Uma leitura ao dia segue ao som de Experience, de Ludovico Einaudi (Torino, 1955). Neste vídeo, o maestro italiano revela o contexto e a intenção em que compôs a obra, nos alpes suíços, verão de 2012.

31/03/2023 21h26

Imagem: WikiArt

Medusa de Caravaggio (1597)

“Medusa tornou-se um monstro tão cruel, com um aspecto tão assustador que nenhum ser vivente poderia olhá-la sem se transformar em pedra.”

Obra: O Livro de Ouro da Mitologia. Capítulo XV. Perseu e Medusa. Edição da Martin Claret, 2006, São Paulo. De Thomas Bulfinch (EUA/Massachusetts/Newton, 1796-1867).

Já fora bela a górgona Medusa, pois ousou competir com Minerva e eis que pagou com a fealdade horripilante imposta pela deusa.

Medusa se transfigurou e petrificava quem a contemplava, mas havia Perseu, cujo destino selado estaria para enfrentá-la (p. 158) e assim aos deuses foi, por ora investido de favores com um escudo e sapatos alados, adentrou na gruta de terror enquanto a medonha dormia, para superar seus antecessores que ficavam a contemplar a monstruosidade; pautou-se pela determinação de não se fixar pelo olhar diretamente, orientou-se pela imagem do brilhante escudo (p. 159), aproximou-se, cortou-lhe a cabeça, cujo fim se deu no égide de Minerva.

Será que foi determinado quem há de sair vitorioso em grandes feitos ou o que se chama de “destino” reside na competência de saber aproveitar oportunidades e enfrentar o que atormenta sem se permitir ficar paralisado diante de sua monstruosidade?

30/03/2023 20h38

Imagem: marxist.org

Proudhon

“Servir de contre-poids à la puissance publique, balancer l’État, par ce moyen assurer la liberté individuelle : telle sera donc, dans le système politique, la fonction, principale de la propriété.”

Obra: Théorie de la propriété. Chapitre VI. § 1.- Nécessité, après avoir organisé l’État, de créer à l’État un contre-poids dans la liberté de chaque citoyen. Caractère fédéraliste et républicain de la propriété. Observations sur le cens électoral et la confiscation. Éditions l’Harmattan, 1997, Montréal-Paris. De Pierre-Joseph Proudhon (France/Besançon, 1809-1865).

A raciocínio de Proudhon deriva da grande influência filosófica que certamente Hegel exerceu à época, onde a tese é a propriedade privada, que via como “roubo” enquanto enfatizava não ser um “comunista” [161] , a antítese é o sentido comunitário, onde a sua teoria da posse seria a superação do conflito ou a síntese. É nesse contexto que entendo o argumento no trecho de uma de suas mais importantes obras, Teoria da propriedade.

A propriedade na teoria de Proudhon serve de contrapeso no sistema político para equilíbrio do Estado e assegurar a liberdade individual (p. 76). Neste senso, conservaria, na visão do autor, o que fora resultante do trabalho e consistiria em uma evolução da propriedade privada no conceito das tradições no antigo direito, o que discorre nos parágrafos seguintes a se contrapor com a forma de propriedade “alodial” como uma reação a um absolutismo de propriedade em torno do Estado (p. 77), uma crítica anarquista.

Diferentemente do que pensara Marx acerca da erradicação da propriedade privada dos meios produtivos, em favor do proletariado, a proposta de Proudhon não apelava a métodos embasados na luta de classes e sim em uma “solução” por demais curiosa: o crédito gratuito por meio de um banco de trocas, para que os trabalhadores pudessem adquirir as posses sem violar a propriedade no conceito tradicional.

Enquanto fantasia, uma coisa me parece latente: o Proudhon foi um sujeito com uma mente muito criativa.

161. “Dans mes premiers mémoires, attaquant de front l’ordre établi, je disais, par exemple : La propriété, c’est le vol ! Il s’agissait de protester, de mettre pour ainsi dire en relief le néant de nos institutions. Je n’avais point alors a m’occuper d’autre chose. Aussi, dans le mémoire où je démontrais, par A plus B, cette étourdissante proposition, avais-je soin de protester contre toute conclusion communiste” (p. 25).

29/03/2023 23h14

Imagem: IEA/USP

Gilberto Dupas

“Observar o real é uma tarefa cada vez mais complexa, na medida em que ele é continuamente povoado de mensagens e significados que nos querem impor.”

Obra: O mito do progresso. Capítulo 6. Uma longa e imprevisível caminhada. Sobre a capacidade crítica do indivíduo e a soberania do cidadão. Editora UNESP, 2006. De Gilberto Dupas (Brasil/São Paulo, 1943-2009).

Em meio à problemática apresentada; o real a ser observado mediante a imposição de conceitos e interpretações, torno a esta Leitura de 2010 onde o autor abre o tópico contrastando o homem-rebanho do homem-potência, de Nietzsche, passa pelo sentido de solidez em Izuquiza (p. 265), para chegar ao trecho selecionado (p 266), e prossegue com Ortega y Gasset, bem como no problema da desorientação entre contemporâneos, para então tornar à Izuzquiza que sugere que se procure viver de um modo novo; “desconfiar dos catecismos de ação, assumindo a desorientação como ingredientes necessários a toda criação” (p. 267).

Na leitura, pensei na imprevisibilidade, e mais uma vez me lembrei de Taleb, meditei no mundo de variáveis (incontáveis) que não se podem controlar, muitas vezes sequer conhecê-las, e perturbam uma aparente tranquilidade que se desintegra no real e se evidencia pelo “domínio do imponderável” que cerca o cotidiano, atônito enquanto bombardeado por “convicções”, “sete passos para isso, sete passos para aquilo”, consumidos mais pelo medo da própria ignorância, quando o enfrentamento desse temor é o que marca o além-do-homem a pulsar para transgredir limites do entendimento, e diria, da inovação.

28/03/2023 22h56

Imagem: Mises Institute

Jacques Turgot

“To expect the government to prevent such fraud from ever occurring would be like wanting it to provide cushions for all the children who might fall. To assume it to be possible to prevent successfully, by regulation, all possible malpractices of this kind, is to sacrifice to a chimerical perfection the whole progress of industry.”

Obra: The Turgot Collection. Ludwig von Mises Institute, 2011, Auburn, Alabama. Editado por
David Gordon. Coletânea de escritos, ditos e cartas de Anne Robert Jacques Turgot (France/Paris, 1727-1781).

Um dos méritos de pensadores como Jacques Turgot foi ter promovido, no debate sobre economia, questionamentos muito bem fundamentados sobre a eficácia das regulações do aparato estatal, visto que a economia (onde o termo “de mercado” é pleonasmo) tem mecanismos naturais de regulação.

Questionar a eficácia de uma intervenção não se limita, evidentemente, ao ato político em si, mas, sobretudo, aos efeitos não estimados ou o que Taleb chama de “iatrogenias” que tornam a regulação onerosa demais, contraproducente, não raramente tóxica e por isso com potencial destrutivo sobre o organismo social da cooperação econômica, como percebo no trecho selecionado na introdução (p. xi).

Turgot trabalhou para a monarquia francesa como ministro das finanças e sua visão liberal em economia trouxe ao seio político muita irritação, sobretudo nas elites que se beneficiam com as intervenções governamentais; Turgot atuou no tablado político dos mais relevantes do mundo à época, e promoveu um embrionário de um debate econômico cerca de 200 anos antes do lendário embate Keynes versus Hayek.

27/03/2023 23h30

Imagem: dfi.dk

Søren Kierkegaard

“Conhecer a tristeza é humano, humano ainda é partilhar dos desgosto dos aflitos, mas crer é mais reconfortante do que contemplar o crente. Abraão não nos deixou lamentos. Não contou tristemente os dias à medida que o tempo passava, não observava Sara inquieto para ver se os anos cavavam sucos em seu rosto, não parou o curso do sol para impedir o envelhecimento de Sara e com ela sua esperança.”

Obra: Temor e Tremor. Elogio de Abraão. Abril Cultural, 1979, São Paulo. Tradução de Maria José Marinho. De Søren Aabye Kierkegaard (Dinamarca/Copenhague, 1813-1855).

Por pastor Abdoral, 27/03/2023 23h40

Abraão acreditou no escândalo da fé para se encontrar com a subversiva esperança. Seguiu para conhecer a tristeza sem fazer da vida um muro das lamentações; não se deixou levar pelos desencontros, não se mediocrizou pelas decepções com a vida.

Abraão não fez da melancolia um hino, e enquanto tivera na juventude frustrações, foi na velhice que se realizou plenamente. Uma velhice que superou o tempo porque o que crê conserva a juventude.

Sem fé, Abraão teria definhado e levado Sara consigo.

Sem fé não poderia ter alcançado a promessa; sem fé teria caído no mar das amarguras onde se descobre que tudo que se possui é pó, ilusão.

Com a fé venceu Abraão o tempo, mas teve que ser duramente provado no maior esvaziar-se a si mesmo, diante de Isaac e da faca no caminho de Morija.

Com Abraão a fé se revela como força que se potencializa não por disposição humana, mas pela relação do experimentar uma entrega total a Deus.

26/03/2023 19h50

Imagem: Chateau de la Brède

Montesquieu

“Si j’avais à soutenir le droit que nous avons eu de rendre les nègres esclaves, voici ce que je dirais: Les peuples d’Europe ayant exterminé ceux de l’Amérique, ils ont dû mettre en esclavage ceux de l’Afrique, pour s’en servir à défricher tant de terres. Le sucre serait trop cher, si l’on ne faisait travailler la plante qui le produit par des esclaves. Ceux dont il s’agit sont noirs depuis les pieds jusqu’à la tête ; et ils ont le nez si écrasé qu’il est presque impossible de les plaindre. On ne peut se mettre dans l’esprit que Dieu, qui est un être très sage, ait mis une âme, surtout une âme bonne, dans un corps tout noir. Il est si naturel de penser que c’est la couleur qui constitue l’essence de l’humanité, que les peuples d’Asie, qui font des eunuques, privent toujours les noirs du rapport qu’ils ont avec nous d’une façon plus marquée.”

Obra: De l’esprit des lois. LIVRE QUINZIÈME. CHAPITRE V – De l’esclavage des nègres. Edição da TV5MONDE em formato digital. De Charles-Louis de Secondat, Montesquieu (France/La Brède, 1689-1755).

Imagine alguém indagar “como pode Deus, um ser tão sábio, colocar em uma boa alma em um corpo inteiramente negro?” (tradução livre); certamente diria que tal indagação tão racista só pode ter vindo de uma pessoa paupérrima de espírito, no entanto, a origem é do renomado filósofo e político francês Charles-Louis de Secondat, o barão de La Brède e de Montesquieu, tão citado e reverenciado por seu clássico Do Espírito das leis.

Ao ler pela primeira vez (2003) na edição em português, da Martin Claret (2002), motivado em estudo da língua francesa, fui então a edição em francês publicada pela TV5 Monde, para reler a análise sobre a Escravidão dos negros, onde Montesquieu, um típico intelectual europeu, reconhece o extermínio dos povos nativos das Américas e a utilização de escravos africanos no processo produtivo para tornar mais barato uma commodity (aqui uso um termo de meu tempo), no caso o açúcar. A escravidão de africanos aparente algo “pragmático”, pelo que entendi a visão do autor, dada o que menciona acerca da condição de seres humanos (neste ponto minha ênfase, não presente na obra) “negros da cabeça aos pés com narizes tão achatados que é quase impossível ter pena deles” (p. 232).

“Uma prova de que os negros carecem de bom senso é que eles valorizam mais um colar de vidro do que ouro, que entre as nações é policiado (regulado), sendo grande importância. É impossível para nós assumir que essas pessoas são homens, porque, se supusermos que sejam homens, começaríamos a crer que nós mesmos não somos cristãos.” (tradução livre, p. 232).

Ao meditar na frase acima, quando me volto à minha formação, o termo que me veio à mente foi “aberração”; estou pelo olhar do meu tempo, enquanto sintetiza quão o racismo estava entranhado no jeito de pensar europeu à época colonialista, ao levar em conta o peso do prestígio de Montesquieu. Teria sido superado esse jeito de argumento tão racista? Creio que não; o racismo está longe de ser erradicado da nossa espécie, infelizmente, e foi na Europa, na estação Gare de Lyon, que pude ver uma demonstração ao perceber um grupo de viajantes de pele negra que simplesmente estavam felizes, em meio a um embarque ao lado do binário em que estava, em um estado de espírito que irritou um sujeito que observava bem próximo onde estava e parecia um executivo; ele acenava negativamente com a cabeça enquanto falava com o colega ao lado que a França era bem melhor quando não tinha tanto essa “gente escura de fora”. Foi então que lembrei-me o quanto, infelizmente, está na psicologia coletiva o Capítulo 5 do Livro 15 da obra clássica de Montesquieu.

Fiz a viagem para Barcelona a meditar no que ouvira em Paris e feliz por ter visto a França tão bela, a lembrar o Brasil, maravilhosamente colorida por afrodescendentes.

25/03/2023 18h34

Imagem: Casa Fernando Pessoa

Fernando Pessoa

“O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles.”

Obra: Mensagem. Nota preliminar. Edição da Martin Claret, 2005, São Paulo. De Fernando António Nogueira Pessoa (Portugal/Lisboa, 1888-1935).

Informa nota de rodapé (p. 15) que se trata de um apontamento solto, não assinado.

Cita por “graus de simplicidade” que a simpatia é a primeira das qualidades; “tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe a interpretar” (p. 15). A seguir vem a intuição, para entender com que se sente “além do símbolo, sem que se seja”. A terceira qualidade é a inteligência, para analisar decompor, reconstruir “noutro nível” a se tornar analógica; não se trata de erudição. A quarta qualidade é a compreensão que é “uma vida”, a envolver o conhecimento de outras matérias. A última é a graça, “a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o Santo Anjo da Guarda” (p. 16).

24/03/2023 22h26

Imagem: Famiglia Cristiana

Santa Caterina da Siena

“Or che è questo a vedere che quegli che ànno electo Christo in terra papa Urbano VI con tanto ordine, ora per l’amore proprio et miserabile vita loro dicano che non è papa? Guardate karissime suore, che voi non cadeste in tanta ignorantia, nè in tanta cechità, che voi credeste a questi iniqui et malvagi huomini, non degni d’esser chiamati huomini ma più tosto dimoni incarnati: ma ferme et stabili, non seguitando la natura della femina che si volle come la foglia al vento, ma virili et constanti confessate et tenete, che così è la verità, che papa Urbano VI è veramente papa, vicario di Christo in terra.”

Obra: Le Lettere di Santa Caterina da Siena. II – A tre donne vedove spirituali di Napoli. Edição online, em italiano. De Caterina di Jacopo di Benincasa (Italia/Siena, 1347-1380).

“Cristo na terra”, assim Santa Catarina de Siena se referia ao papa, o que me dá uma ideia do nível de devoção da jovem da ordine domenicano delle “Mantellate” em relação ao bispo de Roma, contudo, entendo que o contexto histórico é fundamental para uma melhor compreensão do termo.

Carta a três “viúvas espirituais” de Nápoles. Catarina de Siena se mostra indignada e chama de “demônios encarnados” aqueles que passaram a não reconhecer o papa que eles mesmos elegeram em 8 de abril de 1378, Urbano VI, que fora escolhido para o pontificado com o falecimento de Gregório XI logo após ter retornado a Roma, em 1378, marcando o fim do período do papado em Avignon/France, na crise que eclodiu com o rei da França Felipe IV, o Belo, que durou 69 anos (1309-1378). Bartolomeo Prignano (Italia/Itri, 1318-1389) foi eleito papa sem ser cardeal, em meio a pressão popular em Roma por um papado italiano.

Eram tempos de uma igreja romana em crise profunda, de uma Europa que passara por um século de devastações a começar com crises de escassez de alimentos que produziram fome em larga escala nas primeiras décadas, sucedidas pela peste que, estima-se, em meados daquele século, dizimou cerca de 1/3 da população, enquanto surgia a “Guerra dos Cem Anos” entre os reinos da França e da Inglaterra. Como se não bastasse, ainda no século XIV a cristandade ocidental passaria a ter dois papas, e um terceiro simultâneo, mais adiante. A crise emergiu quando Urbano VI, em vez de promover a pacificação entre as linhas francesas e italianas dos cardeais, tomou partido do lado nativo e provocou a revolta de 13 cardeais que não reconheceram sua eleição e se retiraram da cidade eterna para elegerem outro papa, novamente em Avignon, provocando um cisma de quarenta anos.

No meio da crise de Urbano VI com os cardeais rebeldes, nesta carta, entre outros assuntos, Catarina se posiciona e afirma que o italiano “é verdadeiramente papa, vigário de Cristo na Terra” e completa que não reconhecê-lo implica na “reprovação de Deus” e na “danação” por rebeldia a Santa Igreja.

23/03/2023 22h34

Imagem: Centro Celso Furtado

Maria da Conceição Tavares

“[…] ao iniciar-se cada nova etapa de expansão, o investimento público joga de fato como um ‘acelerador’ do crescimento, senão por isso extremamente difícil estabilizá-lo através da política fiscal.”

Obra: Acumulação de capital e industrialização no Brasil. 2.2 O investimento público como possível estabilizador do ciclo de expansão. Instituto de Economia da Unicamp, 1998, Campinas. De Maria da Conceição de Almeida Tavares (Portugal/Anadia, 1930).

Acredito que um entendimento razoável do pensamento econômico predominante, não apenas na “academia” brasileira, mas, sobretudo, na psicologia coletiva das rodas de doutos com anel aos especialistas de botequim, não importa se de esquerda ou de ditos “conservadores”, passa pelo saber acerca da produção intelectual da ex-professora da Unicamp, a portuguesa Maria da Conceição Tavares, talvez o maior ícone feminino do pensamento econômico no Brasil.

O ano era 1995 e na graduação em economia, um vídeo com uma aula da professora envolvia o tema do trecho desta Leitura. Parecia àquele jovem estudante que tudo se encaixava com suas crenças, pois cresceu “formado” no pensamento coletivo intervencionista acerca do que significa o Estado para a economia. Porém, tinha um problema que o interessava na análise da professora sobre “aceleração do crescimento”, termo que seria popularizado doze anos depois, no governo Lula II, e não seria em uma ocasião mais típica tendo em vista que a escola da Unicamp é, e continua sendo, a maior referência para governos de esquerda, onde o PT exerce monopólio político.

E que “problema” despertou a atenção daquele jovem estudante crente no “Estado acelerador da economia”? O investimento público relacionado ao déficit crescente, que se torna difícil de ser mantido ou ter seu peso absoluto aumentado por conta “dos mecanismos de propagação inflacionária que ao mesmo tempo diminuem o déficit realizado e aumentam o déficit previsto em termos monetários.” (p. 101).

O dilema dos “impostos indiretos” no equação fiscal na margem de lucro tributável (p. 102), é o que posso chamar de “eterno retorno” do pensamento econômico intervencionista. O parágrafo em que a professora se refere ao agravamento da situação por meio de “incentivos fiscais” na aceleração do crescimento, no tocante a desestabilização pelo lado das rendas de capital, quando removidos, e queda de receita fiscal sem provocar “estímulos adicionais”, quando mantidos, remete-se a um velho drama que pode ser observado nos últimos dias da Nova Matriz Econômica, adotada por Dilma Rousseff, não por coincidência, para não perder o costume, sob a grande influência de economistas da Unicamp.

Por falta de aviso, não foi, o que torna a questão um tanto irônica por ter referência em uma lenda da Unicamp.

22/03/2023 21h50

Imagem: Amazon

Wolfgang Venohr

“‘Do you think that the coup d’état will have a chance to succeed?’ Tresckow came to a halt, fixed his gaze for a second on Stahlberg and replied: ‘In all likelihood it will fail …’”

Obra: Stauffenberg, Symbol of ResistanceThe Man Who Almost Killed Hitler. Edição de 2019, , eBook Kindle, Amazon. De Wolfgang Horst Walter Venohr (Alemanha/Berlin, 1925-2005).

O golpe de Estado foi inerente a um plano para assassinar Hitler. A remoção letal como pré-requisito para se ter alguma chance de êxito a considerar o profundo nível do aparelhamento do Partido Nazista no aparato estatal alemão.

A conspiração andava, mas a expectativa de seu êxito estava em baixa. Não havia chance alguma por uma solução política constitucional, era o diagnóstico do coronel Stauffenberg que fundamentou a necessidade de eliminar o fuhrer, e a observar o que lhe disseram interlocutores, como Henning von Tresckow (p. 272), penso que a execução do plano na “toca do lobo” foi um desesperado “tudo ou nada”; entendi que o coronel tinha convicção de que restava uma tentativa radical em remover Hitler, exterminá-lo, assim como um plano de ação de risco elevadíssimo para neutralizar a cúpula do Nacional Socialismo, que combinava a execução de uma reformulada Operação Valquíria que fazia uso da reserva, somando-se a um staff de 150 conspiradores, visto como suficiente para o golpe (p. 273), ou ter que enfrentar uma devastação sobre a Alemanha, tudo sob o entendimento de que a guerra estava perdida e as consequências seriam catastróficas.

21/03/2023 22h46

Imagem: RAI Cultura

Indro Montanelli

Imagem: Il Giornale

Mario Cervi

“Il 24 Mussolini fu convocato di fronte alla sezione socialista milanese, cui era iscritto, per risponder e del «tradimento». E vi si presentò. Fu una scena da «tribunale del popolo» che tuttavia non dovette dispiacere al suo teatrale temperamento.”

Obra: Storia d’Italia. Vol VII. 1919-1936. L’Italia in Camicia Nera. Edizione per Oggi, 2006, Milano. De Indro Montanelli (Italia/Fuccechio, 1909-2001) e Mario Cervi (Italia/Crema, 1921-2015)

Obra encabeçada por Montanelli com o apoio de Cervi, que foram dois gigantes do jornalismo italiano.

Sobre o Mussolini pouco conhecido no Brasil, o de esquerda, antes de organizar o movimento fascista, membro da direção nacional do Partido Socialista Italiano (PSI), convocado para uma sessão partidária para responder por “traição”.

Era o ápice de uma crise que marcou o fim de uma relação que foi se tornando cada vez mais turbulenta, em relação ao que Mussolini entendia sobre o posicionamento “neutro” do partido em relação à guerra (primeira mundial); o socialismo italiano estaria se isolando de todos os outros partidos socialistas europeus (que se alinhavam com governos burgueses) e da própria história (p. 40).

A ruptura com a cúpula do PSI e a expulsão por “indignidade moral” (p. 46), por tabela o fez perder a direção do jornal Avanti!, a principal mídia socialista italiana à época. O preço pago pelo posicionamento avesso à neutralidade absoluta na guerra trouxe à tona o PSI, que parecia seguir o velho socialismo internacionalista, enquanto Mussolini, mais por impulso e pragmatismo, parecia ter percebido a força do nacionalismo no belicismo, o que denotava uma contrariedade com ideias de Marx acerca da luta de classes; trabalhadores e empresários davam suporte às mesmas trincheiras de seus respectivos países a evidenciar o peso do nacionalismo sobre a narrativa internacionalista do proletariado versus patronato.

Hoje, como se fora uma ironia no lado canhoto da história, líderes populistas adotam o nacionalismo e defendem ideias de terceira via, sobretudo na economia, convergentes ao fascismo nascente lá pelos idos de 1919.

20/03/2023 22h30

Imagem: Perfil oficial no Twitter

Nassim Nicholas Taleb

“Quanto mais informação você der a uma pessoa, mais hipóteses ele formulará ao longo do processo e terá um desempenho pior.”

Obra: A lógica do cisne negro. Capítulo 10 – O escândalo da predição. Edição da best.business, Rio de Janeiro, 2018. Tradução de Marcelo Schild. De Nassim Nicholas Taleb (Líbano/Greater Amyoun, 1960).

Informação é ruim para o conhecimento quando interferências aleatórias são mais notadas e confundidas com informações reais.

Taleb menciona o experimento da imagem borrada de um hidrante aplicado a dois grupos de pessoas; o primeiro recebeu imagens com um lento aumento de resolução e o segundo, de uma forma mais rápida e se for disposta uma imagem em um ponto idêntico, “os membros do grupo que viu menos etapas intermediárias provavelmente reconhecerão o hidrante muito mais rápido”. Isso ocorre porque ideias são “pegajosas” ou quando se desenvolve uma teoria, não é provável que se mude de ideia, o que se verifica quando opiniões estão sob evidência fracas, o que denota o viés confirmatório e a “perseverança da crença”, o que me lembra o conceito de “pensamento automático” (termo não usado pelo autor) no cognitivo comportamental (p. 191).

Em menção a outro experimento, do psicólogo Paul Slovic (EUA/Illinois/Chicago, 1938), Taleb argumenta como a informação pode ser “tóxica”: corretores selecionaram 10 entre 88 variáveis em corridas de cavalos, de acordo com o que julgaram mais úteis no cálculo de probabilidades. Fizeram as previsões, depois receberam mais 10 informações e o que se constatou foi o aumento na confiança (crença) e o não aumento da exatidão das previsões (p. 192).

Quando estou diante de um problema de programação, ao testar hipóteses muitas vezes percebo a importância de filtrar dados e depurar passo a passo as conclusões, para tentar não cair no problema do “pensamento automático” quando confundo evidência fraca com certeza.

19/03/2023 13h40

Imagem: The Orthodox Church in America

São João Crisóstomo

“Não desanimeis. Existe apenas, Olímpia, uma coisa terrível, uma só provação: o pecado. Não nos cansamos de cantar-lhe continuamente este estribilho. O restante não passa de mito, mesmo se forem conjurações, ódios, astúcias, traições, injúrias, acusações, confiscações, exílios, espadas afiadas, alto mar, conflito com o universo inteiro. Quaisquer que forem, tais coisas são transitórias e perecíveis; atingem o corpo mortal, mas em nada prejudicam a alma vigilante. Por isso, no intuito de mostrar a vaidade dos bens e dos males da vida presente, Paulo resumiu tudo numa só palavra: “O que se vê é transitório”.

Obra: Cartas a Olímpia. Carta 7. Patrística – São João Crisóstomo. Edição da Paulus, 2004, São Paulo. Tradução do Mosteiro de Maria Mãe do Cristo. De São João Crisóstomo (Império Romano/Antioquia, 347-407).

Por pastor Abdoral – 19/03/2023 13h50

Cartas do exilado Crisóstomo, à amiga e diaconisa Olímpia (368-410), Santa que está entre as 140 estátuas da Piazza San Pietro nas colonnati del Bernini.

João Crisóstomo, o “Boca de Ouro”, um dos maiores escritores, pregadores e teólogos da Igreja Oriental; admirado pelos simples, pregava o Evangelho que desagradava os que desejavam a ostentação e o poder temporal; assim acabou odiado por elites de um decadente Império onde a Igreja era uma arma política. Nesse contexto, o então arcebispo de Constantinopla foi derrubado e exilado em um conchavo de Teófilo, patriarca de Alexandria, com a imperatriz bizantina Élia Eudóxia, que se sentia ofendida com as críticas feitas por Crisóstomo nos sermões.

“Em 403 um concílio regional é convocado com o objetivo de exigir sua deposição. O imperador cede, mas o povo de Constantinopla se revolta e exige a permanência de João. No ano seguinte, contudo, seus inimigos voltam à carga e promovem tumultos, conseguindo enfim sua deposição definitiva e desterro para a Armênia.” (introdução, p. 7).

Exilado mas não esquecido pelos fiéis, tranquilizava e passava esperança pelas cartas, apesar do que enfrentou com doenças e tragédias em alto mar; morreu quando estava em transporte para a costa oriental do Mar Negro, na intenção de mantê-lo ainda mais afastado.

O que afeta o corpo material, as posses, o sofrimento, a dor, a perseguição e tudo que atribula na carne são mitos e nada prejudicam uma alma vigilante. Fé cristã raiz, bem distinta em relação a que pode ser encontrada em qualquer esquina, com igrejas convertidas em centros de arrecadação e entretenimento, algumas pintadas de preto e carregadas de efeitos visuais e sonoros para alienar quem vai em busca de um deus que lhes dê dinheiro e prestígio social.

Crisóstomo viveu intensamente o Evangelho da Cruz, onde cada um tem a sua, sendo Cristo Jesus o modelo supremo.

όξα τῷ θεῷ πάντων ἕνεκεν.

18/03/2023 16h00

Imagem: Terra Bellum

Aristóteles

“A origem da ação — sua causa eficiente, não final — é a escolha, e a da escolha é o desejo e o raciocínio com um fim em vista. Eis aí por que a escolha não pode existir nem sem razão e intelecto, nem sem uma disposição moral; pois a boa ação e o seu contrário não podem existir sem uma combinação de intelecto e de caráter.”

Obra: Ética a Nicômaco. Livro VI. Nova Cultural, 1991, São Paulo. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W.D. Ross. De Aristóteles, filho de Nicômaco de Estagira (Grécia antiga/Estagira/Calcídica, 384 a. C. – 322 a. C).

Afirma o filósofo que o intelecto em si mesmo não move coisa alguma; pode fazê-lo apenas pelo que chama de “intelecto prático” que tem um fim qualquer, que se desdobra no que denomina “intelecto produtivo”, cuja coisa produzida não é um fim no sentido absoluto, mas que se relaciona com uma particular; “só o que se pratica é um fim irrestrito; pois a boa ação é um fim ao qual visa o desejo” (p. 125).

Aristóteles acreditava que na alma há três coisas que dominam a ação e a verdade: sensação, razão e desejo (p. 124). Nos dez livros de Ética a Nicômaco, o caráter, a moral e a felicidade se interrelacionam de modo que a ética é tratada como coisa da prática, do cotidiano; o caráter está relacionado com a escolha cujo raciocínio deve ser condizente com a verdade, assim como o desejo deve ser “reto” na busca do que vem pela racionalidade: quando a verdade confirma o desejo, evidencia-se o “bom estado” da prática (p. 124).

A ética aristotélica é um fenômeno de valores que se evidenciam nas ações e dependem da coerência dos desejos com a razão. Sem dúvida, algo bem distante do que se vê no uso vulgar do termo, onde ética é tão-somente um a palavra bonitinha para decorar declarações corporativas a morrer no vazio de termos que não se confirmam com ações.

17/03/2023 23h42

Prof. Sebastião Paz

“Há anos atrás é uma expressão redundante. Neste caso, o verbo haver indica tempo decorrido, o que ficou para trás, passado. Portanto é desnecessário o emprego da palavra.”

Obra: Como falar e escrever sem erros lógicos. 54. Há anos atrás. DPL Editora, 20021, São Paulo. De Sebastião Paz (Brasil/Minas Gerais/Carmo da Mata, 1947).

Obra recomendável para quem busca melhorar o escrever e/ou o falar em público, de maneira que não maltrate a madre língua, sobretudo em termos lógicos, com 100 lembretes com exemplos do cotidiano.

Às vezes paro para ouvir o que falei em reuniões gravadas e aprecio meus erros lógicos, a lembrar o que o professor menciona no prefácio (p. 11). Apreciar para não repetir no país em que falar com erros lógicos e gramaticais serve até como estratégia para conquistar um público não bem versado na própria língua, com dificuldades de interpretação, o qual tende a se identificar com quem se parece medíocre. Este fenômeno pode ser facilmente observado na política.

16/03/2023 21h26

Imagem: The Economist

John Maynard Keynes

“O poder de taxação, via depreciação da moeda, tem sido inerente aos Estados desde que Roma o descobriu.”

Obra: Consequências das alterações no valor da moeda para a sociedade (1923). Keynes. Coletânea. Tradução de Miriam Moreira Leite. Editora Ática, 1978, São Paulo. De John Maynard Keynes (Reino Unido/Cambridge, 1883-1946).

E o Império Romano se auto sabotou pela inflação via produção de moedas com carga de metais preciosos cada vez mais diluída, um processo naturalmente muito rudimentar em comparação com o que fazem hoje os bancos centrais pelo mundo, apertando botões de quantitative easing.

O lorde Keynes ganhou a pecha de “inflacionista”, sobretudo dos austríacos, no entanto, neste artigo, originalmente publicado em julho de 1922 (p. 87), dá uma demonstração simples e honesta que hoje entre keynesianos me parece improvável: reconhecer publicamente a causa causante da inflação por “necessidades financeiras dos governos” e pela “influência política da classe devedora” (p. 93), cuja vantagem “constitui a contrapartida do prejuízo da classe investidora” (p. 95), embora reconheça que “na medida em que se prevê uma elevação de preços, as tentativas de auferir vantagens disso, através de maiores empréstimos, acabam forçando a elevação da taxa de juros nominais”, no entanto entende que essa taxa nominal “raramente se ajusta adequadamente ou de maneira suficientemente rápida, para impedir que a taxa real se torne anormal” (p. 96).

O lorde vê a inflação como fenômeno redistributivo de riqueza que seria prejudicial a investidores e benéfico a empresários e a trabalhadores, nas condições industriais modernas (p. 100). A inflação é “injusta”, afirma, mas pior é a deflação (p. 104), e no contexto do capitalismo que chama de “individualista” em seus dias (década de 1920), por confiar a poupança ao investidor individual e a produção ao empregador individual, pressupõe um “padrão estável de medida” e assim “não pode ser eficiente – talvez nem possa sobreviver – sem ele” (p. 105). Então, conclui que o controle do padrão de valor por decisão deliberada não deve ser visto com desconfiança; eis a marca de Keynes na crença da eficiência da regulação monetária e, por tabela, da economia em seus aspectos mais fundamentais.

15/03/2023 22h10

Imagem: ex-isto

Sócrates

“Ora, se depois desta descoberta procuras entrar em relação comigo para trocares beleza por beleza, mostras que tens a intenção de ganhar mais do que eu, pois demonstras que desejas adquirir o que é verdadeiro belo, em vez do que é belo segundo a opinião do vulgo, trocando assim ferro por ouro.”

Obra: O Banquete. Alcibíades. Edição da Martin Claret, 2003, São Paulo. Tradução de Jean Melville. De Platão (Atenas, 428/427 – 348/347).

Sob o tema do amor e a amizade, marcante em um encontro à mesa entre amigos, em O Banquete o jovem Alcibíades revela seu fascínio por Sócrates e, após deduzir que determinado interesse do filósofo por jovens teria uma conotação ligada ao belo físico, tentou seduzi-lo, o que insere nos diálogos o tema da homoafetividade (no contexto da Grécia antiga, jovens eram educados por senhores sob autorização dos pais sem necessariamente ter conotação sexual) e eis que o jovem discorre que o belo, pelo qual Sócrates se interessa, reside na sabedoria:

“Mas, vivíssimo amigo, pensa um pouco mais sobre tudo isso, para que não atribuas valor demasiado ao pouco que valho. Os olhos do espírito só começam a ver melhor quando os olhos do corpo se fecham; e tu ainda estás muito longe de haver conseguido isso” (p. 159), dissera Sócrates ao jovem apaixonado e desapontado com o filósofo que tratou sua beleza física com “desdém, sarcasmo e desprezo”, enquanto concomitantemente o admirou pelo caráter, continência e autodomínio (p. 160).Se tivesse que ocorrer alguma troca de belos, Alcibíades sairia em vantagem ao adquirir uma beleza além dos impulsos de prazer e que não pode ser melhor apreciada de olhos abertos.

Neste momento dos diálogos, o belo material se contrapõe e é superado pelo belo espiritual que advém da sabedoria, e Alcibíades que imaginou um encontro sexual, aprendeu que há uma beleza incomparável pois encontrara em Sócrates “um homem dotado de tamanha temperança e sabedoria” como jamais pudesse pensar que existia (p. 160).

14/03/2023 23h26

Imagem: OCC

Antônio Lopes de Sá

“Um escritório de Contabilidade ou uma empresa que não possuem Normas para a Direção de seus Registros Contábeis não podem ser considerados como bem orientados e pode-se mesmo afirmar que fogem aos princípios da técnica.”

Obra: Planos de Contas. Parte I – Conceitos e Rotinas. 1.12 Utilidade do Plano de Contas. Editora Atlas, 1994, São Paulo. De Antônio Lopes de Sá (Brasil/Minas Gerais, 1927-2010) e Ana Maria Lopes de Sá.

Contadores já não parecem muito interessados em Contabilidade, e em tempos de IR então…

Esta obra me foi utilíssima nas cadeiras de Contabilidade (1994-1995) durante a graduação em Economia.

Um dos maiores intelectuais que este país teve afirma que “um escritório que possui diversos funcionários no registro contábil, classificando, fazendo fichas de lançamentos, registrando o Razão etc., não pode prescindir de um roteiro, de uma orientação central.” (p. 34). E de onde ou por quem virá essa “orientação central”? De um recurso humano precioso: um contador com capacidade de liderar, como referência de tecnicidade para definir processos derivados de políticas para nortear a equipe de trabalho em um escritório ou empresa, a estabelecer normas e procedimentos.

A Contabilidade morreu, mas passa bem, em muitos escritórios, porém é o contador quem deve inspirar seus comandados pelo saber contábil e não apenas no sentido raso do “empreendedorismo” em relação ao negócio que o escritório significa. Infelizmente, nem sempre no dono de escritório, às vezes chamado de “empresário contábil”, habita este contador capaz de liderar no sentido que discorri.

Resta-me pensar em um lamento pessoal ao ver hoje a Contabilidade não ser prioridade na vida de muitos contadores, muito em parte em função de um problema que se relaciona com um ambiente de negócios maculado por um dos maiores manicômios tributários do mundo.

13/03/2023 22h12

Imagem: AELB

Zaqueu Moreira de Oliveira

“Certa ocasião, em viagem de Nazaré para Sapé, foi abordado pelo famoso cangaceiro, Antônio Silvino, que tinha sido contratado para assassiná-lo. O facínora, ao ser cumprimentado por Ginsburg, ficou tão impressionado com a sua distinção, que decidiu ter uma conversa pessoal com ele antes de cumprir a sua tarefa.”

Obra: Ousadia e Desafios da Educação Teológica. Capítulo I – Início da Educação Teológica Batista no Brasil. Salomão Luiz Ginsburg. Edições STBNB, 2002, Recife. De Zaqueu Moreira de Oliveira (Brasil/Piauí/Landri Sales).

Torno ao professor doutor Zaqueu nesta leitura de 2002, comemorativa aos 100 do STBNB.

Tenho apreço por histórias do cangaço e fico a imaginar o encontro do missionário judeu convertido e fundador do STBNB, Salomão Ginsburg, com Manoel Baptista de Morais (1875-1944), o temido “Antônio Silvino” (nome de guerra), que iniciara no cangaço em 1896, bem antes de Lampião.

Relatou o próprio Ginsburg que o cangaceiro Silvino se tornou “defensor da causa” na região, não permitindo “qualquer perseguição à pregação do Evangelho e aos pregadores”, e completou: “Não tenho dúvida de que minha vida foi salva diversas vêzes, da destruição nas mãos dos bandidos, como resultado de ordens estritas recebidas desse homem” (p. 31).

Eram tempos difíceis para os missionários protestantes por conta de perseguições de católicos romanos. Em 27/09/1902 foi criada a Liga Contra o Protestantismo, sob o comando do frade italiano, Celestino de Pedavoli, que promoveu queima de Bíblias protestantes e persuasão para que não se oferecesse empregos aos crentes (p. 29). O assunto da queima de Bíblias foi parar no Congresso Nacional, que condenou a intolerância católica (p. 30).

12/03/2023 13h16

Imagem: ALJAZEERA

Mikhail Gorbachev

“TIME – Na esteira das relações na Europa do Leste, por que o Sr. acredita que tantos cidadãos que experimentarsam o comunismo por quatro décadas agora parecem rejeitar esta filosofia e sistema político?

Gorbatchóv – Bem, ele não apenas ‘parecem’ estar rejeitando este sistema. eles o estão rejeitando; mas o que estão rejeitando é a falta de liberdade, é um sistema que foi violento com seus caráteres e direitos nacionais; estão rejeitando formas de pensar fossilizadas. Quando uma sociedade rompe dramaticamente com seu passado, quando ídolos e heróis verdadeiros são destruídos, é como uma tempestade de pó. É difícil ver o que emergirá no fim. Estou convencido de que as mudanças radicais na Europa Central e no Leste de maneira nenhuma mostram ‘o colapso do socialismo’. Os verdadeiros valores do socialismo não cairão no esquecimento. Mesmo na presente turbulência ambiental ele insistem no seu direito de existir.”

Obra: Gorbatchóv por ele mesmo. Entrevista a Time em 04/06/1990. As ideias de um líder. Edição da Martin Claret, 1991, São Paulo, formato físico. De Mikhail Sergeevitch Gorbachev (URSS/Rússia/Privol’noe, 1931).

Pode haver comunismo com respeito ao pensamento diverso do comunismo?

É possível haver comunismo com partido de oposição ao que está no governo?

Uma sociedade comunista pode ser mantida sem policiamento ideológico?

É viável a convivência de um regime comunista com a liberdade econômica? Podem coabitar o comunismo e o direito do indivíduo fazer escolhas de consumo, e não sob a tutela de um planejador central a definir o que, quanto e para onde será produzido?

A privacidade nos relacionamentos negociais (e até interpessoais) é compatível com a filosofia do comunismo?

No comunismo, o indivíduo pode exercer a liberdade de construir seu próprio negócio?

Assim caiu o último premiê soviético, com a velha retórica que lembra o duplipensamento do romance orweliano, para o tipo mais comum de entusiasta da política de regime totalitário: o dissonante cognitivo, sujeito capaz de crer que comunismo e liberdade possam coexistir.

11/03/2023 19h10

Imagem: HEARTLAND

Murray Rothbard

“Tanto os marxistas quanto os libertários, de maneiras muito diferentes e contrastantes, acreditam que as contradições internas do sistema atual (para os primeiros o “capitalismo”, para os segundos o estatismo e as intervenções estatais) conduzirão inevitavelmente a um colapso no longo prazo.”

Obra: A Ética da Liberdade. 30. A Estratégia da Liberdade. Edição do Instituto Mises Brasil, 2010, São Paulo. Tradução de Fernando Fiori Chiocca. De Murray Newton Rothbard (EUA/Nova Iorque/Nova Iorque, 1926-1995).

Sobre o futuro da liberdade, o ícone maior do libertarianismo se mostra otimista nesta obra traduzida por Fernando Chiocca no tempo que o Instituto Mises Brasil fazia jus ao nome que ostenta, cuja primeira edição do título original (The Ethics of Liberty) é de 1982:

“O planejamento estatal, a burocracia, os controles, os impostos altos e paralisantes, a inflação de papel-moeda, tudo isto deve conduzir inevitavelmente ao colapso do sistema econômico estatista” (p. 348).

Rothbard enxerga um mundo comprometido com “a industrialização e o padrão de vida” (pp 348-349) mediante um estatismo avançado e em “iminente colapso”, após décadas de ajustes keynesianos, processo a exaurir as reservas do laissez-faire, neste ponto a lembrar seu mentor, Ludwig von Mises (p. 349).

Rothbard lembra o Nobel concedido a Hayek, em 1974, o mais conhecido economista da Escola Austríaca, como um sinal “das novas correntes que começavam a reaparecer após décadas sendo menosprezadas”, e torna aos problemas causados pelo estado moderno com as distorções inflacionárias e a escassez de capital forçada por “carga tributária elevada sobre a renda, a poupança e os investimentos (p. 350); segue a afirmar que “todas as variedades de estatismo já foram testadas e fracassaram”, além da crise no sistema de educação pública, o aumento da resistência ao proibicionismo, peculiar ao aparato estatal, salienta (p. 351), bem como escândalos, como o caso Watergate (1973-1974) a expor “os perigos para a privacidade e para a liberdade individual, para a liberdade de discordar do governo” (p. 352).

Onde normalmente se vê o trágico, Rothbard parece ver sinais de uma bancarrota que será superada pela liberdade, na medida em que as pessoas vão percebendo o verdadeiro culpado: o governo (p. 351).

Passados 41 anos da publicação, penso em Taleb no “não é possível prever” enquanto vejo o estado moderno, à mon avis, a dar sinais de que cada vez mais mergulha em dificuldades para se manter com as agendas sociais combinadas com graus de economia fascista, em um neobelicismo que tenta camuflar guerras enquanto transfere riqueza para os industriais de armamentos, com a inerente corrupção ao seu aparato compulsivo, regado ao consequente endividamento estratosférico, no conjunto da ampliação do escopo burocrático pelo monitório dos modelos de Big Brother Fiscal.

10/03/2023 20h52

Imagem: Casa Fernando Pessoa

Álvaro de Campos

“Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.”

Obra: Lisbon Revisited (1929). Em Mensagem. Edição da Martin Claret, 2005, São Paulo. De Álvaro de Campos , heterônimo por Fernando António Nogueira Pessoa (Portugal/Lisboa, 1888-1935).

Dialética de um navegante

Minha vida é um mar
de perguntas a meditar
como as estrelas que
em meu tempo de menino
tentei contar.

De vez em quando pela fé
que me acompanha a agraciar,
no porto além das desilusões,
em oceânica distância repouso
de quem só tem conclusões.

E pela fé torno à imensidão
do viver pelo não saber,
que me envolve a navegar,
não às cegas de convicções
e sim pela bússola do duvidar.

Pastor Abdoral 10/03/2023 19h47.

09/03/2023 23h28

Françoise Dolto

Diversos signatários

“Les signataires de la présente lettre considerènt que l’entiére libertè des partenaires d’une relation sexuelle est la condition nécessaire et suffisante de la licéité de cette relation.”

Obra: Lettre ouverte à la Commission de révision du code pénal pour la révision de certains textes régissant les rapports entre adultes et mineurs. Maio de 1977. Diversos signatários.

Disponibilizada no site da neuropsiquiatra e psicanalista francesa Françoise Dolto (1908-1988) a Carta aberta à Comissão de Revisão do Código Penal para a revisão de alguns textos que regem as relações entre adultos e menores [159], a qual consta como signatária com outras personalidades. O filósofo Michel Foucault, Simone de Beauvoir, uma das maiores referências do feminismo no século XX e o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre aparecem entre os signatários.

O documento ganhou notoriedade no jornal Le Monde, em 23 de maio de 1977 [160]. No trecho selecionado, defende-se “a total liberdade dos parceiros numa relação sexual é a condição necessária e suficiente para a legalidade desta relação”; citam-se o Código Penal de 1810, promulgado por Napoleão, que “não prevê punição para atos sexuais não acompanhados de violência, independentemente da idade dos participantes”, e a Lei de 28 de Abril de 1832, que criou a infração de “atentado ao pudor cometido sem violência a menores de 11 anos”. A Carta menciona as alterações em 1863, com a idade elevada para 13, e em 1945 para 15 anos (p. 2).

Os signatários denunciam o que entendem por “injustiça e o caráter discriminatório” do artigo 331, parágrafo terceiro, do Código Penal à época, no contexto do que entenderam como “delito de homossexualidade” ao citarem ordenamentos de 1942 e 1945, o que ensejaria, na visão deles, uma necessidade de atualizar os textos (p. 3).

A considerar o teor do documento, à mon avis, sinaliza um dos episódios mais sombrios e “esquecidos” do século XX, por favorecer praticantes da pedofilia, cujo desfecho faz apologia ao “direito da criança e do adolescente manter relações com pessoas de sua escolha” (p. 3).

159. Ver em https://www.dolto.fr/fd-code-penal-crp.html

160. Ver em https://www.lemonde.fr/archives/article/1977/05/23/un-appel-pour-la-revision-du-code-penal-a-propos-des-relations-mineurs-adultes_2873736_1819218.html

08/03/2023 19h42

Imagem: Vaticano

Leo PP. XIII

“Accrebbe il male un’usura divoratrice che, sebbene condannata tante volte dalla Chiesa, continua lo stesso, sotto altro colore, a causa di ingordi speculatori. Si aggiunga il monopolio della produzione e del commercio, tanto che un piccolissimo numero di straricchi hanno imposto all’infinita moltitudine dei proletari un gioco poco meno che servile.”

Obra: Rerum Novarum. Lettera Enciclica. Motivo dell’enciclica: la questione operaia. Roma, 15 maggio 1891. Edição online no Vaticano. De Papa Leão XIII (20/02/1878-20/07/1903) Leo PP. XIII, Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci-Prosperi-Buzzi (Italia/Carpineto Romano 1810-1903)

O século que Nietzsche viu como “decadente, foi marcado pelo “socialismo científico” de Marx e Engels, “das coisas novas” que assim, em sua última década teve uma resposta, por parte da Igreja Romana, baseada nas leis naturais: Rerum Novarum.

O clássico tema da usura é abordado na abertura da Encíclica:

“Aumentou o mal uma usura devoradora que, embora condenada muitas vezes pela Igreja, continua a mesma, sob outra cor, por causa de especuladores gananciosos. Acrescente-se o monopólio da produção e do comércio, tanto que um número muito pequeno de super-ricos impôs um pouco menos que um jogo servil à infinita multidão de proletários” (tradução livre).

O laissez-faire, após décadas de prestígio e geração de riqueza, começava a entrar em decadência no tabuleiro politico onde o liberalismo econômico clássico estava diante do modismo revolucionário que colocou em evidência o socialismo dito “científico” na Europa, como solução para os dilemas sociais. Basicamente esse novo socialismo militava em favor de uma ruptura pela coletivização dos meios de produção em apologia a “ditadura do proletariado”, o que demandaria a abolição da propriedade privada relacionada, tendo como base reflexiva a luta de classes. A Igreja Católica Romana se encontrava no meio de uma tensão política.

Leão XIII não vê a novidade do socialismo como solução:

“3. Para remediar essas perturbações, os socialistas, incitando o ódio aos ricos pelos pobres, exigem que a propriedade seja abolida e todos os bens particulares convertidos em patrimônio comum, a serem administrados através do município e do estado. Com essa transformação da propriedade de pessoal em coletivo e com a distribuição igualitária de lucros e conforto entre os cidadãos, eles acreditam que o mal está radicalmente reparado. *Mas desta forma, não (que) resolva os litígios, só prejudica os próprios trabalhadores, sendo também injusto por muitos motivos, visto que fere os direitos dos legítimos proprietários, altera as competências dos órgãos do Estado e desorganiza toda a ordem social” (tradução livre).

Em A propriedade privada e do direito natural, deixa claro a incompatibilidade do socialismo e os limites do Estado, mediante entendimento que expõe sobre a ordem econômica:

“6.Isso se torna mais evidente se penetrarmos mais na natureza humana. Pela amplitude ilimitada de seu conhecimento, que abrange, além do presente, também o futuro, e por sua liberdade, o homem sob a lei eterna e a providência universal de Deus, é providência para si mesmo. Deve, portanto, ser capaz de escolher os meios que considere mais adequados para a manutenção da sua vida, não só para o momento que passa, mas para o futuro. Isso é o mesmo que dizer que, além do domínio dos frutos que a terra dá, o homem tem a propriedade da própria terra, de cujo ventre fecundo deve ser dado o necessário para suas necessidades futuras. Visto que as necessidades do homem têm, por assim dizer, uma história de retornos perpétuos e, satisfeitos hoje, renascem amanhã. Por isso a natureza deve ter dado ao homem o direito a bens estáveis ​​e perenes, proporcionais à perenidade da ajuda de que precisa, bens que só a terra pode lhe dar, com sua fecundidade inesgotável. Não há razão para recorrer à providência do Estado, porque o homem é um estado superior anterior: portanto, antes que o consórcio civil fosse formado, ele deve ter tido o direito de sustentar a si mesmo.

7.O fato de Deus ter dado a terra para o uso e gozo de todo o gênero humano não se opõe de forma alguma ao direito à propriedade privada;* desde aqele dom ele o fez a todos, não porque cada um tivesse um domínio comum e promíscuo, mas porque ele não cedeu nenhuma parte da terra a ninguém, deixando-a à indústria dos homens e direito especial dos povos. A terra, por outro lado, embora dividida entre os particulares, permanece, no entanto, ao serviço e benefício de todos, pois não há homem no mundo que não receba deles alimento. Quem não tem bens, compensa com trabalho; tanto que se pode dizer com verdade que o meio universal para prover a vida é o trabalho, empregado seja no cultivo da própria terra, seja no exercício de uma arte, cuja recompensa se obtém, em última instância, dos múltiplos frutos da terra e neles sem trocam. E esta é mais uma prova de que a propriedade privada está em conformidade com a natureza. A terra nos fornece em grande parte para a manutenção e melhoria da vida humana, mas ela nos administra com a condição de que o homem a cultive e seja generoso com ela. *Agora, supondo que o homem emprega a indústria da mente e as forças do corpo, com isso em si mesmo ele reúne aquela parte da natureza corporal que ele reduziu à cultura, e na qual ele deixou uma marca de sua personalidade, para que justamente possa mantê-la para si e impor aos outros a obrigação de respeitá-la.” (tradução livre)

Ainda sobre os limites do Estado, é enfático em relação à condição da família:

“O Estado e sua intervenção na família

Portanto, é um grande e prejudicial engano querer que o Estado intervenha, em seu próprio talento, no santuário da família” (tradução livre).

Rerum Novarum rejeita o socialismo, reforça a defesa dos direitos dos trabalhadores, a livre associação entre profissionais, a dignidade do trabalho, reconhece pelo direito natural, a legitimidade da propriedade privada, assim como a defende, aponta a sacralidade da família diante do aparato de Estado; a Encíclica marca o início da doutrina social da Igreja, pelo menos em termos formais.

07/03/2023 21h52

Imagem: Cuba Debate

Friedrich Engels

“A filosofia alemã moderna encontrou sua culminância no sistema de Hegel, em que pela primeira vez — e aí está seu grande mérito — se concebe todo o mundo da natureza, da história e do espírito como um processo, isto é, em constante movimento, mudança, transformação e desenvolvimento, tentando além disso ressaltar a íntima conexão que preside esse processo de movimento e desenvolvimento.”

Obra: Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico. Capítulo II. Montecristo Editora, 2021, eBook Kindle. De Friedrich Engels (Alemanha/Barmen, 1820-1895).

Não consegui compreender o jeito de pensar e o posterior desenvolvimentismo político-social de Marx e Engels sem o entendimento da dialética hegeliana, muito embora Hegel esteja no campo do idealismo, inverso ao materialismo histórico, enquanto “substancialmente dialético” (p. 71) traçado por comunistas disseminadores da luta de classes.

Penso então na tese que seria a “burguesia”, na antítese que seria o “proletariado” e na síntese ou “superação” que seria o socialismo ou como argumenta Engels, o socialismo como “produto necessário da luta entre as duas classes formadas historicamente” (p. 75).

“Hegel libertara da metafísica a concepção da história, tornando-a dialética; mas sua interpretação da história era essencialmente idealista” (p 74).

Engels reconhece o mérito de Hegel mesmo, em seu entendimento, não tendo resolvido o problema que propunha pois “seu mérito, que marca época, consistiu em tê-lo proposto” (p. 71).

06/03/2023 21h44

Imagem: TJPE

Bandeira da Revolução Pernambucana de 1817

“Para seus participantes, Revolução significava ruptura com a monarquia de Bragança, com o governo do Rio de Janeiro, ruptura com o passado português.”

Breno Gontijo Andrade

Lattes CNPq

Obra: A Revolução de 1817: discursos, esquecimentos e lembranças. Gulliver Editora, 2021, Divinópolis, eBook Kindle. De Breno Gontijo Andrade.

É bem contada nesta obra a esquecida Revolução de 1817, “maior movimento de contestação enfrentado pela monarquia portuguesa em toda a sua história” (Introdução) cujo epicentro se deu em um motim no Recife, em 6 de março, que fez emergir os “patriotas”, adeptos que assim foram intitulados por lideranças revolucionárias.

O Recife em 1817 foi marcado pela insatisfação com a monarquia portuguesa, assunto constante debatido em lojas maçônicas e no clero recifenses. A Revolução se situa no contexto de um processo nativista por separação ou “independência”, o que seria consolidado cinco anos e meio adiante, no entanto por um processo político de secessão entre membros da família real.

Da rápida tomada do Recife, o movimento separatista parecia próspero; expandiu-se rapidamente pelo sul, onde hoje é o estado de Alagoas e pelo norte, na Paraíba, no Rio Grande do Norte (as três estrelas iniciais na bandeira representavam a nova união que seria republicana) e localidades do Ceará; fato é que não foi apenas uma revolução pernambucana. No entanto, na contrarreação dos leais à monarquia, os realistas, o movimento patriota perdeu força; as adesões foram diminuindo a ponto de ficar restrita ao Recife, que ficou cercada por tropas a serviço da monarquia Bragança.

Foram 75 dias revolucionários que terminaram na maior habilidade política dos monarquistas e no temor ao maior poderio das tropas reais; aos patriotas restaram fugas, prisões, execuções e um seletivo perdão, dado pelo rei d. João VI.

Após a Leitura, pensei no feriado da “Data Magna” em referência a um movimento pela independência que não deixa de ser alusivo a uma pauta separatista, a ponderar um país onde, atualmente, cogitar a independência de um estado ou cidade, que seria uma forma de separatismo do executivo federal de Brasília, parece-me na lista do imperdoável no mundo do politicamente correto.

05/03/2023 15h06

Imagem: DW

Nietzsche

“O século XIX não será, ao terminar, senão um século XVIII aumentado e retificado, isto é, um século de decadência; de modo que Goethe, não só para a Alemanha, mas para toda a Europa, terá sido tão somente um incidente, uma bela inutilidade?”

Obra: Crepúsculo dos ídolos. Passatempos Intelectuais. 50. Nova Fronteira, 2017, Rio de Janeiro. Tradução de Edson Bini e Márcio Pugliesi. De Friedrich Wilhelm Nietzsche (Reino da Prússia/Röcken, 1844-1900).

O filósofo marrento não viveu o bastante para ver os frutos amargos que foram colhidos no século seguinte e não necessariamente sob “forma de sentimento romântico, de altruísmo, de hipersentimentalismo, de feminismo no gosto, de socialismo na política” (p. 116).

Não viveu o bastante o mais ousado pensador que tenho conhecimento para ver que o “caos”, o “suspiro niilista”, a “confusão” do século XIX pode ter sido apenas um curto pesadelo se comparado ao que sucedeu mediante a fascismo italiano, o nacional socialismo alemão (imagino a ira de ter visto sua filosofia associada à doutrina de Hitler), além do comunismo bolchevique sucedido pelo stalinismo Big Brother genocida, e como se não bastasse, o imperialismo americano tão abjeto quanto, assim como não viu a “evolução” do feminismo e de ideologias de gênero como fenômenos alienantes, dissonantes cognitivos, juntamente com o neoconservadorismo suportado por bestializados que acreditam ser mais inteligentes e íntegros que seus antagonistas assumidos, assim chamados de “comunistas”, enquanto me soam adestrados pelos que ditam a realpolitik.

04/03/2023 12h30

Imagem: Flippen Group

Flip Flippen

“A viagem que você está prestes a empreender está toda centrada em você: seu balão, seus pesos, suas amarras, as dificuldades que o detêm.”

Obra: Pare de se sabotar e dê a volta por cima. 2. Os fundamentos da Superação das Limitações Pessoais. Livrando-se do excesso de peso. Editora Sextante, 2016, Rio de Janeiro. Tradução de Carolina Alfaro. De Flip Flippen.

Flip Flippen desenvolveu a Overcoming Personal Constraints.

A vida é uma viagem e muitas vezes se torna necessário saber “aliviar a bagagem” se não quiser ficar no meio do caminho

Limitações pessoais são inerentes e se tornam meios de auto sabotagem quando negligenciadas; o enfrentamento faz a diferença entre ficar preso aos próprios dilemas ou reconhecê-los para então superá-los, o que se dá por um “processo” (p. 25).

Identificar as próprias limitações vem com auto crítica, sendo parte da solução (pp 25-26); o autoconhecimento compõe o elemento para enfrentar o excesso ou a carência de auto confiança (pp 29-44) assim como nas demais peculiaridades a serem analisadas e enfrentadas.

Diagnóstico de virtudes e defeitos e comprometimento para a ação transformadora ou o que enfatiza como “tração”, pois “se não agirmos, não nos transformamos” (p. 107).

Um dos poucos livros de auto ajuda que me apeteceu.

03/03/2023 21h24

Imagem: Editora Unespe

Immanuel Kant

“Teorema

A simples consciência, conquanto empiricamente determinada, da minha própria existência prova a existência dos objetos no espaço fora de mim.”

Obra: Crítica da Razão Pura. Capítulo II – Sistema de todos os princípios do entendimento puro. 4. Postulados do pensamento empírico em geral. Refutação do idealismo. Edição da Martin Claret, 2002, São Paulo. Tradução de Alex Marins. De Immanuel Kant (Prússia/Königsberg, 1724-1804).

Sobre o idealismo material: “teoria que considera a existência dos objetos fora de nós, no espaço, totalmente duvidosa e indemonstrável ou falsa e impossível”, onde menciona como “problemático” o (idealismo) de Descartes ao não possibilitar juízo decisivo antes de ter sido encontrada prova suficiente em experiência imediata, e “dogmático” o de Berkelei, onde o espaço é impossível em si (p. 223).

A existência determinada no tempo, permanente na percepção, vem pela consciência. A percepção é a chave para determinar a existência no tempo possibilitada apenas pela existência das coisas reais (p. 224) e, neste aspecto, reside um problema, à mon avis, do conceito da existência e do real apenas pelo que o sujeito consegue perceber, o que gera um problema enquanto influiu (cada qual em sua interpretação) no relativismo, no existencialismo e outras visões anti-idealistas ou fortemente pautadas na subjetividade, algo que tece unicamente ao entendimento do indivíduo, que viriam a aflorar nos séculos seguintes.

Para não deixar dúvida, o próprio Kant afirma em outras palavras, a fechar o parágrafo:

“a consciência da minha própria existência é, ao mesmo tempo, uma consciência imediata da existência de outras coisas exteriores a mim” (p. 224).

Neste delicado trecho de Critica da Razão Pura, há observações onde Kant argumenta que a experiência interna é possível por intermédio da experiência exterior, propriamente imediata (p. 224); determinada no tempo pelo movimento, mediante mudança nas relações externas (p. 225) e que nem toda representação intuitiva implica na existência, pois pode ocorrer por efeito da imaginação, em sonhos ou por loucura (p. 225) ou:

“Apenas se pretendeu provar aqui que a experiência interna em geral só é possível por meio da experiência externa em geral” (p. 225).

A última ponderação reconhece que “nenhuma existência dos objetos dos sentidos pode ser conhecida inteiramente a priori, mas só comparativamente a priori em relação à outra existência já dada […]” (p. 226). Então, penso, toda crítica a Kant, no intuito de ser honesta, precisa avaliar essas observações.

02/03/2023 20h36

Imagem: Jornal da USP

Fernando Gabeira

“Gostaria de ter dado uma visão mais clara do papel e do valor de cada um dos integrantes da luta armada. Meu livro não tinha, no entanto, esse objetivo. Se há cem maneiras de fazer uma só biografia, há, certamente, milhares de caminhos para contar a aventura coletiva da resistência à ditadura militar no Brasil.”

Obra: O que é isso companheiro? Prefácio. Companhia das Letras, 2009, São Paulo. De Fernando Paulo Nagle Gabeira (Brasil/Minas Gerais/Juiz de Fora, 1941).

Talvez esse “gostaria” tenha a ver com a importante reflexão que Gabeira fez (raríssima entre pensadores de esquerda) bem mais adiante da primeira publicação do livro (1979); a luta armada não visou a democracia, a considerar o programa dos grupos de guerrilha.

A leitura deste livro foi Importante para que eu pudesse compreender melhor certas nuances de um sentimentalismo que impulsionou a radicalização dos movimentos armados, cujo sequestro do embaixador americano é uma síntese de um ambiente de conflito no que tece a relação da luta armada com um interesse diverso ao que se entendia à época acerca da ditadura militar, quanto ao desejo comum (e ingênuo) por “democracia” que pairava no Brasil mas que na verdade foi um confronto por troca da ditadura de milicos, marionetes da Casa Branca-anti URSS, por uma ditadura alinhada à Moscou ou, vulgarmente dita “do proletariado”.

01/03/2023 23h04

Luciano Macêdo

O patrão, chamando um de seus empregados, disse-lhe:
– Leve esta Carteira de Trabalho até ao Contador para que ele dê baixa; e diga-lhe que foi o próprio funcionário que pediu para sair. 
E, reforçando a ordem, reiterou:
– Não esqueça de dizer que foi ele, o funcionário, quem pediu para sair.
O empregado, obediente, foi depressa levar a Carteira ao Contador.  Lá chegando, disse em tom forte e claro:
– Meu patrão mandou que eu trouxesse esta Carteira para dar baixa, e disse que foi o próprio funcionário que pediu para sair.
O Contador, usando do mesmo tom, indagou, exclamando:
– Pediu, foi?!  Pediu mesmo?!
O empregado, coitado, arregalou os olhos, assustou-se, deu como que uma cambalhota e exclamou em altíssima voz:
– Disse o homem!  Eu não vi!
Repetindo a expressão várias vezes, o empregado, temendo que o Contador lhe fizesse mais alguma pergunta embaraçosa, bateu apressadamente em retirada; e escafedeu-se no oco do mundo.

Obra: O Empregado. De Luciano Arcelino de Macêdo (Brasil/Pernambuco/Recife, 1957).

Hegel do cotidiano

No oco do mundo o subordinado
por uma tríade a vagar
pela consciência de si
uma voz ousou questionar.

O empregado gemeu no espírito,
transformado em palco do embate,
na tese eis o que fora determinado,
na antítese, o justo que se combate.

O conflito na consciência do espírito
em ação pela natureza,
movimento de uma dor que se pode evitar
por um alto preço que está na fraqueza.

Provocado pelo contador,
no espírito superação encontrou
e sentiu a força da dialética
a parir a síntese que à verdade se curvou.

Pastor Abdoral, 01/03/2023 23h26

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