Bem vindos à seção de recomendações de leitura do blog. Pela graça divina, Uma leitura ao dia entra em seu terceiro mês de edição, seguindo com experiências de leituras. A apreciar o concerto do compositor francês de Yan Tiersen em Nantes, 2016.

31/03/2022 23h32

Imagem: BBC

Benito Mussolini

“Anti-individualista, a concepção fascista é para o Estado; e é para o indivíduo na medida em que coincide com o Estado, a consciência universal e a vontade de sua existência histórica. É contra o liberalismo clássico, que surgiu da necessidade de reagir ao absolutismo e esgotou sua função histórica desde que o estado se transformou na mesma consciência e vontade do povo. [..]. Diante das doutrinas liberais, os fascistas estão em uma atitude de oposição absoluta, tanto no campo da política quanto no da economia. […] Se quem fala liberalismo fala individuo, quem fala fascismo fala estado.”

Tradução livre.

Obra: Dottrina del Fascismo. Edição da Blurb, em italiano, 2021, no Kindle. De Benito Amilcare Andrea Mussolini (Italia/Predappio, 1883-1945) e Giovanni Gentille (Italia/Castelvetrano, 1875-1944).

A primeira parte da obra consiste em ideias fundamentais do fascismo, cujo texto foi produzido à mão de Giovanni Gentille para o Partito Nazionale Fascista (PNF). Gentille foi o “filósofo do fascismo” (um pensador útil na retórica do duce) e ministro da educação no governo do então presidente do conselho de ministros, Benito Mussolini, na fase menos dramática ou “light” do regime, entre 1922 e 1925.

A doutrina fascista foi concebida sob a ideia de “terceira via”; nem o socialismo marxista, que não tolera a propriedade privada dos meios de produção, nem o liberalismo econômico clássico com o laissez faire; no lugar da luta de classes, cooperação em torno do Estado. Se o meio privado se submeter a esse corporativismo, será tolerado, beneficiado, caso contrário, perseguido e destruído. No fascismo, empresários, para terem êxito nos negócios, devem estar de joelhos perante o poder político personificado no líder supremo do regime. Neste ponto, o sistema fascista é um modelo de capitalismo de laços de empresários em simbiose com o aparato estatal sob regime ditatorial. O indivíduo, na mentalidade fascista, só tem algum valor enquanto “instrumento” ou serviçal da máquina de governo. Os interesses do indivíduo só são respeitados se coincidirem com os interesses em torno do governo e do Estado que, na prática, são a mesma coisa. Fora do controle corporativo do Estado o indivíduo não pode ser tolerado e caso resista aos controles sociais, será criminalizado. O fascismo foi um dos “caminhos da servidão” (aqui em um termo usado por Hayek), ao lado do socialismo stalinista e do nazismo hitlerista que ocorreram em paralelo, ambos de forte apelo coletivista na primeira metade do século passado. Quanto ao liberalismo econômico, Mussolini não poderia mesmo ter outra posição dada a incompatibilidade da doutrina socialista que desenvolveu, em comparação com a visão do indivíduo no sentido da liberdade na visão da economia de mercado: o liberalismo econômico é inaceitável na doutrina fascista, que é uma variante socialista, um produto de um sociopata forjado no Partito Socialista Italiano (PSI) que descobriu a inviabilidade do socialismo marxista como projeto de manutenção de poder e pensou um modelo cheio de recortes e misturas, com ideias fortemente intervencionistas de planejamento central, comuns ao socialismo marxista para não mais exterminar o meio privado e sim dominá-lo para se consolidar como poder supremo.

30/03/2022 23h16

Imagem: Sétimo Selo

Aurelius Augustinus Hipponensis

Entretanto, multiplicavam-se meus pecados. Quando arrancaram do meu lado, por ser impedimento ao meu matrimonio, aquela com quem partilhava o leito, meu coração, ao qual ela estava unida, ficou ferido e sangrando. Ela, por sua vez, voltando para a África, fez-te voto, Senhor, de jamais conhecer outro homem, deixando comigo o filho natural [1] que dela tivera.

Mas eu, desgraçado, fui incapaz de imitar aquela mulher. Estava impaciente pelo prazo de dois anos que deveria transcorrer até receber por esposa aquela que pedira em casamento – e porque eu não era amante do matrimonio, mas escravo da sensualidade – procurei pois outra mulher, não como esposa, mas para alimentar e manter íntegra ou agravada a doença da minha alma, sob a tutela do meu hábito, até que contraísse matrimonio. Mas nem por isso sarava a chaga causada pela separação da primeira mulher; mas, depois de ardor e sofrimento agudíssimos, começava a se corromper doendo tanto mais desesperadamente quanto mais fria se tornava.

Obra: Confissões. Livro Sexto. Capítulo XV. A separação da amante. Martin Claret, 2002, São Paulo. Tradução de Alex Marins. De Aurelius Augustinus Hipponensis (Aurélio Agostinho de Hipona), Santo Agostinho de Hipona (Norte da África/Tagaste, 354-430).

Desde a primeira leitura, em 2003, fascinou-me a autocrítica de Agostinho no mergulho nas dores do passado. Do outrora professor vaidoso e maniqueísta a um neófito e catecúmeno em Milão, na igreja de Santo Ambrósio e de dona Mônica, mãe, devota e depois canonizada. Convertido, batizado junto com o filho adolescente, Adeodato, iniciou uma carreira de prelado até se tornar bispo de Hipona cujos sermões impressionavam pela erudição, análise e reflexão. As Confissões vieram na fase posterior, quando então decidiu abrir o coração e contar suas aventuras intelectuais (e sexuais) antes da conversão, em uma caminhada pessoal expondo tudo aquilo que o afastava do que passou a compreender, na maturidade cristã, acerca de uma autêntica vida espiritual, algo que até pode ser confundido com uma espécie de auto flagelo, no entanto, estava meditando sobre seu passado indecoroso, de sedutor, egocêntrico, e assim acabou, penso, encontrando uma forma de amadurecer uma teologia que se tornou a ortodoxia sobre o tema do pecado. Para Agostinho, pecar é uma consequência do homem desligado de Deus; da criatura que dá as costas ao Criador, da rejeição ao bem supremo; em suma, é a negação do amor. Tal desenvolvimento seria aprofundado em De civitate Dei. Envolto em uma visão de fé baseada em introspecção, em Agostinho a verdade fluiu em um processo endógeno; nasce de dentro para fora. A teologia agostiniana se desenvolveu em tempos dramáticos, em plena crise de decadência do ocidente formatado na ideia de Pax Romana. Seus escritos representam uma síntese da ortodoxia que se estabeleceu na cristandade ao longo dos quatro primeiros séculos da fé cristã. Influencio-me mais por conta de elementos existenciais. Agostinho e sua teologia da auto crítica estão amalgamados.

29/03/2022 23h35

Imagem: Fandom

Jorge Amado

TEREZA BATISTA NÃO COMPLETARA AINDA TREZE ANOS QUANDO SUA TIA FELIPA a vendeu, por um conto e quinhentos, uma carga de mantimentos e um anel de pedra falsa, porém vistosa, a Justiniano Duarte da Rosa, capitão Justo, cuja fama de rico, valente e atrabiliário corria por todo sertão e mais além. Onde arribasse o capitão com seus galos de briga, a tropa de burros, os cavalos de sela, o caminhão e a peixeira, o maço de dinheiro e os capangas, sua fama chegara primeiro, na frente do cavalo baio, adiante do caminhão, abrindo campo aos bons negócios.”

Obra: Tereza Batista cansada de guerra. Edição da Companhia das Letras, 2008, São Paulo, no Kindle. De Jorge Leal Amado de Faria (Brasil/Bahia/Itabuna, 1912-2001).

Tereza Batista é a personagem mais impressionante de Jorge Amado. Em plena ditadura militar, o mestre baiano dos romances constrói um drama sob temas delicadíssimos como pedofilia, estupro, cárcere privado, com variadas formas de violência contra a mulher, em um universo em torno do machismo mais brutal, que costuma se relacionar intimamente com o poder econômico, além da prostituição como fenômeno social de um contexto complexo desenvolvido pelo autor. Obra monumental, vibrante, provocante, de destemida abordagem crítica sobre uma sociedade real que muitos preferem fingir como se fora apenas ficção. Tereza Batista consolida várias personagens marcantes no universo das obras de Jorge Amado, sendo assim uma interessante forma de debutar nas leituras de um gigante da literatura em língua portuguesa.

28/03/2022 23h10

Imagem: Mix Palestras

Pasquale Cipro Neto

[…] Um diretor da TV Cultura me disse que esteve em Portugal quando as novelas brasileiras começaram a chegar lá e viu nas ruas – acredite se quiser – uma passeata de protesto contra o gerúndio, abundante nas novelas brasileiras. Temiam nossos irmãos portugueses que isso “pegasse”. […] ‘Não pude estar comparecendo’ é de lascar. Que tal ‘Não pude comparecer’? Simples e indolor, não? Cuidado com modismos linguísticos. Esse cacoete já passou da fala e já frequenta a língua escrita, com ares de coisa boa. Fuja disso!”

Obra: Inculta e Bela 1. Edição da Publifolha, São Paulo, 2002, formato físico. De Pasquale Cipro Neto (Brasil/São Paulo/Guaratinguetá, 1955).

Se tem uma vocação que admiro muito é a de professor de português. Gosto muito de matemática, mas passei a ter um fascínio pelos problemas de português. Durante o ginásio me impressionavam as correções que as professoras faziam em minhas redações, coisa natural para uma criança/adolescente em processo de crescimento com a forma culta, considerando as muitas “recomendações” em meus textos. Então, meu sonho de consumo passou a ser um dia falar à semelhança de minhas professoras de português (só me recordo de ter sido aluno de mulheres neste sagrado ofício). Quanto ao trecho selecionado, veio-me à baila nas ocasiões em que estive em Portugal e vi a raridade do gerúndio por lá. Realmente, portugueses não são chegados a um “falando”, “jogando”, “correndo”, “cantando”, etc. Curiosamente, por ser um admirador do português europeu, notei há algum tempo que passei a evitar o gerúndio. Em algumas situações acho o uso do gerúndio um tanto carente de uma melhor estética; é mais uma questão de gosto. Penso que o português falado em Portugal soa mais elegante em muitos aspectos porque há um cuidado maior por lá com o uso da língua nativa, o que admiro, mas tem coisas estranhas, diria, esteticamente questionáveis ou feias mesmo, do tipo “mais pequeno” em vez de “menor”, a lembrar (olha a rejeição ao gerúndio) o italiano “più piccolo” , talvez pela proximidade cultural; “ônibus” aqui é “autocarro” por lá; falamos “telefone celular” e nossos irmãos europeus falantes do português preferem “telemóvel”. O metrô lá é “metro”, sem acento. Não é melhor dizer “café da manhã” do que “pequeno almoço”? No mais, o professor Pasquale chama a atenção ao uso indiscriminado do gerúndio. De fato, “não pude estar comparecendo” é horroroso e há quem use para impressionar. Gosto de estudar idiomas e amo a língua portuguesa. Certa vez, conversando com um seminarista católico, quando vivi os tempos de seminarista batista, aprendi a ler e ouvir os meus textos procurando (dei uma chance ao gerúndio) identificar erros de lógica, concordância e de estética. Garanto que esse exercício é bem melhor do que escutar ou ler textos de outras pessoas e apontar erros, mesmo que apenas em pensamentos. Hoje dou risadas quando paro para ouvir meus comunicados em vídeo, publicações no blog e no grupo. Quando percebo erros de português em que posso editar, não penso duas vezes e aplico as correções. Por isso que, com certa frequência, republico postagens no grupo e ajusto textos no blog, mas quando se trata de um texto falado (vídeo ou áudio), resta-me dizer “nossa, como fui mal nesta construção” e então dou uma risada e sigo em frente na expectativa de não repetir o erro.

27/03/2022 01h12

Imagem: “G. VANNUCCI” e Córdobapedia

Juan Mateos

Imagem: 21

Fernando Camacho

“Fica, assim, claro desde o princípio que a nova sociedade, o reinado de Deus, se fundamenta na solidariedade, exclui o fanatismo religioso e não deve ser implantada mediante a violência, o domínio ou a guerra, que o Messias não será general triunfador nem chefe nacionalista.”

Obra: Jesus e a sociedade de seu tempo. Capítulo 2: A nova humanidade. Paulus, 2003, São Paulo. Tradução de I. F. L. Ferreira. De Juan Mateos (Espanha/Cidade autônoma de Ceuta, 1917-2003) e Fernando Camacho Acosta (Espanha/Cidade autônoma de Melilha, 1946-2018).

Em 2005 pude ler esta obra produzida por dois estudiosos que dedicaram suas vidas a exegese bíblica e ao ensino em grandes centros de teologia na Europa. O título original em espanhol é El Horizonte humano: La propuesta de Jesús.

Leitura recomendável especialmente a quem politiza o Evangelho. Em meios às tensões políticas de uma sociedade subjugada pelo Império Romano, em um caldeirão de interesses e conchavos, após abordarem o significado do movimento de João Batista, os autores discorrem sobre o compromisso de Jesus e o que definem como “falso messianismo” em uma análise das “tentações” (Mt 4,1-11, Mc 1.12-13 e Lc 4, 1-13), desconstruindo o “ateísmo prático”, que ignora a essência da solidariedade (p. 53), o “deus alienante” que “infantiliza o homem” (p. 54), para apontarem a ambição do poder que “oprima o homem anulando ou limitando sua liberdade” (p. 55).

Então, a leitura deste livro trata de uma apurada hermenêutica a contrariar qualquer ligação do Evangelho com o poder terreno, de cunho político, a conduzir pessoas a um fanatismo ou a uma obediência cega em torno de algum domínio, por alguma personalidade ou ideologia que substitua a visão do voluntarismo, da solidariedade; não há espaço para legalismo e coerção, mesmo que associados ao “bem estar social”; qualquer imposição dessa natureza viola a essência do Evangelho.

A obra ajuda a entender melhor o contexto social e o tabuleiro dos interesses do poder político no cenário em que Jesus Cristo atuou, cuja interpretação da Lei contrariou justamente quem esperava um messias político, revolucionário, a apelar para a violência em suas mais variadas formas como “solução” para vencer as injustiças ditas “sociais” que perduram até nossos dias.

26/03/2022 16h32

Imagem: UAI

Nelson Rodrigues

HUMILHAÇÃO – Na sala, foi uma cena dantesca. O sogro o segurava, com as duas mãos, pela gola do paletó: “Então, seu canalha? Está pensando que isso aqui é o quê? A casa da mãe Joana?”. Houve um momento em que o desgraçado, soluçando, caiu de joelhos aos pés do velho. As mulheres paravam de respirar, vendo aquele homem receber pontapés como uma bola de futebol. Rosnavam-se profusamente as palavras monstro, tarado etc. etc. Só uma estava quieta, impassível. Era Sandra, a caçula. Com um palito de fósforo limpava as unhas, muito entretida. De repente achou que era demais. Ergueu-se, foi até a porta do gabinete e, de lá, chamou: “Quer vir aqui um instante, pai?”. E insistiu: “Quer?”. Justamente, dr. Guedes escorraçava o genro: “Rua! Rua!”. Mas a caçula, sem mais contemplações, agarrou-o pelo braço, numa energia tão inesperada e viril, que ele se deixou dominar. Entraram no gabinete e a própria Sandra fechou a porta. Estava, agora, diante do espantado dr. Guedes. Foi sumária: “Papai, eu sei que o senhor tem uma fulana assim assim que mora no Grajaú. Percebeu? E das duas uma: ou o senhor conserta essa situação ou eu faço a sua caveira aqui dentro!…”. Olhou para essa filha, que assim o ameaçava, como se fosse uma desconhecida. Ela concluía: — “Bezerra não vai deixar a casa coisa nenhuma. Eu não quero!”. O velho reapareceu, cinco minutos depois, já recuperado. Pigarreou: — Vamos pôr uma pedra em cima disso, que é mais negócio. O que passou, passou. Está na hora de dormir, pessoal. Então, um a um, os casais foram passando. Por último, Bezerra e a mulher. Ao pôr o pé no primeiro degrau, Bezerra dardejou para Sandra um brevíssimo olhar. E só. A caçula retribuiu, piscando o olho. Cinco minutos depois, estava o velho, grudado ao rádio, ouvindo o jornal falado das onze horas.

Obra: A vida como ela é… O homem fiel e outros contos. Edição da Companhia das Letras, São Paulo, 1992, formato digital. Seleção de Ruy Castro. De Nelson Falcão Rodrigues (Brasil/Pernambuco, 1912-1980).

O famoso e polêmico conto diário do grande escritor e teatrólogo recifense mais carioca que já ouvi falar (entre 1951 e 1961), foi publicado no jornal Última Hora e tinha um único tema: Adultério. O trecho do pai moralista… Aquela história de quem está pronto para tirar pedra…. Indignado ao saber do caso da filha caçula com o cunhado, mas que é surpreendido com a chantagem da própria filha envolvida no escândalo, quando ela lhe informa, com discrição estratégica, saber acerca de uma aventura extraconjugal dele, retrata bem a característica nas produções de Nelson Rodrigues; irônico e com um deboche fino a sociedade do tipo que posa de “homem de família” que se vende como “baluarte” da moral e dos bons costumes enquanto na surdina é sonso, canalha e pervertido. Evidentemente, tal sociedade permeada por hipócritas o recebeu como ela é: com preconceito, em relação a uma literatura tão arrojada para o seu tempo, e com certa indignação nada convincente, sabendo que estava a lidar com alguém que bem sabia da vida como ela é. O gigante contista brasileiro desnudou certos aspectos de uma sociedade que se especializou em formar moralistas fingidores, experts em atirar pedras nos outros em meio a seus conflitos éticos.

25/03/2022 22h10

Imagem: dfi.dk

Søren Kierkegaard

“[…] “ainda que Cristo não tivesse acordado Lázaro, nem por isso seria menos verdade que essa doença, a própria morte, não é mortal![…] a morte de modo algum é o fim de tudo […] a morte implica para nós (cristãos) mais esperança do que a vida comporta, até mesmo quando saúde e força transbordam. […] Necessitar do impossível significa que tudo se tornou para nós necessidade ou banalidade. O fatalista, o determinista são desesperados que perderam o seu eu, porque para eles só há necessidade. […] Consiste o desespero do fatalista em ter perdido o eu ao perder Deus. Carecer de Deus é carecer de eu. O fatalista vive sem Deus, ou, melhor, o seu deus é a necessidade.”

Obra: O Desespero Humano. Livro III. Personificações do desespero. Martin Claret, 2003, São Paulo. Tradução de Alex Marins. De Søren Aabye Kierkegaard (Dinamarca/Copenhague, 1813-1855).

Um dos mais importantes filósofos do século XIX. Kierkegaard é visto como um visionário do que seria chamado de “existencialismo” no século XX. Ele marcou minha experiência com a teologia, somado a Santo Agostinho de Hipona.

O Desespero Humano, obra de filosofia e teologia que, pessoalmente, foi avassaladora. Leitura apreciada pela primeira vez em 2004. O preâmbulo é uma das interpretações mais impressionantes que tenho conhecimento sobre a “morte de Lázaro” (Evangelho de João, capítulo 11), onde o filósofo dinamarquês a relaciona com o que chama de “doença mortal”. Que “doença mortal” é essa? Diz o autor, “ainda que Cristo não tivesse acordado Lázaro, nem por isso seria menos verdade que essa doença, a própria morte, não é mortal!“, porque para o cristão “a morte de modo algum é o fim de tudo”, e segue Kierkegaard em sua análise existencialista da fé cristã a dizer que “a morte implica para nós (cristãos) mais esperança do que a vida comporta, até mesmo quando saúde e força transbordam“. Para o cristão a morte é uma passagem; sendo assim, a angústia, o sofrimento, e todas as dores nesta vida, experiências que se encerram seguidas de um encontro para outra experiência de vida com o Criador, no entanto, considerando a visão estritamente terrena que marca o desesperado ou seja, o desprovido de fé, a visão cristã é uma sabedoria sobre a “doença mortal”, que não é a morte física e sim o próprio viver pela fé apenas no mundo terreno, apegado às coisas materiais, enquanto se pode experimentar as dores, os problemas terrenos; e assim o desespero consome o ser com uma tortura de sofrer sem perspectiva, sem sentido para o existir, onde não se pode morrer (p.23) pois a morte é o pior como sofrimento derradeiro; se a morte encerra tudo, o sofrimento terreno do desesperado assume um drama de ficar aprisionado ao próprio eu-sofredor material, por um sufoco sem o vislumbre que a fé cristã proporciona. O apego restrito à vida apenas pela matéria é a condição principal para essa “doença mortal” se instalar cujo desdobramento fatal se dá por uma constante necessidade de realização onde tudo se encerra neste mundo, e por isso haverá tendência à insaciabilidade, ao desejo desmedido, ao hedonismo, ao viver por mais e mais no que diz respeito ao tangível, ao fatalismo que assume um peso junto com a ansiedade. O imediatismo se potencializa onde só há o “aqui e o agora”; não há um amanhã pelas coisas do espírito e tudo morre pela experiência do concreto, do palpável. A “doença mortal” consome o ser com uma submissão ao “deus da necessidade”, e nesse sentido se pode compreender melhor a profundidade do dito de Jesus no Sermão da Montanha sobre “não andar ansioso” (Mateus 6:25-34) como parte essencial na experiência de fé na existência humana.

24/03/2022 22h52

Imagem: Companhia das Letras

Hilda Hilst

“Quem és? Perguntei ao desejo.

Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.”

Obra: Do Desejo. Edição da Biblioteca Azul, 2012, São Paulo, formato físico. De Hilda de Almeida Prado Hilst (Brasil/São Paulo, 1930-2004)

Considerada uma das maiores escritoras em língua portuguesa do século XX, Hilda Hilst foi intensa com seus versos provocantes. À semelhança do shakespeariano “ser ou não ser, eis a questão”, este poema é breve e profundíssimo; à mon avis, uma obra de arte em termos de poder de síntese da autora. O meu eu quer saber mais sobre esse tal de desejo…. E aqui Hilst faz referência ao desejo pela intensidade do que corre como uma erupção de um vulcão; e assim se revela, “lava” que corre após transbordar pelo fogo de vontades, penso, em sentimentos que borbulham, de intuições não raramente desmedidas, de uma insaciabilidade do espírito que se desbrava como adolescente, de atos imprudentes ou, por que não dizer, de jovens ideias ilusórias, de imatura paixão ou de inconsequente necessidade de auto afirmação, quem sabe, em face do intempestivo. Muita empolgação sem os pés no chão? Ah juventude… É o desejo a debutar. Logo em seguida o desejo passa por um processo de releitura de si mesmo, como se tivesse despertado da fase da empolgação; agora se vê em uma auto crítica dura; se vê como “pó”, então penso no que restou além do eu-desejo que fora vivenciado com tanta força de vontade, em meio ao prazer da energia jovial, entre o que foi idealizado, no nascedouro pelo deslumbramento, e que se sente de fato pelas lembranças; em um sentido mais existencial, entre o eu afoito, que viveu um destemor, e foi dado mais a paixão, e o eu que se depara com o que ficou de verdadeiro lá no fundo da alma. A resposta é de um esvaziamento, talvez por uma experiência de maturidade, e eis que o eu que estava no desejo “caiu na real”, em comparação com o que tinha de conceito de si mesmo no começo de sua aventura. E então o desejo se revela na sua face mais aguda, em termos de senso crítico sobre si mesmo, e agora se vê como um “nada”, pois mediante o passar do tempo viu o quanto é fugaz na efemeridade da vida. O eu-desejo envelheceu…

23/03/2022 23h40

Imagem: Editora Unesp

Jean-Jacques Rousseau

“Rigorosamente nunca existiu verdadeira democracia e nunca existirá. É contra a ordem natural que o grande número governe e seja o pequeno governado. É impossível admitir esteja o povo incessantemente reunido para cuidar dos negócios públicos; e é fácil de ver que não poderia ele estabelecer comissões para isso, sem mudar a forma da administração.”

Obra: Do Contrato Social. LIVRO III, IV – Da democracia. Edição da Martin Claret, 2002, São Paulo, formato físico. Jean-Jacques Rousseau (Suíça/Genebra, 1712-1778).

Talvez tenha sido a obra que mais ouvi falar, desde a adolescência, li e revisitei ao pensar que não me recordo como, onde e quando assinei este contrato. Nasci livre, mas o “contrato social” do Rousseau me foi imposto, parafraseando. Sendo uma referências mais importantes na história das ideias progressistas, a obviedade deste trecho parece passar desapercebida em sua complexa relação entre o que se tem de deslumbramento com a democracia e o que se obtêm dela, de fato. A democracia pragmática se dá por representatividade pontual e neste arranjo haverá sempre como resultados a elitização de lideranças e a imposição de valores. Não é preciso fazer muito esforço para ver que hoje a tirania encontrou na democracia um escudo, e por que não dizer, uma eficiente camuflagem? Enquanto possibilita ampla defesa de posições, dentro de certos limites institucionais que são eticamente toleráveis, a democracia concomitantemente se massifica como crença governativa, isto é, por coerção, e dada a natureza da política, como domínio e narrativa em um monopólio territorial chamado “Estado”, esse processo de sacralização do “contrato social” se dá em sutilezas quanto ao seu significado real, como ato jurídico em torno de suas consequências sobre a liberdade. E em nome da democracia muitas liberdades são ceifadas. Penso que a liberdade, não raramente confundida com democracia, fica sob conflito nesse encontro entre a democracia e indivíduo, pois se a democracia é uma ideia de tolerância ao debate de ideias, para dar legitimidade ao processo eletivo, sendo voltada ao governo público e às demais instituições do Estado, sua relação íntima com o dito “contrato social” enquanto coercitivo exclui, por assim dizer, o direito natural do indivíduo romper com o dito contrato ou seja, com a dominância do aparato que se “legitima” de forma legalista. O contrato de Rousseau não passa de ficção socialmente aceita como realidade.

22/03/2022 23h00

Imagem: Recanto do Poeta

Ariano Suassuna

Dona, me venda aqui esse retalho de pano verde. Ao ouvir isso, o outro marchou para o mesmo lugar e disse em voz também clara e audível por todos: — A senhora tem um pano encarnado para me vender? Imediatamente o ambiente ficou eletrizado. Todo mundo que estava por perto parou de conversar e discutir e começou a olhar a cena que se desenrolava. — O senhor está dizendo isso para me desafiar? — perguntou o que pedira o pano verde. — Que direito tem o senhor de se meter na minha vida? Então eu não posso comprar meu pano da cor que bem entender? — Pode, cavalheiro! Mas, cavalheiro, cada um com seu gosto, e tem gente com bom gosto e gente com mau gosto, cavalheiro! — O senhor está me chamando de cavalheiro é para me desmoralizar, é? — Não, cavalheiro, mas quero explicar que existem cores que desmoralizam quem usa, cavalheiro! — Isso é com o encarnado? — Não, não tenho nada contra o encarnado, sou até do cordão encarnado nas cavalhadas. Agora, tem certa gente que usa encarnado, e fede! — Isso é com a Aliança Liberal e o Doutor João Pessoa? — Por que você pergunta, cavalheiro? — Cavalheiro! Vê-se bem que o senhor, usando verde, está do lado do Coronel José Pereira, aquele cangaceiro. — E vê-se bem que o cavalheiro, usando encarnado, tem medo da Polícia e é puxa-saco do Governo! O cavalheiro, por acaso, é filho natural do Doutor João Pessoa? — Cabra safado, essa você me paga! — Quem me paga é você, cachorro! Os dois se agarraram na tapa.[…]”

Obra: O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Edição da Nova Fronteira, Rio de janeiro, 2020, no Kindle. De Ariano Vilar Suassuna (Brasil/Paraíba/Parahyba do Norte, atual João Pessoa., 1927-2014).

Leve, inteligente, um ícone da cultura nordestina, eis o estilo de contar histórias de Ariano, maravilhoso. O Sedutor do Sertão trabalha personagens do universo ficcional de A Pedra do Reino. Dei boas risadas nesta prazerosa leitura. Quanto ao trecho, a política, no cenário de muitas cidades do interior se resume, não raramente, a tribos de fanáticos que seguem um determinado líder de estimação e se definem por uma cor. No caso deste espirituoso romance, que se passa em 1930, se dá entre os “verdes” contra os “encarnados”. A forma hilária como o mais pernambucano dos paraibanos trata o tema neste livro me parece um tanto próxima, familiar, diria… Acho que já vi rixas um tanto parecidas por aí… Pois bem, a política sempre tem três lados; o dos sabidos, que vivem do negócio; o dos bestas, que sempre acreditam nas “boas intenções” dos sabidos, e por fim, o lado dos que observam para tentar se precaver dos que os sabidos fazem.

21/03/2022 23h12

Imagem: IEA/USP

Gilberto Dupas

“Um dos trunfos do fascismo teria sido a confusão entre seus adversários, inspirados pela ideologia do progresso, eles se iludiram achando que a evolução científica, industrial e técnica não seria incompatível com a barbárie social e política. Benjamim compreendeu completamente a modernidade do fascismo e sua relação íntima com a sociedade industrial-capitalista da época.[…]”

Obra: O mito do progresso. Capítulo 1. O sentido da história em crise: do socialismo real ao capitalismo global. Editora UNESP, 2006. De Gilberto Dupas (Brasil/São Paulo, 1943-2009).

Leitura de 2010.

O autor trabalhou uma visão (muito interessante) do progresso como um mito disseminado por aparato ideológico que explora a “omissão das multidões”, o que lembra Ortega y Gasset. Dupas foi um dos poucos intelectuais brasileiros que notei a citar Friedrich August von Hayek (p. 57). No trecho, trabalha as teses de Walter Benjamin [6] da Escola de Frankfurt pela abolição da dominação (mito socialista), da sociedade de classes (outro mito socialista). Quanto à “modernidade do fascismo”, na interpretação do autor sobre Benjamin, entendo que a sua “relação íntima com a sociedade industrial-capitalista”, à mon avis, é uma evidência de uma variante (neofascismo) e não do “fascismo” (doutrina original que morreu com Mussolini), mediante o aprimoramento de uma visão de política para a economia muito mais sutil em termos de controles estatais em favor de um capitalismo gravitando no Estado, a fomentar um capitalismo de “laços” ou de “compadrio”. O laissez-faire não tem suporte em si mesmo nessa visão e então se insere a ideia de “moderação” em torno de conceitos de “terceira via”, reforçado com ares de “ciência”, entre o “socialismo real” (experiência histórica na URSS), onde a ideia de “ciência”, em torno ao peculiar planejamento central socialista, é mais explícita (e apelativa ao progresso), em comparação com a ideia de um capitalismo “puro” ou livre de intervenção do aparato estatal, que não chega a ser uma utopia, enquanto “criminalizado” ou depreciado por “economia informal”, mediante narrativa que convém ao aparato interventor, que está a serviço das elites que se aliam ao corporativismo do Estado para se protegerem dos efeitos da livre concorrência do laissez-faire enquanto exploram a ideia de “progresso” para uma massa que vive mergulhada na superficialidade dos problemas e, consoante a este último ponto, convirjo com ideias do autor.

6. Cf Löwy, 2005a) em Sobre o conceito de história.

20/03/2022 15h02

Imagem: Editora Unespe

Immanuel Kant

“Em verdade, costuma-se dizer de alguns conhecimentos, oriundos de vivências experienciais, que deles somos capazes, ou os possuímos, a priori, porque não se derivam imediatamente da experiência, mas de uma regra geral, que todavia fomos buscar à experiência. Nesse sentido, diz-se que alguém, que minou os alicerces de sua casa, que podia saber a priori que ela havia de ruir, quer dizer, que não deveria esperar pela queda, para saber pela experiência.”

Obra: Crítica da Razão Pura. Introdução. Edição da Martin Claret, 2002, São Paulo. Tradução de Alex Marins. De Immanuel Kant (Prússia/Königsberg, 1724-1804).

Foi durante a fase de seminarista, em 2003, que mergulhei nesta obra cujo exemplar está repleto de anotações em lápis e caneta, coisa (o velho de hoje entende) deselegante.

Frequentemente me desaponto com o meu eu do passado… Isso pode ser um bom sinal pela crítica da razão pura.

Nesta edição, coloco um poco de lado as ressalvas e fico com uma parte mais interessante de Kant ao afirmar que nem todo conhecimento se origina da experiência. Posso conhecer através do raciocínio, da lógica, da matemática, sem ter que aplicar um método experimental. Não preciso construir um prédio de cinco andares para conhecer, pela experiência, se ele será seguro, firme, estável, pois a priori, posso aplicar cálculos para definir os fundamentos, a estrutura e demais características dos componentes que darão sustentação a obra, para assegurar que não desabe. O que Kant desenvolve em termos filosóficos para conhecimento a prori, dispensando o teor experimental, parece óbvio, mas ainda hoje há quem tenha dificuldades imensas para levar isso a sério.

Não preciso me atirar da janela do quinto andar do prédio para saber que vou me espatifar no chão (salvo se eu estiver portando algum dispositivo tipo “paraquedas” e acioná-lo corretamente), pois por meio da matemática que discorre a lei (natural) da gravidade, posso saber o que vai acontecer, em quanto tempo de queda e os estragos, aplicando outros conhecimentos a priori. Não preciso aplicar congelamento de preços para conhecer o fato de que isso não vai funcionar como solução para o sintoma da inflação pelo aumento persistente de preços, pois há leis (naturais) de mercado, derivadas do comportamento humano que produzem efeitos de oferta e demanda, afetando as relações de produção, onde o preço determinado por congelamento gera um problema de sinais comprometedores de custos e prejuízos de produtores a travar decisões que envolvem a continuidade da produção, provocando desabastecimento e mais efeitos de inflação.

Não preciso fazer experiência para saber que não será possível desenvolver um trabalho sério de contabilidade em uma empresa administrada por quem não leva a sério o princípio da entidade e assim mistura despesas pessoais com as do negócio, é negligente com os controles dos próprios ativos, não tem interesse em um controles de estoques que seja eficiente, além de que faz uso de “caixa dois” em razão da mistura de entidades que comete.

Não preciso “pagar para ver” pela experiência (a posteriori) algo que posso saber por conhecimentos bem aplicados a priori, a evitar assim perda de tempo e prejuízo.

19/03/2022 12h42

Imagem: Agência Brasil

Içami Tiba

“A disciplina é uma conduta de vida para alcançar melhores resultados com menos recursos e menos tempo, evitar desgastes desnecessários e aumentar a qualidade existencial. Pode ser facilitada se alguns princípios forem considerados: organização, administração do tempo, focalização, ritmo e cuidados gerais.”

Obra: Disciplina. Limite na Medida Certa. Parte 3. Integrare Editora, 2006, São Paulo, formato físico. De Içami Tiba (Brasil/São Paulo, 1941-2015).

O psiquiatra Içami Tiba deixou um precioso legado sobre a educação de crianças e adolescentes com ensinamentos que se estendem para todas as fases da vida. Com precisão este trecho da obra sintetiza o que penso sobre a disciplina. É mais competente, mais ético, mais cidadão progressivo, mais livre e mais feliz que tem disciplina, na visão do autor, o que concordo plenamente. Recomendo este livro a pais que precisam de um norte com princípios para tratarem dos problemas acerca da educação dos filhos. Trazendo os ensinamentos do professor ao meu contexto profissional, compreendi que a disciplina envolve o hábito de valorizar a organização, tratar o tempo como um recurso econômico mais importante que o dinheiro, sujeito à escassez que ocasiona em custos tangíveis e intangíveis, procurando evitar desperdícios, para assim desenvolver uma estratégia combinada com a tomada de foco, dando á concentração o nível máximo de prioridade. Diante dessas diretrizes, cabe sempre ficar atento aos problemas novos para aprender diante das falhas e imprevistos a justar o modelo de trabalho. Fazer do improviso a regra, não ter normas de atendimento e permitir se deixa levar pela bobagem de que “o cliente sempre razão envolve o cultivo da disciplina.

18/03/2022 22h58

Imagem: Famiglia Cristiana

Oh cegueira humana! Não vedes tu, desaventurado homem, que acreditas amar coisa firme e estável, coisa deliciosa, boa e bela; e elas são mutáveis, soma suprema, feias e sem qualquer bondade; não pelas coisas criadas, nelas, que são todas criadas por Deus, que é supremamente bom, mas pelo afeto daquele que as possui desordenadamente. Quão mutáveis ​​são a riqueza e a honra do mundo naquele que sem Deus as possui, isto é, sem seu temor! Que hoje é rico e grande, e agora é pobre. Quão feia é a nossa vida corporal, que, vivendo, de todas as partes do nosso corpo, expelimos fedores! Diretamente um saco cheio de esterco, comida de vermes, alimento de morte. Nossa vida e a beleza da juventude passam, como a beleza da flor que é então arrancada da planta. Não há quem possa remediar essa beleza; conservar que não os seja tirado quando for do gosto do juiz supremo colher esta flor da vida por meio da morte: e ninguém sabe quando.”

Tradução livre.

Obra: Le Lettere di Santa Caterina da Siena. CCCX – A tre cardinali italiani. Edição online, em italiano. De Caterina di Jacopo di Benincasa (Italia/Siena, 1347-1380).

Ao ler este trecho, de uma carta endereçada a três cardeais italianos, minha admiração por esta moça santa de Deus, que já era considerável, aumentou exponencialmente. A carta é para lembrar da vocação do serviço a Deus pela simplicidade da vida cristã aos senhores eclesiásticos; contundente, direta, e fico a pensar como os destinatários a receberam. Imagino quão forte e marcante fora sua personalidade pelos textos que apreciei. Caterina di Jacopo morreu jovem, aos 33 anos. Semianalfabeta, iniciou sua vida totalmente devotada a Jesus Cristo. Não foi à escola e não tinha instrutor privado. Sozinha aprendeu a ler e a escrever, no entanto, tinha preferência em ditar suas cartas. O renomado professor e historiador italiano Alessandro Barbero, aborda [5] as impressionantes cartas de Santa Catarina de Siena (aqui o nome em português), ditadas e com enorme poder de influenciar pessoas poderosas. Com 12 anos, como toda mocinha de seu tempo, seus pais a prepararam para ser prometida em casamento, um processo sempre arranjado pois esse negócio de casar por opção de amor não era a prática na idade média (e creio que hoje em dia ainda o seja, em certo sentido). Ela não quis se casar e preferiu ser esposa de Jesus Cristo; aos 16 anos então ingressou na ordem dominicana do “Mantellate” e logo demonstrou um marcante espírito de liderança e poder de argumentação. Foi uma super dotada, fora-de-série, de inteligência muito acima da média. Logo sua fama se espalhou e então passou a dar conselhos espirituais a nobres, políticos e eclesiásticos, incluindo o papa Gregório XI. Visitar Siena em 2018 foi uma das coisas mais importantes que fiz em minha vida, caminhando pelas ruas em que esta grande mulher de Deus andou. No mais, para quem pensa que meus “bales” no grupo foram “peados demais”, sugiro conferir os “recadinhos” de Santa Caterina da Siena.

5. Ver La FOLLIA di Santa Caterina da Siena – Alessandro Barbero (Novembre 2020)

17/03/2022 23h28

Imagem: Lusofonia Poética

Carlos Drummond de Andrade

“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.”

Obra: No Meio do Caminho. Alguma Poesia. No eBook Kindle, 2014. De Carlos Drummond de Andrade (Brasil/Minas Gerais, 1902-1987).

Este poema saiu no primeiro livro publicado por Drummond (1930) e sempre me despertou pelo estilo familiar um tanto codificado. Teria sido uma hipértese a “pedra” em relação ao momento de dor vivido pelo grande escritor de Itabira, com a perda de um filho recém-nascido? Ou os parnasianos estariam sob deboche? Pensei na influência de Dante Alighieri (1265-1321) “Nel mezzo del cammin di nostra vita…“. Então, chamei o pastor Abdoral…

Das pedras no caminho – por pastor Abdoral

Das pedras no caminho
que coloquei,
não me esquecerei…

Da pouca idade do falar sem meditar…
Da ansiedade que silencia a serenidade…
Da juventude que se ufana no aparente
e subestima as virtudes do espírito.

E sempre tinha uma pedra,
Uma pedra tinha,
Quando eu corria atrás do vento
porque era um menino na dor.

E de pedra em pedra,
percebi que as piores
que se pode encontrar
estão na forma humana.

Nunca esquecerei que há de ter uma pedra
quando o melhor é envelhecer.
E ter um olhar de fé, onde a matéria termina,
o espírito debuta e a alma se renova no transcender.

16/03/2022 23h13

Imagem: flickr

Olavo de Carvalho

“O Estado utiliza-se das reinvindicações de autonomia dos indivíduos – reinvindicações particularmente fortes nos jovens, nas mulheres, nos discriminados, nos ressentidos de toda sorte – como de uma isca para prendê-los na armadilha da pior das tiranias. “Libertando” os homens de seus vínculos com a família, a paróquia, o bairro, protegendo-os sob a imensa rede de serviços públicos que os livra da necessidade de recorrer à ajuda de parentes e amigos, oferecendo-lhes o engodo de uma garantia jurídica contra os preconceitos, antipatias, sentimentos, e até olhares de seus semelhantes – uma garantia jurídica contra a vida, em suma – o Estado na verdade os divide, isola e enfraquece , cultivando as suscetibilidades neuróticas que os infantilizam, tornando-lhes impossível, de uma lado, criar ligações verdadeiras de uns com os outros, e de outro lado, sobreviver sem o amparo estatal […]”

Obra: O Jardim das Aflições. De Epicuro à ressureição de César: ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil. Vide Editorial, 2015, Campinas. De Olavo Luiz Pimentel de Carvalho (Brasil/São Paulo, 1947-2022).

A obra deve ser lida à francesa. É marcada por reflexões sobre como o estado moderno é moldado em ideologias que convergem em tentativas de forjar um novo “Império Romano”, onde os EUA se apresentam de forma mais próxima deste ideal.

A diferença entre o autor desta reflexão, que está no trecho, e o pragmatismo enquanto influenciador bolsonarista, à mon avis, foi abissal e não poderia ser diferente. O Olavo de Carvalho dos livros e das aulas destoou em vários momentos do professor caricaturado em redes sociais como “guru” de setores considerados de “extrema” direita no Brasil, em alguns momentos, conseguiu ser um crítico inexpressivo com as “contradições” e omissões de quem tanto apoiou para chegar ao poder. Em outros momentos, o professor acabou preso ao que entendia por “paralaxe cognitiva”. No mais, na qualidade de polemista, sem dúvida, foi importante quando incomodou com muitas verdades acerca dos problemas da dominância progressista. Olavo de Carvalho dominava bastante conhecimentos sobre o universo do marxismo e de suas complexas variantes ou desdobramentos, do nazismo, passando pelo fascismo, além da Escola de Frankfurt e do pensamento de Gramsci. Neste aspecto, seus livros foram importantes no meu desejo de compreender melhor certos aspectos sutis da ocupação progressista em escala global. Infelizmente também foi uma figura pública que demonstrou dificuldades para conviver no debate de ideias sem exalar um odor de agressividade. embora também tenha sido vítima da mesma ofensiva. Amado e odiado, caricaturado e de conduta arrogante na comunicação em redes sociais, apesar de tudo, Olavo de Carvalho está entre os maiores intelectuais brasileiros que pude ler. Achei conveniente deixá-lo pertinho do Lenin.

15/03/2022 23h00

Imagem: marxists.org

Lenin

“O Estado é a organização especial de uma força, da força destinada a subjugar determinada classe. Qual é, pois, a classe que o proletariado deve subjugar? Evidentemente, só a classe dos exploradores, a burguesia. Os trabalhadores só têm necessidade do Estado apenas para quebrar a resistência dos exploradores, e só o proletariado tem envergadura para quebrá-la, porque o proletariado é a única classe revolucionária até o fim, e capaz de unir todos os trabalhadores e explorados na luta contra a burguesia, a fim de a suplantar definitivamente.”

Obra: O Estado e a Revolução. CAP II. Editora Hucitec, São Paulo, 1979, formato físico. De Vladimir Ilyich Ulianov (Rússia/Ulianovsk, 1870-1924), pseudônimo Lenin.

Leitura de 1991, sob deslumbramento de adolescente com ideias socialistas, fase da vida que combina com esse tipo de romantismo político, motivada pela crise na União Soviética que, no final daquele ano, culminaria na sua falência e dissolução. Em 1991, li resumos de O Capital e filmes sobre Lenin, Stalin e Trotsky além das aventuras de “São Fidel” em uma “ilha encantada”.

Nesta importante edição em minha posse, há uma interessante apresentação de Florestan Fernandes, assinada em 1978. Para quem deseja conhecer as obras de Lenin, o link para marxistas.org (reprodução da imagem) tem uma vasta biblioteca digital, inclusive com uma edição desta obra. Quanto ao trecho, o Vladimir russo da atualidade, que assombra o mundo, é bem menos nocivo em comparação com o que foi o Vladimir russo desta obra, que trata sobre o Estado como ferramenta na revolução ao socialismo transitório rumo ao comunismo, onde a tal “ditadura do proletariado” não passa de uma ilusão para encobrir a cruel realidade de uma ditadura de determinada elite política que, no gozo do aparato estatal se ocupa em afazeres para seus próprios interesses travestidos pela narrativa de benefícios aos trabalhadores. No lugar deste socialismo marxista em prol do proletariado, por sinal um modelo bem mais violento, agressivo e desumano, prevaleceu, sobretudo desde o final do século passado, a terceira via com um socialismo sutil, que explora a viabilidade da economia de mercado, muitos com viés democrático como estratégia mais eficiente de longo prazo, outros nem tanto (China, por exemplo), mas todos com certo grau de economia neofascista em meio a compadres “amigos do rei” que se beneficiam com intervenções estatais e proteções regulatórias contra a concorrência de uma economia mais inclinada à liberdade de mercado. E o que sobrou ao tal “proletariado”? Além do anacronismo do termo, ser a útil massa de manobra eleitoral para quem explora traços marxistas em ideias políticas que caducaram, porém não deixam de cativar multidões com o sedutor apelo de “justiça social” por gerações, dado que não cessa a fábrica de idiotas úteis, tutelada pelo Estado ocupado por profissionais da política não abrem mão do privado e do glamour que só o capitalismo “perverso” pode proporcionar enquanto faz do apelo socialista um negócio dos mais lucrativos e indecentes.

14/03/2022 23h12

Imagem: Museu da Língua Portuguesa

Gilberto Freyre

“Atraídos pelas possibilidades de uma vida livre, inteiramente solta, no meio de muita mulher nua, aqui se estabeleceram por gosto ou vontade própria muitos europeus do tipo que Paulo Padro retrata em traços de forte realismo; Garanhões desbragados.

Outros, como os grumetes que fugiram da armada de Cabral sumindo-se pelos matos, aqui se teriam deixado ficar por puro gosto de aventura ou ‘afoiteza de adolescência’: e as ligações destes, de muitos dos degradados, de ‘intérpretes’ normandos, de náufragos, de cristãos-novos; as ligações de todos esses europeus, tantos deles na flor da idade e no viço da melhor saúde, gente nova, machos sãos e vigorosos, ‘aventureiros moços e ardentes em plena força’, com mulheres gentias, também limpas e sãs, nem sempre terão sido dos tais “conúbios disgênicos” de que fala Azevedo Amaral. Ao contrário. Tais uniões devem ter agido como ‘verdadeiro processo de seleção sexual’, dada a liberdade que tinha o europeu de escolher mulher entre dezenas de índias.”

Obra: Casa-Grande & Senzala. Capítulo I. Global Editora, 2019, no Kindle. De Gilberto de Mello Freyre (Brasil/Pernambuco, 1900-1987).

Primeira leitura em 1996. Esta obra está entre as mais importantes de sociologia no século XX, do intelectual pernambucano aclamado internacionalmente. As raízes do Brasil colonial, de nativos e africanos em um contexto de escravidão por colonos europeus, compondo uma importantíssima base em uma miscigenação que fez aflorar uma cultura que emerge o que entendo por “identidade brasileira”; o trecho pode soar depreciativo para quem foi educado para se aceitar com a síndrome de “vira-lata”, no entanto o vejo como uma abordagem do “Brasil real” de traços traços europeus, africanos e indígenas cuja combinação entendo como um diferencial, uma qualidade, no sentido de compor um tipo diversificado de ser social pelas matizes culturais; nossas ligações raciais facilitam o diálogo traduzido em nossa facilidade para acolher e se envolver com outros povos, outras culturas menos miscigenadas. Quem quiser ter uma boa base de referências sobre a brasilidade no processo colonial de fundação dessa identidade cultural, tem que conhecer este clássico de Gilberto Freyre e sua contribuição para se compreender bem a fundação da cultura brasileira, sem preconceitos, contestado por muitos, apreciado por tantos, dando importância à raiz africana até então pouco considerada, sem floreios, sem firulas para ir direto ao ponto, com uma impressionante riqueza de fontes bibliográficas de uma obra prima que só poderia ser produzida por um cientista social de imensa envergadura; extraordinário foi Gilberto Freyre.

13/03/2022 13h46

Imagem: Mises Brasil

Ludwig von Mises

“É certo que, na qualidade de produtor, todo homem depende, seja diretamente – como no caso do empresário —, seja indiretamente – como no caso do trabalhador assalariado —, da demanda dos consumidores. Entretanto, esta dependência da supremacia dos consumidores não é ilimitada. Se alguém tiver fortes razões para desafiar a soberania do consumidor, pode fazê-lo. No âmbito do mercado, todos têm o pleno direito de resistir à opressão. Ninguém é forçado a produzir bebidas ou armas, se isso lhe pesa na consciência. É possível que tenha de pagar um preço por suas convicções; não há, neste mundo, nenhum objetivo que possa ser alcançado de graça. Cabe a cada um decidir entre uma vantagem material e aquilo que considera seu dever. Na economia de mercado, cada indivíduo é o árbitro supremo no que diz respeito à sua própria satisfação.”

Obra: Ação Humana. Um Tratado de Economia. 3.1a. Edição pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, São Paulo, formato físico. De Ludwig Heinrich Edler von Mises (Áustria-Hungria/Leópolis, 1881-1973).

Mises mudou minha forma de ler a economia e, à mon avis, é o melhor economista do século XX. O maior no sentido de ser (infinitamente) mais lido (e aplicado), penso, foi John M. Keynes (base inicial de meu aprendizado em economia).

Neste trecho do Capítulo 15 (p. 346), Mises trata sobre o peso da moral em decisões econômicas, o que desconstrói a narrativa, normalmente produzida por quem não conhece minimamente bem as obras dele, de que “liberais” não pesam efeitos da cultura por meio de valores éticos e morais na sociedade e só consideram a “economia”. Enquanto tem muitos “liberais” por aí, de base intelectual duvidosa, levando ao extremo a questão da liberdade (de expressão) sem pesarem o feito da moralidade pela cultura e nos indivíduos, a não se opor alegando a “liberdade”, por exemplo, o que insere o problema da legalização de um partido neonazista, que não passa de uma aberração, a Escola Austríaca me apresentou uma visão liberal com amplitude, holística, acerca da cultura onde a moralidade tem peso considerável e por isso, imagino, se tornou apreciada por conservadores. Destarte, para evitar uma ligação indevida com “liberais” que, ao longo dos tempos foram se ajustando com arranjos políticos progressistas, aceito ser visto como um austrolibertário.

Cabe a mim decidir, como agente na cataláxia [3], entre uma vantagem material e aquilo que considero meu dever, ponderando ética e moralidade. Não será o lucro ou o dinheiro a mola de minhas decisões se aspectos éticos e morais estiverem em minha consciência indicando outra direção, a abdicar de ganhos materiais. O exemplo dado por Mises (bebidas ou armas), ilustra bem a questão, sobretudo o segundo no atual contexto bélico em que observamos. Na economia de mercado, sou mais um na multidão de agentes que decidem, como árbitro supremo, sobre à sua própria satisfação, e tal condição vem com o peso de minha responsabilidade onde tenho que arcar com as decisões que, na minha livre e espontânea vontade, tomei; parafraseando Sartre, na economia de mercado, estou condenado a ser livre. Isso é maravilhosamente humano, demasiadamente humano, como diria um tanto mal humorado filósofo [4] que também aprecio.

3. É a teoria das relações de troca e preços (Ação Humana, p. 389).

4. Friedrich Nietzsche

12/03/2022 21h56

Imagem: AGENZIA ANSA

Antonio Gramsci

“A própria falta de unidade política da burguesia italiana, que está relacionada com a estrutura económica do nosso país, e cujo traço mais particular é visível durante o período da luta pela independência italiana, explica em parte a origem e o desenvolvimento do fascismo pela qual será a função histórica do agrupamento das forças burguesas no momento em que existem todas as premissas históricas para essa realização”.

Tradução livre.

Obra: Sul fascismo. Discussioni nel carcere di Turi Questa “esposizione” di Gramsci sul fascismo, della fine del 1930. Em italiano, primeira edição digital, 2017, editado por Anna Riggieri, no Kindle. De Antonio Sebastiano Francesco Gramsci (Italia/Ales, 1891-1937)

Leitura de 2018. Obra pouco mencionada, quando comparada com a citadíssima Lettere dal carcere. O contexto é do deputado Gramsci como preso político do regime fascista. No trecho, Gramsci discorre uma típica leitura marxista sobre as origens do fenômeno político que se popularizou na Itália no pós Primeira Guerra, em uma dissidência do principal articulador do Partito Socialista Italiano (PSI), Benito Mussolini. O fascismo se tornou uma releitura política de quem percebeu falhas na doutrina de Karl Marx sobre a visão internacionalista do proletariado e não demorou para ser aproveitado como um tipo de corporativismo que favoreceu a burguesia (dada a tolerância à propriedade privada dos meios de produção), enquanto avesso ao socialismo que se apresentava, uma doutrina para tempos extremos, de crise econômica com a burguesia a procura de uma via alternativa. E como tudo que não era reconhecidamente socialista passava para o outro lado, daí se deriva a concepção do fascismo ser de direita, anticomunista e, por tabela, dado ao capitalismo. Mas, que “capitalismo” foi esse no fascismo fundado na Itália por Mussolini, que perseguiu duramente os comunistas? Antagônico ao laissez-faire, o fascismo foi uma terceira via entre o liberalismo (em decadência na Europa) e o socialismo marxista que eclodiu no século XIX como modismo que assombrou a Europa. A questão burguesa no fascismo diz respeito ao que podemos chamar de um modelo de “capitalismo de laços” ou de “compadrio”, onde se inserem os interesses clientelistas do empresariado que passa a ficar sob sob um forte controle do Estado interventor é vendido como “tutor” ou seja, o fascismo tolera e “protege” o privado na produção enquanto deixa empresários de joelhos, todos submetidos ao corporativismo estatal e com planejamento central mais acentuado, o que se revelou como uma forma de socialismo para empreendedores que buscavam uma maior proteção estatal (além da clássica segurança jurídica) e que não cabia no socialismo em que Gramsci foi formado como agente político. O “capitalismo” dos fascistas não poderia ser compatível com o liberalismo econômico e o próprio Mussolini sintetizou isso na doutrina [2]. O fascismo foi um coletivismo para o aparato do Estado que atraiu e favoreceu o dito “agrupamento das forças burguesas” (na análise de Gramsci) e, concomitantemente, a unir os meios produtivos italianos que até então não tinham uma unidade política e assim se revelou como uma resposta totalitária à totalitária visão marxista. Em suma, fascistas e comunistas são socialistas que se odeiam.

2. Ver Dottrina del Fascismo

11/03/2022 22h21

Imagem: Casa Fernando Pessoa

Fernando Pessoa

“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”

Obra: Mar Português. Poema. Em Mensagem [X] 29. Edição da Martin Claret, 2005, São Paulo, formato físico. De Fernando António Nogueira Pessoa (Portugal/Lisboa, 1888-1935).

Anoitecia no sexto dia de janeiro do ano da graça de 2020, às margens do Tejo na freguesia de Belém, no Padrão dos Descobrimentos, exatamente no local onde partiam as caravelas e entre tantas expedições, dali saíram as de Pedro Álvares Cabral. Parei para meditar neste poema de Fernando Pessoa enquanto vislumbrava o que estava à minha espera lá do outro lado do Atlântico. Sabia que seria um ano difícil… A pandemia tornaria desprezível qualquer imaginação que eu pudesse ter sobre “dificuldades extremas” no trabalho. Quando caminho por aquela orla sinto uma força imensa; o lugar é inspirador. Quanto do teu sal, ó mar, são lágrimas de mães que choraram seus filhos, de noivas e esposas que sofreram na triste partida dos desbravadores do mar. E então passou 2020, o drama ganhou 2021 e agora que estou no ano mais desafiador de minha vida profissional, penso novamente no Mar Português de Pessoa e na mística daquele lugar. As lutas ganharam novos capítulos e quando as dificuldades assombram o meu ser, minha alma se levanta para passar além do Bojador, além da dor, aos abismos do mar da vida que devo enfrentar para que se espelhe o céu pela renovação de minhas esperanças porque tudo vale a pena se a minha alma não for pequena.

10/03/2022 23h12

Imagem:C-SPAN

Yossef Bodansky

“Os Estados Unidos estavam convencidos de que defendia um legítimo movimento de libertação nacional, ainda que com forte fundamentos islâmicos, e Islamabad fez o necessário para que não descobrissem, a princípio, o tipo de mujadin que os contribuintes americanos estavam financiando.”

Obra: Bin Laden: O Homem que Declarou Guerra à América. Ediouro, 2001, São Paulo. Tradução de Helena Luiz. De Yossef Bodansky (Israel, 1954-2021).

Leitura de 2002. Bodansky por 16 anos (1988-2004) foi diretor da Força-Tarefa do Congresso dos EUA contra o Terrorismo e a Guerra Não Convencional. Enquanto Putin era um jovem tentando subir nos escalões da KGB, como agente secreto, em 1979 o seu berço estatal, a então União Soviética (URSS), invadiu o Afeganistão, país desolado sob um governo de um partido comunista apoiado por Moscou. Grupos islâmicos formavam a resistência afegã e recebiam suporte de militantes do Paquistão. Durante a ocupação soviética, como típica situação da Guerra Fria, os governos americanos que se sucederam nos anos 1980 decidiram financiar os tais grupos islâmicos no desejo de que os soviéticos tivessem o seu “Vietnã”. Nos campos de treinamento surgiu o embrião da Al Qaeda e um jovem mujadin, Osama Bin Laden, foi atraído pelo movimento de guerrilha islâmica afegã e assim começou a receber treinamentos com ajuda de dinheiro dos pagadores de impostos dos EUA, através da CIA que, segundo o autor, foi mantida afastada da estrutura de treinamento que financiava (p. 58). O livro de Bodansky conta a trajetória do terrorista que articulou o 11 de setembro e a história de sua formação como guerrilheiro fomentado com dinheiro dos americanos.

09/03/2022 22h30

Imagem: Aller Editora

Jean-Paul Sartre

“A existência precede e comanda a essência […] Em certo sentido, eu escolho ter nascido […] A consciência nada tem de substancial, é uma pura “aparência”, no sentido de que só existe na medida em que se aparece.[…] Só pelo fato de que tenho consciência dos motivos que solicitam minha ação, esses motivos já são objetos transcendentes para minha consciência, estão fora; em vão buscaria agarrar-me a eles, escapo disso por minha existência mesma. Estou condenado a existir para sempre além de minha essência, além dos móveis e dos motivos de meu ato: estou condenado a ser livre. Isso significa que não se poderia encontrar para a minha liberdade outros limites senão ela mesma, ou, se prefere, não somos livres de cessar de ser livres. […]”

Obra: O ser e o nada: Ensaio de ontologia fenomenológica. Editora Vozes, Petrópolis, 1997, formato físico. De Jean-Paul Charles Aymard Sartre (France/Paris, 1905-1980).

Memórias do tempo de seminário, a primeira citação parece um clichê materialista versus idealista, mas na medida em que fui revisitando a obra, lida pela primeira vez em 2004, pude perceber que a existência precede o que sou, ou em um sentido mais provocante, o que eu escolhi ser. Na segunda citação, um mergulho (desconfortante a não iniciados) no marco do existencialismo que a obra representa, enquanto é um “lembrete” ao sentido do ser enquanto tomada de consciência, em especial da liberdade, o que me remete à terceira e à quarta citações onde a síntese do “estar condenado a ser livre” reflete o não poder de experimentá-la como forma de cessá-la; em suma, nasci livre, sou responsável pelos meus atos, e isso significa um peso imenso em minha existência; não tenho desculpas e quando me recuso a optar, abstenho-me de escolher, optei pela negativa, o não-escolher ou, na linguagem de Sartre, estou de “má-fé”.

08/03/2022 22h23

Imagem: gov.uk

Margaret Thatcher

“Minha vida, como a da maioria das pessoas no planeta, foi transformada pela Segunda Guerra Mundial. No meu caso, por estar na escola e na universidade durante todo o período, a transformação foi intelectual e não física. Tirei do fracasso do apaziguamento a lição de que a agressão sempre deve ser resistida com firmeza.”

Tradução livre.

Obra: The Downing Street Years. Edição da HarperCollins e-books, 2011, eBook Kindle. De Margaret Hilda Thatcher (Reino Unido/Grantham,1925-2013).

Nada de bombons para celebrar este Oito de Março. Apropriada é esta obra da Dama de Ferro, a Baronesa de Kesteven, a lendária líder do Partido Conservador e primeira-ministra do Reino Unido, que não levava desaforo para casa, enquadrava comunistas, sindicalistas, soviéticos e afins, além de baderneiros e todo tipo de adepto della sinistra. Olhar firme, inconfundível voz capaz de estremecer os lacradores de sua época; na minha adolescência não gostava dela porque, um menino que acreditava em coisas de menino e essa senhora gostava de dar discursos e tomar decisões detonando ideias de meus heróis no jardim da infância que não aceitavam a ciência da escassez e queriam revogar as leis de mercado. Então, deixei as coisas de menino (meados dos anos 1990) e passei a entender melhor esta mulher forte enquanto personalidade em meio a um mundo de Guerra Fria. Penso que hoje colocaria no bolso muitos líderes da atualidade, sobretudo aqueles que se dizem “conservadores”. Se ela fosse a primeira-ministra nesses dias, talvez fossem maiores as dificuldades do Putin no tabuleiro geopolítico. O oligarca ex-agente da KGB deita e rola com políticos americanos e europeus no mundo do Leviatã, que não passaram pela escola onde a Dama de Ferro teve que se adaptar.

Neste primeiro volume das memórias de Margaret Thatcher, o tempo de primeira-ministra, com destaque sobre as Malvinas e suas relações estadistas durante a Guerra Fria.

07/03/2022 23h14

Imagem: PlanetadeLibros

Max Gunther

“Existe aquela velha piada do camarada que ficava todos os dias na mesma esquina, acenando os braços e emitindo gritos estranhíssimos. Um dia, um guarda vai até ele e pergunta do que se trata:

‘Estou mantendo as girafas longe’, diz o sujeito.

‘Mas nunca aparecem girafas por aqui’, retruca o guarda.

‘Pois é, tenho trabalhado bem, não tenho?’

Obra: Os Axiomas de Zurique. O 5o. Grande Axioma, 7o. Axioma Menor. Best Bussines, Rio de Janeiro, 2019. Tradução de Isaac Piltcher. De Max Gunther (UK/England, 1927-1998).

Foi na atividade de investidor que a falha tão comum que cometo, em fazer relação ilusória de causa e efeito, em muitos fenômenos da bolsa, passou a ser tratada com a atenção necessária. Tento me policiar na busca de identificações equivocadas de correlações tentando melhorar a qualidade das hipóteses que formulo; neste ponto, nada melhor do que exercer um senso crítico que se predispõe a ser depurado quando percebo o caos ou a desordem para errar menos nessa questão suscitada na obra de Max Gunther, sobre os axiomas de banqueiros suíços.

Uma ilusão no mercado acionário é associar fatores que parecem “tão evidentes” por “pensamento automático” (tomando aqui por empréstimo um termo da da TCC em psicologia) para “explicar” variações de mercado. Isso ocorre quando se analisa, por exemplo, uma companhia por meio de indicadores nos balanços e quando ocorre uma certa valorização das ações, se enxerga “causa e efeito” pelo fundamentalismo, mas quando fundamentos pioram e as ações valorizam? Então se vai em busca de outras “explicações”, com fatores de especulativos que, muitas vezes, estavam presentes quando houve a associação dos bons balanços com as cotações em alta. O mercado é complexo demais para certas simplificações de causa e efeito; valorizações e desvalorizações ocorrem, não raramente, por causas na dispersão que dificilmente serão conhecidas, sobretudo entre “sardinhas”, mas sempre há indivíduos de ternos caríssimos, pagos para dar explicações de causa e efeito sobre coisas que não fazem a menor ideia acerca dos porquês de estarem ocorrendo. Para um público que espera por respostas objetivas, nada melhor do que inventar correlação de alhos com bugalhos. Fora do âmbito de investimentos, quantas vezes me flagrei fazendo associações de causa e efeito equivocadas? Quantas coisas concluí quando não tinham nada a ver? Quantos juízos precipitados? Quantos erros de interpretação por subestimar causas em uma cadeia de problemas? Relações de causa e efeito impróprias podem gerar desgastes nas relações humanas, além de custos imensos pela má alocação do tempo e de recursos financeiros que ocasionam. Como é importante saber questionar para não ser preconceituoso; como é salutar estar aberto a apreciar erros, ter disciplina para desafiar a si mesmo e reconhecer cada vez melhor as próprias limitações, tomando muito cuidado com certezas e sendo amistoso e paciente com dúvidas.

06/03/2022 13h20

Imagem: paul-tillich.com

Paul Tillich

“Quando hoje dizemos que Lutero é responsável pelos nazistas, estamos proferindo um mundo de bobagens. A ideologia dos nazistas é quase o oposto da de Lutero. Lutero não tinha nenhuma ideologia nacionalista, nem tribal, nem racial. Elogiava os turcos por causa de seu bom governo. Deste ponto de vista não existe nazismo em Lutero. Há única situação que há situa-se no conservadorismo do pensamento político de Lutero. O que é apenas consequência de seus princípios básicos. A única verdade na teoria que liga Lutero ao nazismo é ele ter acabado completamente com a vontade revolucionária do povo alemão. O povo alemão não tem vontade revolucionária; é só isso que podemos dizer.”

Obra: História do Pensamento Cristão. Capítulo V. A teologia dos reformadores protestantes, Matinho Lutero, Igreja e Estado. ASTE, São Paulo, 2000. Tradução de Jaci Maraschin. De Paul Johannes Oskar Tillich (Alemanha/Starzeddel, 1886-1965).

Leitura de 2004, época do seminário.

Recomendo a quem associa Lutero ao nazismo, sem considerar o que Tillich pondera (muitas vezes por influência de professores universitários de péssimo preparo), ler na íntegra o Capítulo V desta obra, onde Tillich discorre argumentos interessantes sobre o uso indevido do termo “Estado” à época de Lutero (usava-se Obrigkeit, p.252) e a visão antirrevolucionária sobre a autoridade governamental, por parte do reformador alemão, o que, em certo sentido, pela passividade, pode facilitar a disseminação de regime autoritário, como é o caso do nazismo, porém não significa que Lutero, no século XVI, de acordo com a visão do autor, teve ideias políticas do que viria a ser base do nazismo no século XX.

É importante considerar que Tillich foi pastor luterano, professor e teólogo que fez parte dos intelectuais da (má afamada entre conservadores e adeptos da teoria da conspiração do “marxismo cultural”) “Escola de Frankfurt”. Tillich teve que deixar a Alemanha em meio à circunstância de ter tomado uma posição antinazista no regime de Hitler, o que lhe custou a sua cátedra provocando a emigração aos EUA onde seria naturalizado e empregado como professor no Union Theological Seminary e na Columbia University (New York), ambos de Nova York.

05/03/2022 21h36

Imagem: military-history

Niccolò Machiavelli

“E sempre intervirá pela neutralidade aquele que não é teu amigo, e o que é teu amigo te pedirá para que entre na guerra (descobrir as armas). E o príncipe (governante) mal resolvido, para fugir dos perigos presentes, seguem os mais voltados à neutralidade, e na maioria das vezes se arruínam. Mas, quando o príncipe se decide ousadamente em favor de uma parte, se aquele pelo qual aderiu vencer, ainda que seja poderoso, e que você permaneça à seu critério, ele terá uma obrigação e você terá um laço de amizade. E os homens não são tão desonestos a ponto de cometer a ingratidão de oprimir você. E depois, as vitórias não são tão absolutas que o vencedor não tenha que ter algum respeito e máximas à justiça. Mas, se aquele pelo qual você aderiu perder, você será recebido por ele, enquanto poderá te ajudar, você se tornará companheiro de uma sorte que pode um dia mudar. No segundo caso, quando aqueles que combatem juntos são de uma qualidade que você não tem que temer, tanto é maior a prudência em aderir a um deles, porque você irá a ruína de um com a ajuda de quem deveria salvá-lo, se fosse sábio; e, vencendo, permanece a tua discrição, e é impossível, com a tua ajuda, que não ganhe.

Note-se aqui que um príncipe deve ter a cautela de jamais fazer aliança com um mais poderoso que ele para atacar outros, senão quando a necessidade o compelir, como se disse acima, porque, vencendo, ficará como seu prisioneiro; e os príncipes devem fugir o quanto possam de ficar à discrição de outros.”

Tradução livre.

Obra: Il Principe. CAP.21, Che si conviene a un principe perché sia stimato. Luigi Firpo, Einaudi, 1961, Torino. De Niccolò di Bernardo dei Machiavelli (Repubblica di Firenze, 1469-1527)

Primeira leitura de “O Príncipe” foi em português, em 2003, por uma edição da Martin Claret (2002) com curiosos comentários de Napoleão Bonaparte, nas notas de rodapé. O trecho selecionado é de uma tradução pessoal, livre, a partir da edição em italiano mencionada. Alguns ficam um tanto impressionados com Niccolò Machiavelli (Nicolau Maquiavel, em português), outros usam o termo “maquiavélico” para se referir a alguém sem escrúpulo, cujos fins justificam os meios. Prefiro ver Machiavelli como um observador que descreveu a ação humana na política de seu tempo, com algumas conclusões que parecem não perder a atualidade e, talvez por isso, muitos políticos costumam estudar esta obra. Quanto ao trecho, a visão de Machiavelli sobre a neutralidade não é uma generalização, enquanto quem decide ficar neutro pode sinalizar fraqueza ou má intenção (com quem tenta influenciar), tal posicionamento político pode trazer consequências ruins no desfecho de um processo litigioso de poder ou em meio à batalha militar iminente, isso para quem deseja permanecer de pé no tabuleiro político. Em suma, é preferível, na visão do famoso pensador de Firenze (Florença), analisar bem e fazer aliança política à ficar neutro em conflitos, e para isso é necessário ter sensibilidade de oportunista para extrair ao máximo os benefícios e minimizar os danos, talvez algo um tanto a ser considerado estratégico por governantes nacionais no contexto atual de conflito no leste europeu.

04/03/2022 20h24

Imagem: France 3

Cécile Coulon

“Tragédias familiares sempre parecem insignificantes quando encenadas em um palco diferente do seu […] Temos três famílias. A que sonhamos em ter, a que pensamos ter e a que realmente temos. Já com apenas uma nada é simples, não é à toa que racha […] Ninguém pode salvar ninguém, as pessoas têm que se libertar, sem esperar que uma mão venha e mergulhe nelas para lhes trazer o melhor.”

Tradução livre.

Obra: Le coeur du pélican. Edição da Points, em francês, 2016, Paris, formato físico. De Cécile Coulon (France/Saint-Saturnin, Puy-de-Dôme, 1990).

A romancista e poeta francesa Cécile Coulon é uma menina prodígio, considerando que aos 16 anos teve seu primeiro livro lançado. Nesta obra, lançada em 2015 (quando ela tinha 25 anos), o que mais me impressiona é a espantosa maturidade da jovem escritora para desenvolver dramas onde demonstra ter o talento de mergulhar na posição de quem sofre e faz sofrer. Talvez por isso, entre outras qualidades, possa ser explicado o respeito de críticos literários francófonos por seu trabalho. No romance, Anthime viveu uma infância que parecia ter um “futuro promissor”, mas que não foi realizado por uma fatalidade. Então ele envelheceu entristecido e mergulhou em uma vida onde se sente medíocre; é um francês médio com uma profissão chata e um casamento sob crise que termina em abandono do lar. O drama da esposa e dos filhos o coloca na posição de vilão (impossível não detestá-lo no começo), mas o homem quebrado, desprezível, amargurado, perdido, fracassado, em meio às tragédias e aos desencontros na vida, experimenta uma oportunidade para ter um encontro consigo mesmo, revivendo ou se reconectando com o que deixara no passado até então deslumbrante. Ele conseguirá superar suas dores e se refazer no que lhe resta na vida?

03/03/2022 22h42

Imagem: IEA

Bresser-Pereira

Imagem: FGV

Yoshiaki Nakano

“A proposta que fizemos de política antiinflacionária é uma proposta de controle gradual da inflação via controles administrativos de preços e rendas, inclusive desindexação parcial e planejada de economia, combinada com medidas de redução do déficit público e da oferta monetária à medida em que a inflação vai baixando. As políticas monetárias e fiscal aparecem, assim, de forma subordinada na medida em que a oferta monetária e o déficit público, quando a inflação é autônoma, são apenas fatores sancionadores da inflação.”

Obra: Inflação e Recessão. A teoria da inércia inflacionária. Editora Brasiliense, 3a. edição, 1991, São Paulo, p. 104. De Luiz Carlos Bresser-Pereira (Brasil/São Paulo, 1934) e Yoshiaki Nakano.

Leitura de 1995 quando jovem buscava respostas sobre um problema que me despertou interesse desde a adolescência no final dos anos 1980. Da primeira (1984) a terceira (1991) edição deste livro, o caldeirão inflacionário no Brasil fervia e a ideia de “controles administrativos de preços” dominava (e ainda domina) o imaginário popular, com a chancela da mais alta cúpula de intelectuais versados em economia no âmbito do mainstream, que a torna com ar de “racional”, “científica”, “tecnicista”. Assim ocupa o centro do debate bem amparada por mestres e doutores, sobretudo quando combinada com conceitos de “redução do déficit público e da oferta monetária”, esta última como um eufemismo sobre as origens da inflação, onde o sintoma é (propositalmente?) confundido com a “causa causante”, como diria Roberto Campos. Os autores sugerem o processo “em etapas” (p. 105), sem abrir do congelamento em um determinando momento, enquanto reconhecem que, em seguida ao que chamam de “dia D”, a inflação (o índice) não cairá para zero porque “será impossível controlar todos os preços” (p. 105), mas “o mecanismo mantenedor da inflação terá sido quebrado, senão totalmente, em grande parte.”. É, a economia se torna mais sedutora quando o estudo da escassez dá lugar a ideias de planejadores centrais que deixam a impressão de que estamos falando de uma ciência que funciona na base de uma mecânica bem previsível, sem o peso da dispersão de conhecimentos, pois estão todo munidos de “precisas” demonstrações matemáticas onde “combinar com os russos” é apenas um “detalhe”. Pois bem, um dia encontraremos o tão desejado “câmbio de equilíbrio” e seremos todos felizes…

02/03/2022 22h48

Imagem: OCC

Antônio Lopes de Sá

“Ninguém conseguiu, até os nossos dias, identificar o autor das “partidas dobradas” nem apresentar provas das aplicações destas tal como o fizeram os italianos antes da época referida (embora existam antiquíssimos documentos que autorizam a crer que a intuição para o processo tenha nascido no Oriente).

Há mais de sete séculos, pois, adota-se um critério que se tornou insuperável e cuja natureza é de evidenciar “Causa” e “Efeito” de um ou mais fenômenos patrimoniais.”

Obra: Luca Pacioli: um mestre do renascimento. Edição da Fundação Brasileira de Contabilidade, Brasília, 2004, Capítulo II p. 25., em formato digital. De Antônio Lopes de Sá (Brasil/Minas Gerais, 1927-2010)

Leitura imprescindível produzida pelo contador que foi um dos maiores intelectuais do Brasil, ideal para quem deseja começar um mergulho nas raízes da Contabilidade, em especial quanto à apreciação do que representou Luca Bartolomeo de Pacioli (Italia/Sansepolcro, 1447-1517) no contexto da evolução das partidas dobradas na modernização desta ciência, hoje tão desprestigiada em tempos de hiperburocracia, inclusive entre contadores. As referências bibliográficas, a forma como Lopes de Sá aborda as questões em torno de Pacioli, como fruto de sua vasta erudição, para mim é uma preciosa fonte de inspiração. Gigante foi o Lopes de Sá e quando a Contabilidade me vem à mente, entre tantas coisas que a enobrecem na minha atividade de investidor, penso no que disse Goethe, em citação feita por Ludwig von Mises em Ação Humana, sobre as partidas dobradas: “uma das mais belas invenções da mente humana” [1].

  1. Ação Humana, Capítulo 13, O Cálculo Econômico como um Instrumento da Ação.

01/03/2022 20h34

Wolfgang Venohr

“‘Stalingrado não é para mim uma batalha perdida, mas me revela um sistema de liderança que – se não mudar – levará sem dúvida ao desastre de toda a guerra!’ […] Mais do que nunca, ele era da opinião de que ‘Ele’ tinha que desaparecer.”

Tradução livre

Obra: Stauffenberg, Symbol of Resistance: The Man Who Almost Killed Hitler. Edição de 2019, em inglês, página 161, no Kindle, disponível na Amazon. De Wolfgang Horst Walter Venohr (Alemanha/Berlin, 1925-2005).

A leitura desta obra no ano passado foi muito importante para compreensão de detalhes no contexto do comando nazista e a insatisfação que aflorou na alta cúpula militar em relação à condução de Hitler na Segunda Guerra. O oficial alemão Claus Philipp Maria Schenk Graf von Stauffenberg (Alemanha/Jettingen-Scheppach, 1907-1944) foi o principal agente de um plano envolvendo uma bomba, executado na “Toca do Lobo” em 20/07/1944, para assassinar Adolf Hitler e dar um golpe de estado por meio da operação Valquíria. A bomba explodiu mas, infelizmente, Hitler sobreviveu e Stauffenberg terminou preso e executado, junto com os demais cúmplices. O trecho é a parte que mais me chamou a atenção na obra, no capítulo 5, onde o jornalista e escritor alemão Wolfgang Venohr discorre o processo em que Stauffenberg chegou no “ponto de ruptura” com o regime, a perceber que a liderança de Hitler significava estar sob uma obediência cega entre oficiais sem qualquer espaço para questionamentos técnicos face às decisões do “fühher”, sobretudo na condução das tropas e dos recursos, cada vez mais escassos, assim como do sentido da Guerra em si. Na segunda parte da citação, ‘Ele’, é uma referência a Hitler; Stauffenberg entendeu que alguém ou algo tinha que remover Hitler do comando supremo do país para tentar evitar um desastre com uma guerra que já estava perdida. O sistema de poder blindava Hitler de tal maneira que Stauffenberg não viu outro caminho a não ser o de tramar um atentado. O jovem oficial conspirador era culto, de uma família ligada às tradições reais, tinha um apurado senso crítico e um currículo militar denso. Como um típico alemão bem sucedido era extremamente disciplinado. O plano para matar Hitler foi, basicamente, movido por motivações de um nacionalista (por isso não cabe ser romantizado) que percebeu (entendo que tarde demais) que Hitler e o partido nazista estavam levando a Alemanha para o abismo.

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