09/11/2025 08h34
Imagem: Cultura Animi

“The behavior of individuals is much less influenced by the external forces pressing upon them than by an invisible director who determines their actions from within.”
Obra: ON POWER: The Natural History of Its Growth. Book IV. The State as Permanent Revolution. XI Power and Biliefs. Liberty Fund, 2020, Indianapolis. Traduzida para o inglês por J. F. Huntington. De Bertrand de Jouvenel des Ursins (France/Paris, 1903-1987).
Como foi possível o surgimento dos primeiros monarcas? Por que indivíduos idolatram políticos? Esse fenômeno se explica apenas com base em seus interesses econômicos? Por que muitas vezes quem é gentil em boa parte do tempo, se transforma em uma pessoa agressiva e irracional quando passa a falar sobre política? Por que determinado político desperta ódio e, ao mesmo tempo, veneração? Como foi possível um Stalin, um Hitler e um Mussolini?
Nesta obra de Bertrand de Jouvenel, encontrei essencialmente uma resposta: Pelo poder prioritário que as crenças exercem sobre o uso da razão.
Para Bertrand de Jouvenel, o comportamento dos indivíduos é muito menos influenciado por forças externas que provocam pressão sobre eles do que por um “diretor invisível” a determinar suas ações internamente. Quem governa, de certa forma, espelha uma crença coletiva que foi direcionada a um propósito político. O trecho (p. 214) me remeteu a uma palestra de Dario Fabbri. O italiano analista de geopolítica – a qual acrescenta “humana” – na ocasião afirmou que “não foi Putin quem criou a Rússia, mas foi a Rússia que criou Putin” [484], e assim resumi o argumento:
“Não foi Putin quem criou a Rússia, mas foi a Rússia que criou Putin” (4:08); a guerra da Ucrânia “não é a guerra de Putin” (9:00) , e sim de uma coletividade russa forjada pela cultura, pelos costumes, por uma visão peculiar de si mesma, em uma questão de psicologia coletiva; “é uma guerra profundamente russa” (11:10), “é a Rússia que invade a Ucrânia” (11:11), mesmo que Putin seja um ditador, é preciso haver um consenso que vem pela visão coletiva em concepções que motivam o conflito.
Lula seria então um produto de uma determinada psicologia coletiva brasileira (“O Filho do Brasil”), assim como Bolsonaro, a representar outra coletividade psicológica regida por crenças que amaldiçoam as crenças gravitando em torno do que representa Lula. Trump seria um produto do ressentimento neocon americano que impõe a conservação de seu imperialismo, não que os democratas pensem diferente quanto a essa primazia. O ódio a Trump se concentra – em parte – nos que resistem a esse imperialismo, e a veneração reside em vassalos que buscam manter seus privilégios no tabuleiro geopolítico.
Um sujeito bem sucedido no poder, nessa concepção, seria um expert em tomar proveito de crenças que predominam na população. Penso aqui no que Bertrand de Jouvenel considera a regularidade no seio social que é produzida por um código de crenças e valores morais profundamente enraizado na natureza humana em sociedade (p. 214). Na antiguidade, esse código tinha um peso considerável para sinalizar ao monarca seus limites; “quanto menos avançada for uma sociedade, mais sagrados serão seus costumes”, sintetiza o autor (p. 217). De certa forma, no primitivo sistema de leis divinas, para conquistar o poder político, o pretendente precisa se libertar do “medo subjacente de pôr em movimento forças invisíveis que estão por toda parte” (p. 218).
Para o poder se expandir é preciso haver uma conexão sustentável com “costumes populares” e nesse contexto se desenvolvem pequenos arranjos ou governantes locais, necessários à regulação de ações . No entanto, o poder desde os tempos remotos vai sempre se expandindo pelo egoísmo que o impele, de maneira que se estrutura em formas que os costumes e as crenças sofrem rebaixamento e podem se tornar ruínas sob a força política que se expandiu (p. 215).
Sobre o que resumo no parágrafo anterior, pensei em quanto o estado moderno democrático de direito bem minando o indivíduo em favor de uma ideia de coletividade. Contudo, o fenômeno mais traumático se deu em regimes autoritários que começaram com grande apoio popular e recorreram à violência repressiva. Pensei no amplo apoio que os nazistas obtiveram na Alemanha nos anos 1930, assim como os fascistas gozaram na Itália dos anos 1920 até meados dos anos 1930, bem como o apoio significativo de eleitores por regimes socialistas mais avançados, em termos de controles, ao longos dos últimos 100 anos, e como os valores que predominavam nas massas que foram conquistadas, vão se perdendo. Suas crenças foram direcionadas, diria, conduzidas ardilosamente, para o que se apresentou como projeto de realização que se mostra adiante, falso, enganoso, em um estágio avançado. Depois que caem nessa armadilha, tornam-se mais vulneráveis à repressão porque perderam boa parte do vigor original que moldavam suas crenças e seus valores.
Em matéria de política, primeiro se crê, só depois é que se racionaliza e não raramente é tarde demais, penso. Nessa relação, a idolatria política se estabelece pelo parâmetro da fé priorizada sobre a razão. Então, um petista e um bolsonarista representam dois credos em conflito no estilo de “jihad” e, nesse sentido, da mesma forma que um comunista e um nazifascista são dois tipos de “crentes fundamentalistas” em “guerra santa”, ambos nutridos pela intolerância radical que não admite o outro que pensa diferente, por isso, muitas vezes são tão perigosos quanto religiosos fanáticos que condenam ao inferno quem não acredita em suas crenças.
Pensei o quanto Hitler, Stalin, Mussolini, Maduro, Chávez, Fidel Castro, Putin, Trump, antigos, medievais e modernos, entre tantos outros líderes autoritários, conforme seus graus variados de tirania, chegaram mais ao poder entendendo o que Bertrand de Jouvenel chama de “diretor invisível” que, penso, predomina a formar uma “psicologia coletiva”. Tiranos de sucesso entenderam que não adianta tentar apenas influenciar a massa apenas externamente. Não se forma uma nação de comunistas ou de nazifascistas alienados somente por simples vontade de quem pretende comanda-la politicamente. É preciso entender crenças e valores em evidência para canalizar sentimentos e desejos mais profundos, de maneira que se tornem úteis às intenções de quem almeja possuir o poder.
484. 12/11/2022 23h32