’ de Caravaggio (1597~1599)

Óleo sobre tela, 113,3 x 94 cm

“[…] Um dia, uma donzela que tinha em vão procurada atraí-lo proferiu uma prece em que pedia que alguma vez Narciso sentisse o que é amar sem ser correspondido. […]”

Obra: O Livro de Ouro da Mitologia. XIII […] Eco e Narciso. Edição da Martin Claret, 2006, São Paulo. De Thomas Bulfinch (EUA/Massachusetts/Newton, 1796-1867).

Eco padecia da moléstia epidêmica do tempo presente; com o dom da conversa envolvente, fazia o tipo que pode ser observado em debates a aparentar “mais esclarecido” que arroga ser a última palavra enquanto repete jargões ou o que psicoterapeutas chamam de “pensamentos automáticos” [156].

Um dia Eco decidiu ajudar o marido de Juno a encobrir suas aventuras com as ninfas e o resultado foi o castigo imposto pela esposa traída em não poder mais iniciar uma conversa, ironicamente podendo apenas falar para dar resposta.

Narciso surge no caminho de Eco no mito do drama do amor não correspondido. Superou a adversidade do castigo de Juno para se aproximar do belo rapaz, porém foi rejeitada; isolou-se do mundo e definhou de tristeza até virar pedra que hoje reside no mito onde de seu nome se deriva o fenômeno sonoro. Após destroçar Eco, Narciso seguiu na sua ostentação do belo mitificado sob a ilusão de estar no controle das coisas diante dos deuses (entenda-se, metáfora sobre fatores além do que podemos controlar) em não corresponder a ninguém e assim devastou mais corações de donzelas que se apaixonavam por ele. Para infelicidade do ultra vaidoso e convencido rapaz, uma donzela fez uma prece para que Narciso pudesse sentir, pelo menos uma vez, o que é amar sem ser correspondido. A deusa Vingança, de prontidão aos sedentos, atendeu ao apelo com requintes de crueldade. Parece que Narciso tinha alguma preferência diversa ao gênero das ninfas, visto que se apaixonou pelo que pensara ser um “lindo espírito das águas” (p. 138) em um espelho d’água que refletia a própria imagem:

“Aproximou seus lábios dos lábios da imagem; mergulhou seus braços para envolver o seu amado” (p. 138).

E neste drama Narciso viveu até definhar enquanto experimentava a rejeição que até então causava às ninfas, em uma espiral auto destrutiva sem perceber o seu engano fatal.

156. Aqui tomo por empréstimo um termo da Terapia Cognitivo-Comportamental para o caso de quem repete crenças em formas de jargões, normalmente em bolhas ideológicas, sendo incapaz de questiona-las a gerar assim uma visão disfuncional dos fenômenos.

02/02/2023 22h56

Imagem: Nobel Prize

Friedrich August von Hayek

“Fundamentalmente, num sistema em que o conhecimento dos factos relevantes se encontra disperso por muita gente, os preços podem intervir na coordenação das acções individuais de diferentes pessoas, da mesma forma que os valores subjectivos ajudam o indivíduo a coordenar as diferentes partes do seu plano. Vale a pena determo-nos por um momento numa instância muito simples e comum da acção do sistema de preços, para vermos precisamente o que ele consegue alcançar. Suponhamos que num determinado lugar do mundo surge uma nova oportunidade para utilizar uma certa matéria-prima, por exemplo, o estanho, ou que uma das fontes de abastecimento de estanho foi eliminada. Não importa para o nosso exemplo — e é significativo que não importe — qual dessas duas causas tornou o estanho mais escasso. Tudo o que os utilizadores de estanho precisam de saber é que uma parte do estanho que eles costumavam consumir é agora mais lucrativamente empregada noutros fins, e que, como consequência disso, eles deverão economizar no seu uso de estanho.”

Obra: O uso do conhecimento na sociedade. Artigo. Tradução de Francisco Silva e Pedro Almeida Jorge. De Friedrich August von Hayek (Áustria/Viena, 1899-1992).

Torno a esta peça importantíssima de pensamento econômico. Do original “The Use of Knowledge in Society” de 1945, este artigo está entre os 20 mais importantes da conceituada revista de economia American Economic Review. Talvez seja o texto de revista mais importante de Hayek, o mais conhecido economista da Escola Austríaca, notabilizada por estar fora do mainstream intervencionista. À mon avis, seu amigo e mentor Ludwig von Mises foi o maior de todos no século XX, seja na representação da escola, seja pelo pensamento econômico que melhor explica o funcionamento da economia.

A dispersão do conhecimento na sociedade foi uma questão esmiuçada por Hayek para explicar os porquês dos gargalos do planejamento central de grande escala, observável em políticas públicas estatais, não raramente visto como “socialismo”.

No contexto deste artigo, o austríaco Nobel 1974 a aborda dentro do significado do sistema de preços no mercado como solução diante da problemática visão centralizadora ou do que seria uma “mente única possuidora de toda a informação que se encontra, na verdade, dispersa por todas as pessoas envolvidas no processo”. Neste aspecto, as relações se tornam viáveis onde “o todo age como um mercado integrado, não porque qualquer um dos seus membros verifique todo o processo, mas porque cada um dos seus campos de visão limitados coincide o suficiente para que, por meio de muitos intermediários, a informação relevante seja comunicada a todos eles” (p. 10). A “informação relevante” que o planejamento central não consegue obter, dada a dispersão do conhecimento na sociedade, vem através dos preços livremente praticados que se relacionam mediante as forças da procura e da oferta que sinalizam os limites na aplicação dos recursos ou a escassez para todos os agentes econômicos (produtores, vendedores e consumidores).

01/02/2023 22h02

Luciano Macêdo

“A sabedoria está na forma de ouvir.
Na simplicidade do coração, está o verdadeiro Deus.
Seja feliz, reconhecendo o seu próprio ser.
Não seja arrogante, mas simples, como Jesus nos ensina.
Nunca pense por sua própria vontade, mas com a sabedoria de Deus.
O homem é uma criança diante de Deus, pois não sabe o que faz nem o que diz.
Deus está dentro de nós, portanto, não deixe que Ele fique triste.
A voz dos ventos sopram aos ouvidos dos sábios.
O encanto pela vida transforma o espírito.
Cantar é uma forma de amor.
Faço da minha sombra uma procura para encontrar o meu amor.
O símbolo do amor é sinônimo da paz.
A voz açoita os ouvidos, loucos por paz.
Calado estou, neste momento, mas os meus pensamentos confirmam o amor.”

Obra: Pensamentos. De Luciano Arcelino de Macêdo (Brasil/Pernambuco/Recife, 1957).

Pelo silêncio

Pelo silêncio espero
juntar-me a quem não deseja
falar com ninguém,
na solidão bem acompanhada
de Garcìa Marquez.

Sentar à beira do Capibaribe
para ouvir a sabedoria das
águas e quem sabe,
lacrimejar na bênção
em versos de João Cabral…

Da ‘Au-ro-ra’
à Maciel Pinheiro
sentir o que
pulsa no sobrado
da menina Clarice.

Ah! Quero caminhar
no Recife de Bandeira,
pela minha infância
onde falava o gostoso
português do Brasil.

Pastor Abdoral, 01/02/2023 21h46.

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