On brûlera, pelo talento da compositora e intérprete Claire Isabelle Geo Pommet (France/Décines-Charpieu, 1996), simplesmente Pomme, para Uma leitura ao dia, obra aberta que queima e refaz, uma cifra de meu eterno retorno.

Imagem: Grattacielo Intesa Sanpaolo

Alessandro Barbero

“[…] l’esercito era pieno di immigrati originali delle tribù germaniche […]”

Obra: 9 agosto 378 il giorno dei barbari. II. L’Impero e i barbari. 1. Laterza & Figli Spa, 2013, Roma-Bari. De Alessandro Barbero (Italia/Torino, 1959).

Torno à obra do erudito professor do Piemonte ao olhar para o tema da queda do Império Romano (do Ocidente), nos desdobramentos do fatídico 9 de agosto de 378, a derrota da batalha de Adrianópolis, que me é sempre interessante quando escuto comparações que consideram em franco processo de decadência o “Império Americano” (tenho parcial concordância com esse tipo de compreensão).

São dois contextos bem distintos. Separei um detalhe neste capítulo que, vez ou outra, aproxima o que ocorrera com os romanos, sobretudo em relação aos “bárbaros” de origem germânica (p. 40): a presença de imigrados (usamos mais no gerúndio) no exército romano. Nos Estados Unidos, a presença de imigrantes vai muito além das questões em torno da cidadania; envolve interesses por benefícios e reconhecimento em uma sociedade que tem certa admiração pela carreira militar [390]. Na romana, a militarização fazia parte da educação de base compondo uma visão conquistadora de mundo e os estrangeiros, que faziam carreira, eram considerados fiéis, após serem notabilizados pela grande capacidade de combate que poderia resultar em vantagem para o serviço militar.

Se de uma forma mais simplista, entre populares da Roma imperial, a ideia de “bárbaros” se integrando cada vez mais à sociedade pudesse ser vista como um grave problema, pois eram vistos pelos antepassados como “bestas” e não homens (p. 45), nos palácios não se pensava assim: eram tidos como recursos humanos, mão-de-obra barata a qual precisava um império imenso para se defender (p. 46), além de servirem para abastecer os setores produtivo e da burocracia.

No IV século os bárbaros então buscavam uma melhor qualidade de vida nos territórios controlados por Roma, diante dos problemas que enfrentavam vivendo em suas tribos; fome, miséria e violência (p. 47), à semelhança de muitos estrangeiros, muitos latino-americanos que hoje tentam ingressar nos Estados Unidos. A ideia de um Império Romano decadente não havia neste tempo (p. 35), pelo menos sob a perspectiva dos povos em imigração. A “invasão bárbara”, antes de Adrianópolis, aconteceu primeiramente de forma pacífica, baseada na submissão ao ordenamento romano; era uma via dupla de interesses, pois de um lado os políticos e empreendedores do Império precisavam de gente para suprir necessidades econômicas e militares, e por outros os não-romanos, os de fora, os “bárbaros”, ingressavam na esperança de benefícios onde fora dos domínios de Roma não era possível obter (p. 48).

390. Ver matéria da MIT Press: https://thereader.mitpress.mit.edu/the-real-motivations-behind-immigrant-enlistment-in-the-u-s-military/

Imagem: German Routes

Goethe

“O homem é sempre homem, e a pequena se de bom senso que este tem a mais do que aquela pouco pesa na balança quando as paixões fervilham e os limites do humano nos sufocam.”

Obra: Os sofrimentos do jovem Werther. 12 de agosto. L&PM Editores, 2001, São Paulo. Tradução de Marcelo Backes. De Johann Wolfgang von Goethe (Deutschland/Frankfurt am Main, 1749-1832).

“Werther é uma cifra de juventude pulsando, naquela ilusória fase da vida que passei onde a maturidade ainda estava na infância em um corpo gemendo de contradições por se ver adulto”, foi a primeira anotação que fiz na pós leitura deste romance em cartas e com possíveis doses de autobiografia, obra que tornou Goethe conhecido na Europa.

Vejo a paixão de Werther por Carlota sendo uma metáfora da busca do absoluto que se apodera da juventude, muitas vezes envolvida na incapacidade de discernir a espiritualidade na coisa mais necessária ao homem, conforme define na carta seguinte (15 de agosto), o amor. Nessa intensidade comovente, Werther aceita o sofrimento, talvez por confundir o que sente por Carlota com o frenesi que apetece à paixão que ronda as coisas da vida, tão sedutora dos prazeres que atendem às realizações pessoais.

Werther se entrega a uma sincera, honesta e corajosa busca, no entanto, sua juventude o faz mártir dos próprios sentimentos, sendo o que explora por Carlota uma ilustração do quanto “antissocial” aos padrões podem ser considerados e, penso, sua visão da vida diante do “prendado” Alberto, o noivo racional, aparentemente maduro o suficiente para não sucumbir ao que pensa sobre Werther, compõe uma dialética que destrava um ponto de provocação constante ao leitor, quando familiarizado com os dilemas morais que forçam o protagonista a advogar em causa própria, mesmo tendo certa consciência de que alimentará cada vez mais sua agonia.

Acusar este romance de “deprimente” ou “incitador ao suicídio”, penso, é uma injusta visão, certamente pautada pelo viés vazio de poesia que acomete a Alberto, o que pode atrair leitores avessos ao espírito proto-existencialista de Werther. Entendo que o jovem Goethe nesta obra ensaia sua genialidade ao exibir inconvenientes entranhas da intimidade do ser em um encontro com o imponderável, problema que se expande para quem tem coragem de tentar descobrir até onde pode resistir na busca pelo absoluto.

Imagem: Intrínseca

Syou Ishida

“Mimita a observava sentado no canto do quarto,. Seus olhos pareciam pedir algo. Será que queria sua atenção? Ou será que sabia o que ela queria, do que ela precisava?”

Obra: Vou te receitar um gato. Capítulo cinco. Intrínseca, 2024, Rio de Janeiro. Tradução de Eunice Suenaga . De Syou Ishida (Japão/Quioto, 1975).

Lady Laila

Logo de manhã Lady Layla, que nunca saía do segundo andar desde quando foi acolhida pela minha esposa em 2015 com seus dois filhotes, assim que escutava minha voz do térreo, começava seu ritual:

– Ela tá chamando “Leo? Leooo? Leeeeeeo?” – traduzia minha esposa.

O miado era proporcional a demora. Uma vez atendida, minha chegada era sempre marcada por um olhar fixo em minha direção. Sentia-me como parte de seu ecossistema ao lado do filho que não foi adotado, o “cabrinha”, vugo “seu lunga”, hoje um gatão não-me-toque-que-eu-não-te-incomodo.

Desenvolta diante das câmeras, tirava-me do sério em algumas reuniões no Zoom, enquanto arrancava risadas de clientes, quando não praticava saltos da prateleira dos livros à mesa dos notebooks com uma incrível precisão para não cair sobre os teclados.

Pelo olhar e por patadas no calcanhar, era Lady Laila a se comunicar…

Os olhos, para agradecer… o leite, a agua, a ração reposta e alguma guloseima surpresa…

E as patadas… lembrar-me de que já estavam no fim.

A tampa da impressora, ao lado do computador do suporte remoto, seu cantinho preferido para a soneca da beleza, hoje amanheceu vazio. À tarde, cabrinha deitou no mesmo lugar, da mesma forma, e por um instante me olhou a perguntar. Respondi:

– Nossa querida Lady Laila, descansou.

Imagem: El Español

Umberto Eco

“[…] não louva a simulação, que serve para mostrar aquilo que não se é, mas a dissimulação, que serve para não mostrar aquilo que se é – praticando aquela falsa modéstia que Kant, pelo contrário, condenava. […]”

Obra: Aos Ombros de Gigantes. Dizer o Falso, Mentir, Falsificar. Lições em La Milanesiana 2001-2015. Gradiva, 2018, Lisboa. Tradução de Eliana Aguiar. De Umberto Eco (Itália/Alexandria, 1932-2016).

Umberto Eco se refere (p. 257) à obra Della Dissimulazione Onesta, de Torquato Accetto (1580-1640), uma indicação de leitura que estou em busca.

Há um tempo ando pensativo sobre “simulação” e “dissimulação”, o que me fez tornar a esta edição portuguesa, um “auto-presente” em uma livraria de Lisboa (2018). A citação direta feita por Umberto Eco sobre a “dissimulação honesta” me fez voltar 23 anos para lembrar de um senhor discreto e disciplinado que fazia parte da equipe da faxina de um Encontro de Casais com Cristo (ECC); turma da pesada para banheiro, cozinha, refeitório, salas… Após alguns anos descobri, por terceiros, que ele é um juiz de direito.

Volto a Umberto Eco que o “século do barroco” refletiu “com maior sutileza” sobre os problemas da simulação (p. 256). Parecer o que não é em um tempo de absolutismo; “o século dos mentirosos teatrais” em que se contou “mais a aparência do que o cerne das coisas” (p. 257). As duas últimas expressões não soam familiares ao nosso tempo?

As redes sociais deram uma amplitude de simulação jamais possível nos tempos barrocos, e aqui penso estritamente no marketing político. Tudo vira oportunidade para promoção da imagem: lembrei-me de um conhecido ateu que entrou na política e uma das coisas que logo notei foi a de parecer um “católico”. Pensei nas postagens promocionais no dia das mães, de políticos que se velam como filhos “dóceis”, “atenciosos”, “amáveis”, onde a homenagem, a quem de fato merece, fica em segundo plano com maior destaque a quem homenageia em uma inversão subliminar de propaganda. Nem o dia dos namorados escapa com a “eterna” e “única” namorada, revelando um curioso alto índice de monogamia e fidelidade nesse meio.

A figura do empresário que entra no negócio da política é outra situação curiosíssima sobre o tema: de repente, em tempo de eleição, a política oferece “grandes gestores”, personalidades que comandam “negócios muito bem sucedidos” agora à disposição da sociedade ávida por uma “renovação”, no entanto, a realidade de muitos desses “exímios administradores” costuma revelar algo bem diferente. No mais, a maior simulação que desconfio me remete a quem se candidata, talvez, pensando apenas em acessar o fundo partidário.

Imagem: confindustriaemilia.it

Frederico Rampini

“Chi voleva capire il futuro, doveva visitare l’America.[…]”

Obra: America. 1. Grande como un continente: un primo giro a volo d’uccello. Plasmatti dall’imigrazione. Solferino, 2022, Milano. De Frederico Rampini (Italia/Genova, 1956).

Uma obra para vários registros. Possibilitou-me um leque de perspectivas sobre os Estados Unidos para evitar clichês e estereótipos. Rampini é de um espírito crítico leve, sofisticado. Não pretende defender a América, mas tão-somente discorrer sobre seus 22 anos anos de vida por lá (p. 76) em uma vasta experiência onde fora correspondente na Casa Branca.

A afirmação no trecho (p. 91) desta Leitura hoje em parte é verdadeira, pondera Rampini, ao mencionar o Silicon Valley, no entanto, a Ásia está para lembrar que “a modernidade nem sempre está em casa na América” (p. 92). Parei para pensar que boa parte dos serviços essenciais de TI que recorro estão nos Estados Unidos. A vanguarda nas companhias americanas é algo que me fascina, aqui em uma separação que considero crucial face ao que penso sobre o Estado em termos de geopolítica, o que, ironicamente, liga-me à inovação que encontrou porto seguro na liberdade econômica, isso posto en passant à narrativa de que figuras como Bill Gates e Steve Jobs seriam impossíveis no Brasil cuja mentalidade predominante é intervencionista. Até que ponto os Estados Unidos são esse porto seguro da inovação apenas pela liberdade econômica e o quanto pesa o controle financeiro global que impõe ao mundo, por meio de sua moeda fiduciária, no sentido de ser uma força poderosa mais política do que econômica na atração de investimentos e capital humano?

Um país continental, de uma multiplicidade cultural extraordinária onde um sujeito do Texas pode estar tão distante dos nova iorquinos quanto um estrangeiro, um sul americano, um asiático, um europeu (p.94), lembra Rampini, e penso, da mesma forma que um sertanejo está mais para um extraterrestre na selva de pedra de São Paulo. Adverte Rampini os marinheiros de primeira viagem no Tio Sam que “grande parte dos Estados Unidos é contrária a Nova York” (p. 93); associar o país a esta cidade é um das ilusões a serem evitadas, o que ilustra as duas “Américas”, a dita “conservadora” e a “progressista”, em termos políticos, que não falam uma linguagem comum e não buscam um entendimento para dar um sentido ao país (p. 97). Vivem em duas realidades paralelas, “como se fossem dois planetas distantes anos-luz” (p. 94).

Imagem: AP

Revolução Iraniana

“[…] The demonstrators kissed the soldiers and gave them flowers, in an attempt to emphasize their solidarity with them. In a return gesture, many of the soldiers placed the flowers in the barrels of their machine guns.”

Obra: The Iranian Revolution: A Case Study in Coercive Power Consolidation. II. THE ARMED FORCES. A. PRE-REVOLUTIONARY SCENARIO. NAVAL POSTGRADUATE SCHOOL MONTEREY, CALIFORNIA, 1994. De Mark Jonathan Roberts.

A imagem de soldados que patrulhavam as ruas de Teerã é de dezembro de 1979, tirada por Michel Lipchitz da Associated Press. O contexto aparenta ser próximo ao de janeiro daquele ano, descrito pelo autor desta tese publicada pela Escola Naval de Monterey, sobre a consolidação do poder na Revolução Iraniana.

O Xá Mohammad Reza Pahlevi (1919-1980), aliado dos Estados Unidos à frente de um regime autoritário, não suportou as pressões internas e decidiu deixar o país. Manifestantes que eram contrários ao seu governo, decidiram então buscar a simpatia dos soldados que patrulhavam as ruas de Teerã: “Os manifestantes beijaram os soldados e lhes deram flores, tentando enfatizar sua solidariedade com eles. Por retribuição, muitos soldados depositaram flores nos canos de suas metralhadoras”, menciona o então capitão da Força Aérea dos Estados Unidos com base em matéria de 15 de janeiro do New
York Times
(p. 24).

Um regime de autoritarismo caiu para dar lugar a outro autoritário. O primeiro, uma monarquia, e o segundo, um modelo híbrido, na forma de república islâmica não árabe que elege um presidente pelo voto, mas a palavra final fica com o aiatolá. Assim pode ser sintetizada a passagem de poder pela Revolução Iraniana de 1979. O caso do Irã me faz lembrar da conversa que tive com um senhor que participou de protestos contra o regime militar no Brasil, durante os anos 1970, onde revelou que à época não se importava com a proposta que emergia de movimentos de esquerda: implantar um regime de “ditadura do proletariado” alinhado com a União Soviética e Cuba. No caso do Irã, a ditadura implantada não foi à moda socialista do proletariado, mas ao gosto de Ruhollah Khomeini (1902-1989), teocrática que, no vazio deixado pelo Xá, implementou um modelo de poder onde falava em nome de Alá, sendo o seu único porta-voz.

Saudar militares com beijos e flores foi uma estratégia de alguns militantes que conviviam com o temor de que as forças armadas estavam organizando um golpe de Estado com a saída do Xá, tendo um histórico de centenas de iranianos assassinados durante o período em que tentavam manter o monarca no poder (p. 24). No entanto, foi no retorno de Khomeini que um quadro de perseguições a opositores e minorias se concretizou pela implementação de sua figura como “Líder Supremo”, de maneira que qualquer ato contra sua autoridade passou designado como blasfêmia (p. 104), e um exemplo pode ser verificado no desfecho da resistência do Partido do Povo Muçulmano, que discordava das interpretações de Khomeini que entronizavam a si mesmo: “Em 11 de janeiro de 1980, a Guarda Revolucionária tomou os escritórios do Partido do Povo Muçulmano em Tabriz e efetuou a prisão de vários membros da instituição. No dia seguinte, onze membros foram sumariamente executados por ‘travar guerra contra Deus e seu mensageiro’. Em 26 de janeiro, mais quatro membros do partido foram executados por planejar um golpe. Em 23 de maio, mais dois membros do partido foram executados por participarem dos levantes de dezembro de 1979” (p. 104).

Lembro-me de ZW ter citado em uma de suas aulas impactantes que revoluções normalmente significam a troca de um regime autoritário por outro. A imprevisibilidade está mais nos danos potenciais. A francesa, a soviética, a cubana, a norte-coreana que o digam. Tomei esta lição em 1996 e quando eclodiu Chávez na Venezuela, pude perceber o padrão. A iraniana não ficou para trás, apesar da grande resistência, havia no país um sentimento coletivo em favor de mudanças e assim Khomeini se instalou. Sobre o Irã de 1979, explicou ZW, seguiu o padrão de explorar o desespero da massa, humilhada nos últimos suspiros de um regime perverso, a servir para compor uma poderosíssima energia canalizada para consolidar um novo regime tão ou mais autoritário, travestido de esperança. No deslumbramento da mudança, o povo sob um movimento revolucionário parece incapaz de perceber o que está patrocinando. O fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha, a Era Vargas no Brasil, civis e setores da Igreja que apoiaram o golpe de 1964, de início todos amplamente aprovados pelo povo, desenvolveram-se sob essa mesma ilusão catastrófica.

Após os recentes bombardeios dos Estados Unidos, penso, em uma eventual mudança de regime no Irã, parece-me oportuno considerar que lá nasceu o terrorismo internacional do Hezbollah, o que tem peso nos sinais de fragilidade dados pelo atual sistema de aiatolás.

Imagem: The Washington Institute for Near East Policy

Mehdi Khalaji

“The constitution of the Islamic Republic, adopted in December 1979, stipulated that Iran’s Supreme Leader would be chosen from among those marjas (top Shia religious authorities) who had both a considerable following and some facility with statecraft.”

Obra: The Regent of Allah. Ali Khamenei’s Political Evolution in Iran. 6. Supreme Leader. Rowman & Littlefield, 2023, London. De Mehdi Khalaji (Irã/Qom, 1973).

Mehdi Khalaji viveu 14 anos no seminário iraniano de Qom, onde estudou princípios islâmicos e jurisprudência sob a direção do aiatolá Hussein Ali Montazeri e do aiatolá Hussein Vahid Khorassani. Escreveu e traduziu artigos para os jornais Jameh e Entekhab e para as revistas Kian e Naqd va Naza. Foi professor de filosofia na Universidade de Qom e em 2000 deixou o Irã para estudar teologia xiita e exegese na École Pratique des Hautes Etudes da Sorbonne.

Parafraseei este trecho (p. 79) para explicar sucintamente o regime do Irã a um simpatizante um tanto utilitarista das posições antiamericanas, não importa quem esteja nesse empenho, e que milita em um partido de esquerda no Brasil:

Imagine no Brasil uma Constituição que determine a eleição do “Líder Supremo” do país entre bispos de igrejas “cristãs” fundamentalistas, com base em um número considerável de seguidores e alguma habilidade na arte de governar. Tais bispos, enquanto propagadores da ideia de uma “teocracia” (talvez a mais nociva forma de poder), são radicalmente intolerantes a LGBTs (com todas as letrinhas complementares). Refiro-me a um líder escolhido entre pares que têm orgulho de serem misóginos, além do total desprezo a cristãos que não concordem com suas doutrinas e interpretações da Bíblia, a incluir nesta lista de restrições: judeus, ateus, agnósticos e qualquer pessoa que lhes faça oposição política. Eis o que acontece no atual regime iraniano em relação a quem exerce o poder e o seu processo de escolha na figura do aiatolá entre as marjas (altas autoridades religiosas de viés xiita).

Afirma Mehdi Khalaji que “o Líder Supremo governa como representante de Alá na Terra e, portanto, porta o “direito divino” de governo absoluto, tanto política quanto judicialmente” (p. 79). No Irã prevaleceu a ideia de Khomeini onde “os interesses do regime devem sempre prevalecer sobre a sharia” (p. 81). O resultado é um regime onde há o aiatolá, o monopolizador do direito divino, e o presidente da República, eleito pelo voto popular com candidatura aprovada por um “Conselho de Guardiões”, uma espécie de aprovação religiosa que força o viés do candidato. A estrutura política fornece ao executivo eleito pelo povo um poder limitado, pois “não tem qualquer influência sobre as Forças Armadas, as emissoras nacionais de rádio e televisão e muitas organizações econômicas” (p. 16).

Não adiantou indagar sobre se o interlocutor poderia defender no Irã, sem correr risco de prisão ou coisa pior, causas progressistas como costuma fazer no Brasil, muitas delas relacionadas a direitos dos LGBTs e das mulheres. O jovem reforçou contundentemente o argumento de que o Irã é um importante player no Oriente Médio para promover a ideia de um mundo multipolar contra o “império do caos”, o que me fez lembrar do livro cujo título original é homônimo em inglês, de Pepe Escobar [389]. Não adiantou também mencionar casos de humilhações pelas quais mulheres iranianas são submetidas, tampouco as radicais restrições as liberdades política e de imprensa, tampouco ter-lhe contado o caso da jornalista italiana Cecilia Sala, presa em Teerã em dezembro do ano passado, libertada em janeiro, acusada arbitrariamente de “violar as leis da República Islâmica” enquanto trabalhava na produção de matérias para a empresa Chora Media. A jovem e talentosa produtora de conteúdo foi para um confinamento solitário na prisão de Evin, conhecida pelos maus tratos. Há suspeita de que sua liberação se deu após negociações entre os governos mediante a liberação da jornalista em troca da libertação de um prisioneiro iraniano na Itália.

A paixão ideológica na política funciona de forma similar à que promove o fanatismo religioso. A crença é soberana, não importando se fatos a contrariem, embora nesse meio, ironicamente, apela-se tanto para a “ciência”. A fé em uma ordem multipolar de estados nacionais para o enfrentamento do império americano é um caso; sedutora, esfarela-se com um mínimo juízo de seus componentes mais destacados. Eu também entendo que o império americano é perverso, mas não acredito que um caminho para a multipolaridade implique em depositar fé na China, com um regime de partido único comunista e na Rússia, sob o manche de oligarcas com a gerência de um ex-agente da KGB com a frieza de bombardear civis enquanto rotula o ato como “operação militar especial”. Tais aparatos estatais que militam pela multipolaridade não estão isentos de contaminar a tese que defendem com seus problemas internos que dizem respeito ao autoritarismo de seus respectivos regimes. Ou será possível que, em uma agenda global de protagonistas, deixarão de praticar as restrições sobre os que defendem causas civis que implicam em sérios problemas com a liberdade de expressão? Será que para os de casa serão implacáveis enquanto flexíveis com a agenda externa? Será que produzirão um ambiente livre da mentalidade de perseguição aos que lhes fazem oposição, onde internamente costuma render prisão, condenação a trabalhos forçados e até em morte não esclarecida sob a custódia do Estado? Haja crença para sustentar suas “boas intenções” onde no BRICS, o avatar globalizante desta esperança multipolar, reside também como membro o Irã, e penso… nada mal se aliar a um estado promotor do terrorismo internacional para quem deseja derrotar um império que subjuga e policia o mundo.

389. 28/09/2024 14h35

Imagem: Monitor do Oriente Médio

Shlomo Sand

“Os mitos centrais sobre a origem antiga de um povo prodigioso vindo do deserto, que conquistou pela força um vasto país e ali construiu um reino faustoso, serviram fielmente à prosperidade da ideia nacional judaica e à ação pioneira sionista.”

Obra: A Invenção do Povo Judeu. Segunda Parte. “Mito-história”: no princípio, Deus criou o povo. A terra se revolta. Benvirá, 2011, São Paulo. Tradução Eveline Bouteiller. De Shlomo Sand (Áustria/Linz, 1946).

Em meu diário de leituras, eis uma lembrança de quando atualizei o “não julgue o livro pela capa”, inserindo “não o julgue pelo título” e “nem pelo ar de ‘poucos amigos’ do autor”.

Mais uma obra que apreciei através da não-recomendação (muitas vezes mais eficiente que a intenção contrária). Alguém com aquela velha síndrome do “deixa que eu decido o que é melhor para você!”, lá pelos idos 2016 me falou “não leia, é polêmico demais”, sendo o suficiente para conferi-lo. Realizar o apreço desta obra de forma desarmada aqui serve de exemplo de como a experiência de leitura, para ser enriquecedora do intelecto, depende do saber “ouvir” o autor com paciência, desatado de pré-conceitos.

A conquista da Cisjordânia na guerra de 1967, em meio a um contrassenso legalista, possibilitou o aprofundamento de pesquisas arqueológicas a acadêmicos israelenses, contudo, os resultados não foram agradáveis ao sionismo no interesse de dar embasamento científico a ideia da “grande Israel” ligada às tradições (p. 128), suscitando questões sobre o teor literário de natureza ficcional dos relatos bíblicos acerca dos patriarcas, algo que eu tinha estudado no seminário (2003-2007) e que me fez refletir sobre a possibilidade dos textos serem construções ideológicas (p. 130) que combinam algumas referências históricas com mitos. Os relatos do Êxodo podem se referir a interesses políticos que se apropriaram de lendas. Entendo que este livro não merece ser considerado polêmico por isso, pois esse tipo de abordagem me parece um tanto comum entre acadêmicos voltados a estudos sobre as Escrituras judaicas.

Um dos mitos que Shlomo Sand aborda é o da “saída do Egito”, algo delicado porque consiste na essência da identidade judaica. Moisés não ter existido e o Êxodo não ter acontecido foram duas questões que me debrucei antes de entrar no seminário, através de referências de um professor judeu de Economia, em um tempo em que eu acreditava nas narrativas. Quando leio Shlomo Sand, sinto-me de volta àqueles dias em que não fiquei incomodado em considerar que a conquista de Canaã pode ter sido resultado de combinações de mitos sobre os patriarcas e as origens do povo judeu, explanados pelo autor como “totalmente refutados pela nova arqueologia” (p. 131).

Penso no problema da falta de evidência longe de ser algo conclusivo, no entanto, provoca debates sobre o que seria histórico e o que seria lendário em relatos bíblicos, seguindo-se de outra tese em torno da população cananeia autóctone ter servido “como ponto de partida para a formação gradual dos reinos de Israel e de Judá” (p. 132), uma abordagem próxima do que tinha conferido a partir do contato com textos de Norman K. Gottwald [388]. A leitura vai então se revelando rica de referências acadêmicas e um tanto provocante, sobretudo para quem lê o Antigo Testamento exclusivamente na camada devocional e como se fosse texto de história (imagino que muitas crises de fé se originam dessa ligação inadequada).

Por fim, penso sobre o desenvolvimento da ideia de que a presença de Israel na “terra prometida” foi uma invenção, algo que se liga à tese de que a ideia nacional judaica e à ação pioneira sionista, “construíram uma espécie de combustível textual perfumado de cânones fornecendo sua energia espiritual para uma política identitária muito complexa e para uma colonização territorial que exigia uma autojustificação” (pp. 134-135).

388. 11/10/2023 21h14

Imagem: PBS

Collin Powell

“[…] Depois da queda do xá, o Irá passou de amigo para inimigo […]”

Obra: Minha Jornada Americana. Capítulo dezoito. Uma linha na areia. Editora Best Seller, 1995, São Paulo. Tradução de Rosane Albert e Tomás Rosa Bueno. De Colin Luther Powell (EUA/Nova Iorque, 1937-2021) com Joseph Edward Persico (EUA/Nova York/Gloversville, 1930-2014).

Uma possível queda do regime dos aiatolás no Irã pode reeditar uma relação amistosa com os Estados Unidos, como ocorrera no tempo dos xás, conforme lembra Collin Powell no trecho (p. 444) desta Leitura? Em certo sentido, o Irã de hoje é um dos pontos de herança do que aconteceu na Guerra Fria, quando a Casa Branca o protegia dos soviéticos (p. 444) e se tornou inimigo com a Revolução de Khomeini.

No Médio Oriente há casos de inversão de aliança que ilustram a complexidade do pragmatismo da política. Um deles é o do Irã que virou inimigo e outro é o do Iraque, que passou a ter boas relações com a Casa Branca, principalmente depois que Khomeini assumiu o controle do Irã, fatos que precederam a guerra entre os dois estados que saíram super endividados, ocasionando em uma situação que favoreceu enormemente os Estados Unidos na região.

Outra inversão ocorreria no pós-guerra Irã x Iraque. O Irã estava tentando se refazer economicamente e, neste contexto, voltou-se com maior ênfase à China, à Rússia e ao terrorismo internacional, uma forma de “guerra irregular”, enquanto no lado iraquiano, Saddam Hussein decidiu invadir os irmãos árabes do Kuwait, vistos por ele como “sabujos gananciosos do Ocidente”” (p. 443). O Iraque tinha uma dívida externa de US$90 bilhões e o seu líder tentava se transformar em um dos mais poderosos players da região na tomada de poços e linhas de petróleo (p. 443). Havia ainda um receio americano de que Saddam Hussein não se limitasse ao Kuwait e partisse para assediar outro player aliado, a Arábia Saudita (p. 446).

A Arábia Saudita segue como parceira dos Estados Unidos, o Iraque hoje funciona como uma espécie de província iraniana a partir dos desdobramentos do pós-Saddam Hussein e Estado islâmico, e fico a pensar nos sinais de Trump na possibilidade de se envolver na ofensiva israelense contra o Irã. Muito mais do que o problema nuclear que suscita apelos que lembram a “Operação Iraque” cujo discurso na ONU do autor desta obra implica na complexidade de suas imprecisões, no tocante às supostas armas de destruição em massa. Assim, uma eventual ofensiva americana seria um golpe final com dupla potencialidade: atender às necessidades de alívio de Israel e do Ocidente sobre um suposto Irã armado com ogivas nucleares e, o mais factível: restaurar o “Irã amigo” com uma das reservas de petróleo mais cobiçadas do mundo.

Resta saber se combinaram tudo isso com os russos… e os chineses.

Imagem: Capa

A bearded sphinx
(ca. 500 B.C.)

“Iran was a principal sponsor of Hizballah in Lebanon and supported Hizballah’s military arm with money, arms, and training.[…]”

Obra: Iran: a country study. Chapter 1. Historical Setting. The Post-Khomeini Era. The Rafsanjani Presidency. Federal Research Division. Library of Congress. Fifth Edition, 2008. Editado por Glenn E. Curtis e Eric Hooglund.

Da Pérsia ao Irã da Revolução de Khomeini, esta obra ajuda a entender melhor a trajetória. Recomendada para ser um começo de entendimento a considerar as referências bibliográficas.

Quando adolescente tinha interesse em entender a Guerra Irã-Iraque, encerrada em 1988. Dez anos depois, na faculdade, entendi que o Iraque de Saddam Hussein (1937-2006) foi um proxy dos Estados Unidos (que depois os traiu na invasão do Kuwait em 1990) para comprometer as estruturas econômicas do Irã pós-Revolução de 1979. O fim do conflito com o Iraque foi sucedido pela morte de Khomeini (1989) e a eleição de Ali Akbar Hashemi Rafsanjani que iniciou o redirecionamento de uma economia de guerra para o setup de reconstrução, com alguns ajustes políticos em torno da flexibilização de controles sociais, curiosamente com a ampliação de poderes do presidente (p. 70) em um regime de líder supremo. Neste contexto o Irã cultivava proximidade com a China e a Rússia (que vivia o esfarelamento da União Soviética) para reforçar suas contramedidas mediante os problemas com os Estados Unidos.

A promoção do terrorismo internacional foi um dos destaques do Irã pós-Khomeini. Os anos 1990 foram marcados por um aprimoramento de uma política externa que culminou na recusa do processo de paz de Oslo e do acordo palestino-israelense de 1993. A posição iraniana definiu Israel como “um Estado ilegítimo que deveria deixar de existir” (p. 70). Neste tempo o Irã se aliou a Síria para ser um dos principais patrocinadores do Hezbollah (Hizballah, outra transliteração do árabe, menos utilizada) no Líbano, com suporte financeiro, armas e treinamento. O Hezbollah então aplicou os recursos para bombardear assentamentos israelenses ao longo da fronteira Israel-Líbano e atacar os militares israelenses no sul do Líbano, além de ter promovido dois atentados a bomba em Buenos Aires contra a embaixada israelense em 1992 e outro tendo como alvo um centro cultural judaico em 1995 onde morreram mais de 100 pessoas (p. 71). Ainda em 1995 um grupo apoiado pelo Irã realizou atentados com bombas em Tel Aviv , e no ano seguinte fez o mesmo em Jerusalém, sendo fatais para muitas vidas israelenses.

Ao considerar o histórico, uma possível queda do regime dos aiatolás (entendo aqui na perspectiva de Israel) deve então significar muito para os interesses sionistas, assim como para o Ocidente. Neste contexto, penso que são bem compreensíveis os temores mediante a possibilidade do Irã possuir arma nuclear.

Imagem: C-SPAN

Yossef Bodansky

“[…] Nos primeiros meses de 1996, Teerã começou a estabelecer as bases para a próxima fase da jihad terrorista, a criação do Hezbollah Internacional, com Bin Laden em posição de comando. […]”

Obra: Bin Laden: O Homem que Declarou Guerra à América. Capítulo 6: O Comitê dos Três. Ediouro, 2001, São Paulo. Tradução de Helena Luiz. De Yossef Bodansky (Israel, 1954-2021).

As imagens dos mísseis israelenses em Teerã e dos mísseis iranianos em Tel Aviv e Haifa, através dos telejornais, parecem despertar instintos dos mais primitivos entre alguns que as acompanham, como se estivessem em um game, onde uns comemoram coisas do tipo “a vingança iraniana por Gaza” (como se o lado iraniano se importasse com os palestinos massacrados por Israel), enquanto outros celebram, uns ingenuamente, outros tenho dúvidas, “o avanço do bem contra o terrorismo de Estado”, como se o Estado israelense não jogasse mísseis sobre civis palestinos em Gaza, entre outras violações desde a sua fundação.

Penso, nada pode ser mais tóxico na busca de uma razoável compreensão dos conflitos do que concebê-los por uma visão ideológica dicotômica que, por incongruências e distorções cognitivas, costuma apelar para um utilitarismo a serviço da barbárie. Tal leitura milita a disseminar basicamente a ideia de que há um lado do “bem”, da “justiça”, da “ordem”, e do outro que opera a serviço do “mal”. Não é por mera retórica que nos Estados Unidos se apresenta o Irã como parte do “eixo do mal”. Que o Irá é uma representação do ódio contra o Ocidente, entendo não ser preciso fazer muito esforço para entender tal condição. Essa dicotomia toma proveito do fato do Estado do Irã ter envolvimento direto com o terrorismo de jihad, sobretudo na promoção do Hezbollah nos anos 1990 (p. 208) até os dias atuais, entre outros movimentos que promoveram diversos atos de terrorismo na região, além do grande temor de que possa ter um programa nuclear militar ativo.

Sem dúvida, o sexto capítulo desta obra ajuda no entendimento do que significa o Irã formatado desde a Revolução de Khomeini: um aparato estatal dos mais perigosos do mundo, a principio pela economia dos choques na oferta de petróleo e, mais adiante, na promoção de atentados (p. 209), cuja força da jihad foi planejada para “alcançar ‘todos os continentes, e todos os países'”, nas palavras do aiatolá Ali Khamenei (p. 213). Certamente muitos que tem o Estado do Irã com simpatia, encontram-se no desdobramento inevitável do problema dicotômico mediante ambiguidades, de maneira que se voltam a um utilitarismo macabro e sedutor pelo antiamericanismo e pelo repúdio a tudo que se alia a Casa Branca. Em outras palavras, deve-se apoiar tudo e todos que são contrários aos interesses dos Estados Unidos, não importa quem sejam, tampouco o que fazem. Eis o elemento mais tóxico que conheço nas paixões ideológicas.

Esta obra de Bodansky faz parte das experiências de leitura que me fizeram perder a crença de que há mocinhos na política, sendo o caso do Médio Oriente um dos mais evidentes. Consoante ao livro, as “contribuições” da política externa americana na Guerra Fria, deram-se em benefícios financeiros por movimentos radicais islâmicos que mais tarde atormentariam o Ocidente, incluindo os próprios americanos [387].

De uma forma abrangente, além do contexto da obra, também não posso ignorar os crimes de guerra contra os palestinos, cometidos pelo atual governo israelense, e por outros desde a fundação do Estado judeu. A dicotomia é irmã do raciocínio binário, e assim qualquer crítica ao que é feito pelo Estado de Israel, corre elevado risco de entrar no rol das coisas “antissemitas”; indignar-se com que o aparato estatal israelense comete com civis palestinos é coisa muitas vezes insignificante nesse silogismo bestial.

387. 10/03/2022 23h12

Imagem: abagnale.com

Frank W. Abagnale Jr.

“For five immature years, I had lived a life of illusion and tricks. I had enjoyed a misguided and regrettable run as one of the most successful con artists the world has ever known. A lengthy list of exploits had added to my iconography, all of them income-producing. […]”

Obra: The Art of the Steal. Chapter 1. Putting Down a Positive Con. Living Large. Blackstone Pub, 2002, eBook Kindle. De Frank William Abagnale, Jr.  (EUA/Nova York/Bronxville, 1948).

Quando escuto histórias de crimes do colarinho branco, trapaceiros, impostores e coisas do gênero, recordo do livro Catch Me If You Can, que inspirou o filme homônimo. No entanto, penso, seria uma coletânea de causos e/ou narrativas que misturam fatos e ficção?, pergunta que surge quando verifico a obra The Greatest Hoax on Earth: Catching Truth, While We Can, de Alan Logan.

Seu site o apresenta como consultor e palestrante da academia do FBI em uma trajetória digna de Hollywood: após ter sido,dos 16 aos 21 anos de idade, segundo afirma no trecho (p. 4) desta Leitura, “um dos vigaristas mais bem-sucedidos que o mundo teve conhecimento”, Abaganale Jr., em Catch Me If You Can, Frank W. Abagnale Jr. termina como especialista em fraude bancária e falsificações.

Entre as vigarices, quando então adolescente e jovem, teria se passado por piloto de avião comercial da Pan Am (se foi mesmo, ainda bem que não assumiu o manche), pediatra (seus auxiliares teriam de fato clinicado), promotor público (passou na prova do ordem de lá sem ter cursado direito, eis a parte mais difícil de se acreditar), professor de sociologia (este feito não teria muita dificuldade de acontecer em certos ambientes…) e corretor da bolsa (aqui, penso, nada demais nos tempos de gurus de investimentos na internet). Teria enganado experientes administradores, advogados e investigadores do FBI nos anos 1960. Um roteiro extraordinário…

Independente das controvérsias em torno de seus relatos, o que Abagnale Jr. conta em seu principal livro e menciona de forma mais pontual em The Art of the Steal, suscita uma questão importante: o desleixo na verificação de informação auto repassada que persiste mesmo em um tempo de facilidades da internet, dos bancos de dados, do Google, das redes sociais. Ainda há quem consiga enganar quem deveria ter como premissa a verificação minuciosa do que se apresenta, não somente por dispor de ferramentas de pesquisa tão avançadas em comparação com os anos 1960 mas, sobretudo, por um mínimo senso de zelo profissional. O que dizer de jornalistas de grandes aparatos sendo enganados por quem se passa por aquilo que não é?, a considerar alguns casos que uma pesquisa no Google rapidamente indicará.

The Art of the Steal me chamou mais atenção em When the Label Lies (capítulo 9), face ao problema dos remédios falsificados, o que se junta aos casos dos alimento. Abagnale Jr. não poupa a China quando afirma: “praticamente tudo o que o consumidor compra provavelmente não é original”, e segue: “Você vai a uma loja na China e encontra manteiga de amendoim Skippy falsa, lâminas de barbear Gillette falsas, canja de galinha Knorr falsa, maionese Hellmann’s falsa, flocos de milho Kellogg’s falsos, sabonete Lux falso, xampu Rejoice falso, fraldas Huggies falsas, fertilizantes falsos, bebidas alcoólicas falsas, óleo de motor falso, goma de mascar falsa, baterias de celular falsas e até papel higiênico falso. Os produtos provavelmente são registrados em uma caixa registradora falsa e embalados em sacolas de compras falsificadas” (p. 122).

O que Abagnale sugere é buscar conhecimento mínimo adequado do que vai adquirir, consumir, contratar para conseguir ser proativo. Por fim, em um mundo onde dados pessoas se tornaram preciosas commodities, o distinto senhor antifraude consultor do FBI afirma que “no futuro, é melhor que alguém lhe prove por que precisa ter qualquer informação sua antes de você decidir fornecê-la” (p. 151).

Imagem: University of Exeter

Ilan Pappé

“The witness then describes the routine of forced labour in the camp: working in the quarries and carrying heavy stones; living on one potato in the morning and half a dried fish at noon. There was no point in complaining as disobedience was punished with severe beatings.”

Obra: The Ethnic Cleansing of Palestine. Chapter 9. Occupation and its Ugly Face. Inhuman Imprisionment. Oneworld Publications, 2006, Oxford. De Ilan Pappé (Israel/Haifa, 1954).

Neste domingo triste, marcado por mísseis que aterrorizam civis iranianos e israelenses na troca de ofensivas entre as forças de Israel e Irã, parei para refletir sobre o tema do trabalho forçado em campo de concentração, promovido por forças do então Estado de Israel sobre palestinos que foram removidos de suas terras, logo após a instituição do Estado sionista (1948), o que foi um irônico capítulo à parte de um gradual processo de ocupação judaica desde o mandato britânico.

Antes, hoje um conhecido me pediu para” “orar por Israel”, então pensei que, além de orar pela paz em Israel, por israelenses judeus e não-judeus, expandi meus sentimentos a todos os povos da Palestina, quando, no exercício de minha terapia literária, vi-me em contrição em uma “viagem no tempo”, possível por livros de história, e então parei para meditar quão profundo deve ter sido o sofrimento das vítimas da Nakba, palestinos massacrados por tropas israelenses, no contexto do trecho desta Leitura (p. 238).

Pensei nos cinco campos de prisioneiros, destinados aos mais indesejados, sobretudo os de guerra (p. 236), e nos três campos específicos, construídos para “trabalhos forçados” (p. 237), e aqui a ironia vai se tornando cada vez mais trágica, pois o Estado de Israel adotou uma prática que lembra, de certa forma, o que nazistas fizeram com o povo judeu. Afirma Illan Pappé:

“Três campos de trabalho especiais foram construídos para esse propósito, um em Sarafand, outro em Tel-Litwinski (hoje Hospital Tel-Hashomer) e um terceiro em Umm Khalid (perto de Netanya)” (p. 237).

Eram prisioneiros de guerra, em termos de maioria, diferentemente dos civis judeus que foram alocados em campos nazistas, mas como não pensar em constrangimento? A Cruz Vermelha, ao visitar os campos de trabalho forçado no novíssimo Estado de Israel, parece ter repetido o constrangimento de tempos nazistas (p. 238).

Hoje também refleti sobre como passei muitos anos para entender que, mediante a forma como foi criado e implantado o Estado de Israel, vai-se muito além do constrangimento. Penso, chega-se ao núcleo das reivindicações palestinas contra o Estado judeu. Há um dano histórico sobre os palestinos que carece de reparação.

Por fim, voltei-me ao meu interlocutor que demandou a oração por Israel e pedi que orasse também pelas famílias que perderam seus entes em Gaza: crianças, mulheres, jovens, idosos, mortos pelos mísseis israelenses, vidas devastadas pelos crimes de guerra cometidos pelo Estado de Israel. No final de minha oração pensei nos judeus que simplesmente querem viver suas vidas em paz, não são proselitistas, celebram suas tradições sem incomodar os outros, não disseminam ódio e, nesse espírito, não concordam com o que está sendo feito em Gaza. Pensei nesses judeus que não merecem o governo que detêm o poder atualmente em Israel.

Imagem: michaelshermer.com

Michael Shermer

“Como é que as pessoas chegam a acreditar em algo que aparentemente desafia a razão?”

Obra: Cérebro & Crença. 6. O neurônio da crença. A crença no cérebro. JSN Editora, 2012, São Paulo. Tradução de Eliana Rocha. De Michael Brant Shermer (EUA/Califórnia/Glendale, 1954).

Tinham-se passado oito anos e o professor continuava politicamente o mesmo: um dócil senhor de esquerda, fenômeno raro nesse meio, desde quanto o tinha visto pela última vez, lá pelos idos de 2010. Progressista um tanto moderado, brincava com ele o chamando de “socialdemocrata europeu”, pois, diferentemente de alguns colegas, destoava por defender superávit primário, sobretudo porque entendia que a austeridade dava garantia a programas de distribuição de renda, incluindo a renda mínima universal, a qual sempre defendeu, além da autonomia do Banco Central, assunto ainda mais polêmico entre seus pares.

A aula corria normalmente e do lado de fora pela janela o escutava, quando então foi interrompido por um aluno:

– A China não é uma democracia, professor? – perguntou com um tom de leve irritação. Não me contive em uma discreta risada; o mestre tinha se referido à China como um exemplo de “regime antidemocrático”. Então me fez rememorar ainda mais os velhos tempos ao usar sua estratégia de diálogo: na medida em que o interlocutor se tornava mais agressivo, de alguma forma, ele enfatizava mais o tom suave de sua voz e o semblante de paz enquanto tentava promover uma conversa sem violência verbal. Foi assim que o professor tinha conquistado minha admiração há quase uma década, sendo um esquerdista que eu teria satisfação de convidar para uma boa conversa e um jantar em minha casa.

O aluno, cada vez mais exaltado, tentava rebatê-lo a contestar o conceito de democracia, segundo ele, “distorcido no Ocidente neoliberal”. Tranquilamente o professor apontava os problemas que impedem o regime da China de ser classificado na categoria “democrático”, e seguia a enfatizar que carecia do respeito às garantias legais comuns no Ocidente e que permitem, por exemplo, a livre manifestação em oposição ao governo, onde o aluno era um exemplo, pois se notabilizava por fazer forte militância contra o então governo à época, no caso, o de Michel Temer, enquanto se preparava para fazer o mesmo para o próximo recentemente eleito: Jair Bolsonaro.

De forma brilhante encerrou a aula com uma questão:

– Poderíamos nos manifestar publicamente na China contra o governo, da mesma forma que muitos aqui fazem contra o nosso atual e muitos o farão contra o próximo? – Um silêncio desconcertante tomou conta da sala.

Quando pude conversar em particular, citou Michael Shermer e me surpreendeu novamente, pois não é um autor bem considerado entre esquerdistas que pude observar – É o poder da crença, caro Da Vinci – assim me chamava com seu refinado senso de humor. Foi quando fiz uma pergunta a parafrasear o trecho (p. 157) desta Leitura.

A polêmica entre o professor e o aluno refletiu um encontro da razão com a crença de natureza política. Não que os dois elementos sejam incompatíveis, mas a fé se torna adversária da razão quando se fecha em si mesma diante do que a razão pode resolver. Para o jovem aluno, o monopólio partidário, a intolerância à oposição fora do partido, as restrições à liberdade de expressão, sobretudo contra o governo, não comprometem o regime chinês. A crença se impôs de forma similar ao que acontece com religiosos fundamentalistas diante de assuntos onde a ciência, por exemplo, apresenta fatos e/ou evidências que os contrariam.

Por que a crença foi tão poderosa naquele aluno mesmo diante da razão a contrariá-la?, indaguei com um interesse que pareceu deixar o professor pensativo. Caminhamos pelo jardim e até apreciamos uma manga caída do pé enquanto ele respeitosamente se lamentava por minha política de votar em branco… Tornamos a Shermer na abordagem do estudo promovido pelos neurocientistas Sam Harris, Sameer A. Sheth e Mark S. Cohen, que consistia em apresentar aos participantes, sob exame de ressonância magnética, uma série de afirmações verdadeiras na integralidade, afirmações evidentemente falsas e afirmações duvidosas até então, constatou-se que as reações a afirmações verdadeiras (crenças) foram mais rápidas com atuação do córtex pré-frontal ventromedial, “área do cérebro ligada à autorrepresentação, à tomada de decisões e ao aprendizado por recompensa”, enquanto as reações de descrença ou dúvida, indicaram um aumento na ínsula anterior, “área do cérebro associada às reações a estímulos negativos, à percepção da dor e à aversão”. Já a comparação entre as reações, indicou um aumento da ação neural no córtex cingulado anterior – o CCA- “envolvido na detecção de erros e na solução de conflitos” (p. 158).

A considerar que o âmbito ideológico partidário sistematiza entendimentos e impõe um padrão mínimo que implica em disciplina para desencorajar quem for contestá-lo, a incluir punições, sendo normalmente de reação rápida, difere do campo da análise racional livre de viés ideológico onde se exige tempo e disposição para questionar as próprias crenças, além de estimular uma região cerebral associada a dor , ao desconforto, juntando ao fato de que o ser humano pode se inclinar à zona de conforto, penso, por uma tendência natural a aceitar como “verdade” o que pode compreender rapidamente, independente de se ter lastro com a razão, assim encerramos nosso improvisado colóquio.

Por fim, penso, a crença política, neste aspecto, assemelha-se muito à religiosa quando submetida à crítica imparcial da razão, na medida em que se apega a dogmas que entram em choque com os fatos e, nesse embate, tende a incentivar reação de agressividade entre apologetas relutantes ao reconhecimento dos fatos.

Imagem: mojo

F. Scott Fitzgerald

“As vaidades mais grotescas e fantásticas o assombravam à noite em qualquer cama em que dormisse. […]”

Obra: O grande Gatsby. Capítulo Sexto. L&PM, 2011, Porto Alegre. Tradução de William Lagos. De Francis Scott Key Fitzgerald (EUA/Minnesota/Saint Paul, 1896-1940).

Jay Gatsby construiu um mundo paralelo à realidade de pobreza em que foi criado onde desenvolveu uma “concepção platônica de si mesmo”. Desejava desesperadamente saltar para o topo da pirâmide social. Suas aspirações se misturavam a vergonha que tinha de seus pais, “granjeiros sem sucesso, ineficientes e preguiçosos”, e por essa quase esquizofrenia não os tinha como verdadeiros (p. 72).

Movido pelo que se discorre no trecho (p. 73) desta Leitura, de um coração “em constante e turbulenta agitação”, acumulava fantasias que alimentavam suas previsões de glória futura. A experiência com Cody pelo mundo não proporcionou o que mais lhe fixava como destino capaz de atender às exigências do ego, mas o ajudou a obter a “substância de um homem” (p. 74), o trato das relações humanas nos níveis superiores de ostentação, o viver de banalidades em aparência de relação com um culto do que se tem acima do que se é, quando a celebração da forma humilha o conteúdo em uma efêmera e ilusória visão da vida.

Destarte o jovem determinado a uma realização plena de suas fantasias é uma síntese de um estilo de sonho americano pautado por uma medonha superficialidade e pobreza de espírito, camuflado pelo que o dinheiro pode comprar, mergulhado em um vazio que vai se tornando cada vez mais claro pelas desilusões e falsidades típicas da alta sociedade. Gatsby acumulou uma vivência que lhe renderia um apurado senso de oportunismo, posto à prova quando a figura do herói de guerra se fundiu com suas ambições em um mundo de gângsteres forjados no tempo da Lei Seca, cujo espírito utilitarista finalmente lhe proporcionou a tão cobiçada ascensão social.

Personagem central deste romance de 1925, o novo-rico em sua devoção pelo auto glamour e o esvaziamento do ser em um mundo de adoradores das aparências, parecem elementos atualizadíssimos em relação ao que permeia o tempo presente de personalidades ou influencers com propósitos tão próximos, inflamados na busca de uma auto realização para o ilusório, onde o desejo da ascensão social resulta em uma patologia com base no “vale tudo” facilmente observável nas redes sociais.

Imagem: Jornal Opção

Otto Maria Carpeaux

“[…] ‘Deus mortal’, o vice-gerente de Deus na terra’. É o poder mais poderoso e ilimitado que se possa imaginar. […]”

Obra: Ensaios Reunidos. Volume I. 1942-1978. Origens e Fins. Terceira Parte: Origens e Fins. Leviatã. Topbooks/UniverCidade, 1999, Rio de Janeiro. De Otto Maria Carpeaux (Áustria/Viena, 1900-1978).

Carpeaux a mencionar o sentido dado por Thomas Hobbes (1588-1679) para o monstro do Antigo Testamento, o Leviatã a representar o Estado, “o símbolo terrestre da onipotência divina” (p. 403), a comentar Leviatã, or the Matter, Forme, and Power of a Commonwealth, Ecclesiasticall and Civil.

Obra fascinante sobre o que entendo ser um dos maiores dilemas da humanidade mediante o tema do poder em sociedade, desde a primeira aula que tive, no que chamo de “contato indireto”, quando escuto falar sobre, lá pelos idos de 1994. Em um contato direto, ou seja, pela leitura, pude perceber a força do título dado por Hobbes a defender a necessidade desse “Leviatã”, explicado por Carpeaux em síntese sobre sua principal função: diante de todos os poderes, ser o único para policiar o mundo (p. 404). Tal monstro sem natureza humana , que “não conhecer um direito natural dos homens”, é totalitário, cuja consciência individual lhe é um atentado , o “supremo juiz”(p. 405), e assim Hobbes se empenha para demonstrar sua soberania sobre decisões religiosas, pois se o Estado não tiver a autoridade superior, a diversidade dos credos retomaria “ao primeiro caos de violência e de guerra civil”, aqui a reproduzir um trecho do capítulo 36 da obra de Hobbes (p. 406).

E as questões privadas? O pensamento humano é livre na sua intimidade, mas em público, tem que se submeter à razão pública, “ao vigário terrestre de Deus, ao Estado” (p. 407). Penso que por mais totalitária que possa soar essa posição de Hobbes, na prática, vejo que essa condição é vista como benéfica por muitas pessoas na crença do Estado como ordenador do mundo; é algo que aparenta ter sido consolidado em muitos aspectos.

Recentemente conversei com um influenciador de contadores sobre o bitcoin e outros criptoativos. Quando estava a explicar que o governo, por mais legislação que possa promover para taxá-los, e até mesmo com um radical Big Brother Fiscal em exchanges e bancos, o processo seria limitado, no caso de agentes de câmbio licenciados no país, pois na auto custódia não tem como fazê-lo, não se trata de uma propriedade no sentido de ser apreensível, por conta das chaves privadas, e isso se torna ainda mais complexo em operações peer to peer, quando transações não passam por bancos ou corretoras. O conhecimento do valor seria possível legalmente se o “contribuinte” o declarasse espontaneamente. Após reconhecer essa limitação, a resposta do influencer me fez pensar no poder desta crença no Leviatã, até mesmo entre pessoas com certo nível de instrução: “O Estado encontrará um jeito!”. Falou como quem acreditava em um ato de justiça.

O influencer pareceu não ter percebido que o Estado é um “deus terreno”, e assim, em muitos casos, para extrair dados em um nível tão íntimo como se pode verificar em chaves privadas, para ir além da confissão espontânea, teria que realizar uma série de práticas que tornariam a Gestapo uma coisa diminuta. Além da tortura, em matéria de violação teria que superar o que fizeram, somados, fascistas, nazistas e comunistas no auge da tirania.

Imagem: FTSG

Amy Webb

“Let me be clear: The decisions we make in the next five years will determine the long-term fate of human civilization. [..]”

Obra: 2025 Tech Trends Report. Beyond the Rubicon: Navigating Humanity’s Point of No Return. Future Today Strategy Group, 2025. De Amy Webb, Melanie Subin, Victoria Chaitof, Nick Bartlett, Sam Jordan, Mark Bryan, Sam Guzik, Marc Palatucci, Andrew McDermott, Andrew Hornstra, Emily Caufield, Erica Peterson, Candice Rhea e Sarah Johnson.

Webb assina a carta na introdução (p. 9) deste relatório anual, vasto, com mil páginas, bastante considerado entre estudiosos da Inteligência Artificial (IA).

A primeira questão é sobre o propósito do relatório: não foi elaborado para prever o futuro e sim para “ajudar a navegá-lo para que seja possível acertar no presente”. Aqui penso, livra o relatório da ilusão peculiar da “futurologia”. Isso posto, a um programador entusiasta em IA falei recentemente que simplesmente não é possível prever, em contrapondo a uma ideia um tanto fatalista que me fora apresentada acerca de um “futuro” para a humanidade.

Entendo que há motivos para cogitar a possibilidade de um mundo permeado de IA nos desumanizando de forma profunda. Quanto a isso pensei no caso de um profissional que apresentou um impressionante relatório técnico sobre demonstrações contábeis, mas que um tempo depois percebi que o verdadeiro autor foi uma aplicação em IA, situação que se tornou crítica com o desconhecimento de muitos conceitos no conteúdo por parte de quem o apresentou. O pensar que caracteriza o espírito humano é anulado por um “pensar” não somente não-humano, mas incentivador do contínuo aumento do desuso do pensamento no ser humano. O conceito de ser humano se esfarela por algo que o manipula. É nesse sentido que entendo o problema da desumanização. Curiosamente me veio a essência da crítica contida na icônica obra The Abolition of Man, de C. S. Lewis [386].

Em outro sentido, Webb entende que a convergência tecnológica não está mudando apenas a maneira como trabalhamos ou vivemos, mas também o que significa ser humano, em alusão ao que já é possível fazer com a reprogramação da biologia, a remodelação da matéria em nível atômico com o processamento de informações que colocam em dúvida a física clássica. Webb mais adiante aponta uma realidade no uso da IA com “jaquetas feitas de seda de aranha produzida por levedura modificada”, “construtoras que trabalham com concreto autorregenerativo criado por bactérias” e produtos de beleza com “proteínas projetadas por IA e cultivadas em tanques de fermentação” (p. 287).

O colega de TI quis enfatizar a espantosa velocidade das transformações dos negócios em geral com o avanço da IA, aqui penso, no que se relaciona com o trecho desta Leitura onde Webb aponta que “a diferença entre líderes e retardatários aumentará drasticamente, não ao longo de décadas, mas de meses”, para logo em seguida ser mais precisa: “as decisões que tomarmos nos próximos cinco anos determinarão o destino a longo prazo da civilização humana” (p. 9).

386. 07/07/2024 19h32

Imagem: Senado

Roberto Campos

“Noto, na paisagem nacional, três vícios de comportamento que dificultam a modernização do país. […]”

Obra: A Constituição Contra o Brasil. Ensaios de Roberto Campos sobre a constituinte e a Constituição de 1988. 62. Três vícios de comportamento. LVM, 2018, São Paulo. De Roberto de Oliveira Campos (Brasil/Mato Grosso/Cuiabá, 1917-2001), organizado por Paulo Roberto de Almeida.

Convidado para uma reunião “cada um leva um livro”, cheia de progressistas, eis a minha contribuição.

Texto de 1995, maio, tempo em que a internet começava a se expandir e as telecomunicações passavam por profundas mudanças tecnológicas. Campos lembra dois problemas de “retrocesso” na década anterior. O primeiro em relação à política de informática, pela desastrosa reserva de mercado do regime militar, a qual eu fui uma vítima [385], e o segundo, a Constituição de 1998, tema central desta obra (p. 424).

No estilo provocante e espirituoso, “Bob Fields” (aqui uma referência sobre quão “amado” fora pela esquerda tupiniquim), aponta os três vícios: A diarreia normativa, a pirataria preguiçosa e o complexo de avestruz (p. 425).

A “diarreia normativa”, penso, diz respeito a um país que prefere se modernizar a prestações, em um emaranhado sistema de leis que dão “sobrevida a dinossauros” (p. 425), nos setores essenciais, que tomam proveito da cultura de monopólio; definido como “artigo de museu”; Campos vê o Brasil travado pelo Congresso “possuído de diarreia normativa”, dadas suas exigências de regulamentações, tendo que lidar com o problema de seu atraso. Defensor da livre competição, Campos sugere que esta seja maximizada, restando a função reguladora “a cargo do governo, em consulta de usuários” (p. 425).

A “pirataria preguiçosa” se relaciona com ao que define sobre Lei de Propriedade Intelectual, cuja gestação tortuosa reflete a aversão a patentes, mas apesar de várias multinacionais terem deixado o país, a participação da indústria nacional diminuiu. A indústria tupiniquim mesmo beneficiada produziu menos e com baixa qualidade. Campos compara a pirataria farmacêutica com a da indústria de software (p. 426), Quanto a isso, pude vivenciar um pouco a questão de TI No final dos anos 1980, início dos anos 1990, quando os sistemas operacionais dos computadores produzidos no Brasil eram imitações de baixa qualidade de sistemas da IBM e da Microsoft.

O “complexo de avestruz” se relaciona com o antigo problema da Previdência Social e a resistência para tratá-lo por emendas constitucionais. Aponta três defeitos na Previdência: (1) os beneficiários crescem muito mais que os contribuintes, (2) os pobres “recebem aposentadorias miseráveis para financiar aposentadorias precoces” e (3) não serve para alavancar investimentos produtivos (p. 427).

Ao longo de quatro décadas tentando entender minimamente a economia do Brasil, percebi que na leitura desenvolvimentista, o conceito de atraso do consiste na causa (neo)liberal, que basicamente impede o Estado de ser o grande polo condutor da economia, no entanto, entre liberais, o entendimento se aponta, entre as principais causas, no excesso de intervenções do Estado a impossibilitar um mínimo liberalismo econômico. A impressão que tenho em várias ocasiões é de que progressistas/desenvolvimentistas e liberais vivem e falam sobre um país completamente diverso. Uma comparação desta crítica de Campos com a Leitura do último dia três, ilustra bem o que estou pensando. O desafio maior nas leituras então é saber filtrar o que é viés ideológico ou o que chamo de “sistema de crença”, e o que é fato nos dois lados.

385. 07/04/2025 21h59

Imagem: London Press Club

Frederick Forsyth

“I am France, the instrument of her destiny.”

Obra: The Day of the Jackal. Part one. Anatomy of a plot. Charpter two. Penguin Books, 2021, UK. De Frederick Forsyth (UK/England/Ashford, 1938-2025).

Partiu hoje, mestre do suspense policial.

Não raramente a literatura de alto nível passou por mim e fez uma sombra por um aceno, como se tivesse a me convidar para uma experiência mais enriquecedora. Um exemplo disso aconteceu quando assisti ao filme O Chacal (1997) com Bruce Willis (1955) interpretando o terrorista e assassino profissional, personagem hoje integrante do imaginário popular.

O Chacal de 1997 é uma versão adaptada pela cultura de Hollywood no pós-União Soviética da máfia russa, o que abrevia e inevitavelmente empobrece muito as coisas, sendo assim um tanto modificada e distante de The Day of the Jackal (1973), com Edward Fox (1937), inspirado no livro de Forsyth , ambientado na política francesa. Quando vi a versão com Bruce Willis, sem que eu pudesse compreender, estava diante de uma caricatura do que Forsyth produziu. Apenas o apreço do livro me possibilitou sair da “caverna” onde se situa a experiência com o filme, para ter condições de ir ao mundo “exterior”, onde se torna possível contemplar o romance que o inspirou, em sua plenitude.

No trecho (p. 23), no contexto da primeira parte que versa sobre o complô para assassinar De Gaulle (1890-1970), a frase ilustra a sofisticação de Forsyth em combinar fatos com ficção. Fez-me lembrar o “Toute ma vie, je me suis fait une certaine idée de la France” [384], uma forma populista, disfarçada, atualizada aos tempos republicanos de se promover um “Je suis France!” de Luís XI no final da Idade Média, ambos na tentativa de inculcar uma amalgama no inconsciente coletivo da nação.

384. Mémoires de guerre, tome I, L’Appel, 1940-1942 (1954).

Imagem: PETRLUDWIG Bio

Petr Ludwig

“O motivo para nossa desobediência está lá atrás na história da evolução do cérebro humano.”

Obra: O Fim da Procrastinação. Disciplina: Como dar ordens a si mesmo e cumpri-las. Quando a razão diz sim, mas as emoções dizem não. Sextante, 2020, Rio de Janeiro. Tradução de Ivo Korytowski. De Petr Ludwig (Tchéquia/Pardubice, 1986).

A afirmação no trecho (p. 100) desta Leitura se explica pelo maior volume e pela maior força das conexões cerebrais do sistema límbico (mais antigo da evolução) para o neocórtex (mais novo) do que as que estão no sentido inverso. O neocórtex é “responsável pelo pensamento racional e lógico, o planejamento e a linguagem” (p. 101), e o maior fluxo por conexões do antigo, onde estão os fatores emocionais, para o mais novo, explica o comportamento humano ser mais suscetível à influência da emoção do que da razão, aponta o fundador da procrastination.com. Eis o que ocorre quando a razão ordena, mas a emoção, mantida por um sistema mais forte de conexões, simplesmente se impõe e ignora.

O caso de um cliente procrastinador

A procrastinação predomina quando a emoção vence a razão nas tomadas de decisões… Era a quinta-feira da semana pré-carnavalesca quando enviei o aviso de agendamento para as 16h00 do dia seguinte. Todo o meu trabalho de suporte é planejado e quando recebi o comunicado de que uma empresa estava com pendência de entrega de balanços no Sped Contábil e do Sped ECF para cumprir exigências de um pedido de financiamento, as tarefas mais complexas a serem concluídas, programei uma série de quatro agendamentos, de uma hora cada, para cumprir o prazo de entrega do processo. Aproveitei que a tarde da sexta-feira de pré-carnaval estava com o horário das 16h00 liberado (outro cliente tinha pedido adiamento por conta de uma viagem, o que é comum nessa circunstância) e o inseri na agenda. Incluí mais quatro agendamentos, inclusive um na quarta-feira de cinzas, no mesmo horário, um na quinta a tarde, e outro na sexta pela manhã. Pensei: “apesar deste cliente ter um histórico de adiamentos e atrasos, por conta da situação tão séria, ele deve cumprir à risca este cronograma”.

Eu estava…. errado!

O cliente pediu adiamento dos agendamentos da sexta e da quarta-de-cinzas. Custei a acreditar, mas no lugar do profissional dotado pela razão, venceu o folião nos preparativos para os blocos de Olinda e o Galo da Madrugada. E a quarta-feira ingrata que chega tão depressa também foi junto nesse pacote de procrastinação. Contudo, ele afirmou: “resolveremos tudo na quinta!”. Os adiamentos em favor dos prazeres com o Rei Momo lhe custaram muito caro: na quinta fizemos o que estava programado para sexta de pré-carnaval, e na sexta, realizamos as etapas que estavam planejadas para a quarta-de-cinzas à tarde. Quando o cliente pediu mais agendamentos na sexta e queria entrar “noite adentro”, eu disse que tinha compromissos e não poderia procrastiná-los, além de que não promovo sobrecarga de expediente. Resultado: o que o cliente-folião tinha prometido ao seu cliente não foi cumprido no prazo. Apenas uma semana depois a documentação foi entregue, o que provocou um desgaste considerável, somado ao longo histórico de atrasos, seguido da perda do contrato.

Autorregulação inclui repouso, exercícios leves e adequada alimentação

Petr Ludwih apresenta então o desenvolvimento da autorregulação para possibilitar o controle das próprias emoções. Não se trata de um bloqueio das emoções, e sim de uma habilidade para saber lidar com elas, evitando as que não fazem bem (p. 102). A solução para melhorar a relação com as emoções, pode ser demonstrada pela metáfora budista do elefante e do domador; o ser humano tem dentro de si um elefante selvagem e um domador capaz de controlá-lo (p. 103). O tamanho do elefante representa as emoções e o pequeno domador, a razão (p. 104). O domador então tem a dispor a energia de seus recursos cognitivos onde cada ato de autorregulação vai consumi-los um pouco (p. 105). O domador deve ter ciência dessa escassez, assim como desenvolver a capacidade de aplicar seus recursos de cognição antes de esgotá-los, para que as emoções não tomem o controle total (p. 106). neste caso, entra a importância do descanso. A razão fica comprometida com um corpo e uma mente em estado de exaustão. A alimentação é importante nesse processo: “Estudos indicam que os recursos cognitivos dependem em grande parte de nutrientes, especialmente da glicose e de açúcares simples”, o que sugere “beber um pouco de suco natural ou comer alguma fruta”, aponta Petr Ludwig. Também entram nesse pacote de recarga do domador as “atividades físicas ou manuais leves”, que pode ser na forma de uma caminhada de cinco minutos” (p. 107).

A procrastinação então é um problema que pode representar algo muito além da falta de cumprimento de prazos. O domador do procrastinador cansa rápido porque não planeja a dosagem das tarefas, normalmente despreza cronograma de atividades, subestima repouso e outras atividades para relaxamento e lazer.

Imagem: wikipedia.org

La Madeleine
aux deux flammes
 (1640),
de Georges de La Tour
(1593-1652)

[…] Os seus joelhos cederam. Flutuando nos braços de seu libertador, ela não era mais Lilith. Nunca fora de verdade. Nunca seria de novo. Apesar da sua sujeita, do seu mau cheiro e dos seus defeitos, ela sentia-se nova. […]”

Obra: The Chosen. Capítulo 18. Resgatada. CPAD, 2023, eBook Kindle. Tradução de Thaís Pereira Gomes. De Jerry B. Jenkins (EUA/Michigan, 1949).

As licenças poéticas da série me levaram a conferir o livro.

The Chosen é arte, e sendo assim tal obviedade, não faz sentido, penso, exigir da dramaturgia alguma fidelidade a determinada linha interpretativa da Bíblia, tampouco realizar cobranças que seriam mais adequadas a um documentário.

A associação de Lilith com Maria Madalena é um exemplo de licença poética refinada, de muito bom gosto, entendo. Lilith está no imaginário demoníaco mitológico judaico, onde Jenkins insere na personagem traumas de infância: a precoce (1) perda do pai e das terras que possuíam, a ida a Carfarnaum em busca da sobrevivência, (2) o abuso sexual por um soldado romano quando fora ao mercado a serviço da família quando substituiu sua mãe, enferma, nos serviços domésticos no distrito rico, onde conseguiram “uma pequena cabana para servos, pagando a elas umas poucas moedas de baixo valor e um pouco de comida que sobrava das refeições do seu senhor” (p. 69). Após sofrer a violência sexual, que manteve em segredo, Madalena perde a mãe, é dispensada do serviço de doméstica (p. 69) por se recursar ir ao mercado, lugar associado ao trajeto em que fora violada. Na personagem se consolida uma sucessão de sofrimentos e assim, com todos esses elementos muito bem construídos e relacionados, Jenkins torna Madalena bem mais próxima de temas sensíveis da atualidade, o que foi bem encaminhado pela extraordinária performance de Elizabeth Tabish na interpretação. O Mateus autista é outra licença poética enriquecedora.

Sem ter onde trabalhar, sobrou-lhe a taverna de Rivka, o que pode abrir um olhar para o tema da “prostituta”, sobretudo entre os que acreditam no arquétipo desenvolvido a partir de uma intepretação sobre uma homilia do Papa Gregório I em 591 [383]. O autor aqui não se inclinou a esta lenda nascida no início da idade média, quando conferi o diálogo entre Madalena e a dona da taverna a sugerir que ela fora preservada do que a maioria das mulheres ali faziam em troca de dinheiro (p. 70), voltando-se ao desenvolvimento do tema do sofrimento intenso de Madalena, cuja fala de Jesus – “Vão embora” (p. 95) – converge à narrativa dos “sete demônios” de Lucas 8:2. No entanto, os traumas aqui também podem ser licenciados poeticamente e então cheguei a pensar, em uma linha no sentido de “obra aberta”, a considerar as dúvidas no capítulo 15 (p. 80) onde as perdas e violações sofridas pela menina Madalena resultaram em uma jovem com transtornos que evoluíram para a agressividade e uma sintomatologia complexa, até mesmo de ordem psiquiátrica, sendo todo o conjunto atribuído à “possessão demoníaca” no imaginário religioso.

O trecho (p. 95) encerra o primeiro episódio e marca as primeiras cenas de Jesus, interpretado de forma brilhante por Jonathan Roumie. A compaixão transcende pela arte para falar verdades ao espírito, resultando em um belíssimo final de episódio.

383. 31/03/2025 22h52

Imagem: TVU Espanha

Walter Riso

“Um preconceito instalado na base de dados de uma pessoa é como um Cavalo de Tróia […]”

Obra: A arte de ser flexível. Capítulo 5. “O Inimigo Espreita”. O bunker defensivo dos preconceituosos: como justificar o ódio e a discriminação. L&PM, 2023, Porto Alegre. Tradução de Marcelo Barbão. De Walter Riso (Italia/Napoli, 1951).

E completa o terapeuta e professor italiano que o “Cavalo de Tróia” do preconceito “se mimetiza com toda a sua informação” a criar raízes, impregnando-se nas estruturas psicológicas a estabelecer um “mundo subterrâneo altamente resistente à mudança” (p. 127). Aqui, penso, o preconceito é algo bem mais complexo e tão ou mais grave em relação ao que exterioriza.

Adiante, Riso aponta as quatro inclinações ou distorções que alimentam o preconceito e o tornam mais poderoso: (1) catalogar ou rotular pessoas, onde se promove “um pacote informativo que vai além de descrição” (p. 127); (2) polarização teimosa ou “os outros são todos iguais”, quando se elimina a possibilidade dos meios-termos (p. 130); (3) generalização, onde fato isolado é generalizado (p. 131) e (4) o sempre alerta (ou a paranoia do fanático) a determinar um comportamento defensivo sob apelo de um iminente ataque do que se tem como inimigo à espreita (p. 132).

Em minhas experiências, entendi que o preconceito é bem democrático: afeta ricos, pobres, letrados, iletrados, religiosos, ateus…

Sobre a primeira inclinação, certa vez respondi a um jovem, mestrando de uma universidade estatal, a pergunta que fizera acerca de minha posição ideológica: “austrolibertário”. Ele franziu a testa e lamentou; acreditava que eu era de esquerda, progressista, “humanista” e não um “ultraliberal de extrema direita cujo deus é o mercado”, assim definiu. Este tipo de inclinação, penso, se apresenta como um conjunto de estereótipos que automatizam conclusões não raramente distorcidas em uma heurística rudimentar. Primeiro na associação de “humanismo” com “progressismo”, de uma conclusão errada, foi a outra, e após receber a informação “austrolibertário”, fez 180 graus no juízo para me inserir na “extrema direita” junto com o liberalismo econômico e os fascismo (curiosa associação). O rótulo aciona uma espécie de “dogma”, baseado em crenças políticas e determina um pré-julgamento rude em um processo similar ao que pode ser observado entre fundamentalistas religiosos. Aqui, penso, o pré-conceito encaminha o pensamento automático para concretizar a sentença sobre o outro. Em outro caso, um ateu ficou decepcionado quando revelei minha fé cristã, pois, segundo sua avaliação, eu parecia ser uma pessoa “inteligente”. Aqui há associações distorcidas entre inteligência e descrença em Deus, estupidez e fé religiosa. Contudo, conheci outros ateus não militantes, não beligerantes, que passaram bem distantes deste tipo de dupla rotulação preconceituosa.

A inclinação segunda está bem próxima da primeira, no meu exemplo, pois o dado de que um “austrolibertário” é um radical defensor do livre mercado e de “extrema direita”, combinado com a narrativa de que as duas categorias (“defensor do livre mercado” e “extrema direita”, associadas por viés ideológico) significam insensibilidade com questões sociais, tende a fomentar uma conclusão por silogismo de que todos os austrolibertários são idênticos; frios, mesquinhos, só pensam no lucro, alheios ao sofrimento dos mais pobres e vulneráveis. Esta inclinação também me fez pensar no problema do rótulo, ocorrido na primeira, pela ingênua visão invertida em relação a todo sujeito que se apresenta como “progressista” ser automaticamente classificado como “sensível” e “vocacionado ao bem-estar comum”.

Depois entendi que o jovem mestrando estava apenas a repetir o que aprendeu por anos na universidade, enquanto influenciado por um viés ideológico comum entre professores, além de que o ateu que associou descrença religiosa como condicionante para classificar alguém como “inteligente”, também estava a repetir o que aprendeu de preconceitos em grupos e conteúdos beligerantes.

Já a inclinação terceira está no rol da situação onde, penso, não me cabe ser pautado apenas pela primeira impressão quando alguém falha comigo, para não ser dominado por um pensamento de que falhará sempre, descartando a hipótese de ter sido um fato isolado. É preciso avaliar sempre o histórico, as circunstâncias, para superar o automatismo de pré-julgar com base em uma única experiência desagradável.

Sobre a quarta inclinação: nunca acampei e dividi espaço com alguém pronto para uma invasão ou uma guerra no meio do mato, a pensar no exemplo discorrido pelo professor (p. 132), no entanto, conheci um sujeito curioso que, ao tomar consciência da derrota de seu candidato nas últimas eleições presidenciais, armou-se com uma infinidade de “medidas protetivas” para blindar o patrimônio, e até hoje crê piamente que “o fim está próximo, não no sentido apenas religioso, pois entende que o comunismo será implantado definitivamente no país e destruirá famílias tradicionais e se apossará de todos os bens dos desavisados homens de bem”.

Imagem: Intrínseca

Ivo Patarra

[…] ao longo dos 403 dias de crise, esquecemos, nos cansamos, ficamos anestesiados, descrentes. Temos de lembrar. Lembrar para não repetir. […]”

Obra: O Chefe. Licença Creative Commons, 2006, eBook. De Ivo Patarra (Brasil/São Paulo/São Paulo, 1958).

Há coisas que ficam perenes na memória, outras que tenho enormes dificuldades para emergi-las. Lembro-me com facilidade do dia 16 de março de 1990 quando, em meus 15 anos, percebi que não podia fazer a tão desejada upgrade no meu PC, para sair de um XT para um AT 286, porque o governo (Collor, e da famosa ministra Zélia) tinha acabado de confiscar a poupança onde eu faria um resgate. Lembro-me da minha vó materna a falar dessa caderneta na CEF… De minha mãe a repassar os comprovantes de depósitos… Lembro-me que após três dias do feriado bancário, ainda sem entender bem a gravidade sobre o que tinha sido tomado… Lembro-me da frustração ao conferir o extrato na agência Guararapes. O dinheiro estava “preso”, assim entendi.

Outra recordação que vem facilmente é da segunda-feira de junho de 2005, o estrondoso dia 6, quando os telejornais em rede nacional anunciaram a bombástica matéria da Folha de S. Paulo (pp. 31-32).

24 – 6/6/2005 Entrevista-bomba de Roberto Jefferson. O deputado denuncia para a Folha de S.Paulo, pela primeira vez, a história do mensalão. O Brasil não será mais o mesmo. “PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson”, é a manchete de primeira página. A entrevista, concedida à jornalista Renata Lo Prete, põe Brasília em polvorosa.

Teria sido novidade a compra de parlamentares pelo Executivo?, pensava com meus botões… O escândalo completa 20 anos de um Brasil que parece impenetrável às lições básicas de decência que muitos desavisados esperam na política. A história do poder tupiniquim parece presa em um eterno retorno corruptivo. Um eufórico ali e outro acolá falavam que a reeleição de Lula estava “morta”. Outros saudosos do que ocorrera com Collor em 1992, já consideravam como certo o “impeachment”. Lembro-me que até mesmo os colegas de faculdade e seminário, alguns bem mais esquerdistas, ficaram perplexos, outros indignados, os mais românticos com o partido da “ética na política”, decepcionados, entre outros apavorados com o que o deputado Roberto Jefferson decidiu contar em um dos maiores furos jornalísticos da história.

Este livro é um documentário baseado em matérias de jornais e revistas, e um pouco de TV e rádio, onde as fontes citadas podem servir de ponto de partida para uma pesquisa de verificação, até mesmo para avaliar algumas afirmações do autor, a começar pelo título escolhido para a obra. Também é interessante conferir uma entrevista de Patarra concedida em 2006 para o Observatório da Imprensa [383], onde discorre sobre alguns detalhes deste trabalho.

383. Ver em https://www.observatoriodaimprensa.com.br/armazem-literario/livro-sobre-o-mensalao-disponivel-na-internet/

Imagem: russellbarkley.org

Russell A. Barkley

“[…] analise o objetivo de cada dia e divida-o em segmentos de uma hora ou meia hora. […]”

Obra: Vencendo o TDAH adulto. Capítulo 21. Regra 6. Fracione o futuro… e faça valer a pena. Artmed, 2023, Porto Alegre. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. De Russell A. Barkley (EUA, 1949) e Cristine M Benton.

Torno a esta obra de utilidade pública, do Ph.D Russell A. Barkley, referência internacional em tratamento do transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Esta obra é uma espécie de guia para a compreensão e o tratamento do transtorno. Evidente que sua leitura não substitui, conforme cada caso, profissionais de terapia e psiquiatria que devem ser consultados.

Quem tem TDAH, e não cuida, costuma viver um tanto “acelerado”, em dificuldades para se concentrar sob uma “eterna” correria. Impõe-se um imediatismo ou o que chamo de “imperativo do presente”, onde o passado e o futuro ficam na sombra. Planejar ações se torna um martírio e ocorre o que Barkley afirma sobre uma sensação de que o futuro parece algo distante (p. 173), ilusório, e por isso trabalhos que possam consumir significativo tempo, normalmente com prazos mais longos, tornam-se impossíveis de serem bem administrados. Até mesmo em relação a traçar objetivos do dia, pode ser algo fora do realizável em uma mente acometida de TDAH.

No trecho (p. 177), a estratégia do fracionamento de tarefas, com a aplicação de uma divisão em faixas de uma ou meia hora para realização de etapas. Cita-se o exemplo de Michael Phelps, adulto, medalhista olímpico com TDAH que adotou o fracionamento de 15 minutos para suas micro tarefas. A agenda de Phelps envolvia treinos, refeições, repouso e lazer. Não é preciso necessariamente, aponta Barkley, chegar ao nível de disciplina do fenômeno da natação, mas planejar o tempo de tarefas no cotidiano, ajuda a manter a concentração. A ideia do passo-a-passo ou de uma “lista de tarefas”, penso, a envolver sequenciamento lógico, é muito importante, sobretudo para tarefas problemáticas, tendo ou não TDAH (p. 165), como sugere Barkley.

Barkley é um dos autores que influenciaram o desenvolvimento de minha filosofia de atendimento no suporte. Adoto agenda e publico no site direcionado aos clientes [382], além da ordem do dia divulgada no grupo de WhatsApp, com os atendimentos planejados por faixa de horário, onde realizo micro tarefas programadas, relacionadas com os objetivos previamente estabelecidos. Há faixas em que faço atendimento comercial e de investimentos, além de uma modalidade em que fico exclusivo com o cliente por vídeo conferência. No modelo de atendimento que desenvolvi, procuro neutralizar as ansiedades minha e dos clientes, além de não dar espaço para imediatismos e aleatoriedades. Desconfio que no meio em que trabalho há uma epidemia de TDAH adulto, o que torna essa estratégia algo essencial. Contudo, para funcionar é preciso ter uma política combinada com uma disciplina para cumpri-la, enquanto delineada pelo que chamo de “sequência fundamental” para o ordenamento de atividades: identificar, classificar, definir o nível prioridade e estabelecer o plano de ação para cada demanda apresentada por cliente. Com isso evito congestionamentos de suporte, consigo realizar diversas tarefas e evito aquela conhecida sensação de desgaste no final do dia, que se torna ainda mais desagradável quando acompanhada de um sentimento de que houve baixa produtividade, além de que o cronograma fatiado em micro tarefas também proporciona momentos de repouso e outras atividades, como esta de escrever sobre experiências de leitura.

A minha experiência com as orientações de Barkley me proporcionou uma visão mais depurada do problema que, em síntese, evidencia-se em uma condição em que a mente trabalha em um ritmo de descompasso que impede o refletir antes de agir, envolvida por uma impulsividade que a torna muito sensível a estímulos não raramente banais que ocasionam em distrações ou desvios de atenção que podem ser desastrosos para a produtividade, fatores combinados com sintomas de ansiedade e outros problemas que camuflam a ineficiência onde a pressa passa a ser confundida com agilidade, causando danos no trabalho e na vida pessoal.

382 Ver em https://llconsulte.com.br/agendamentos/

Imagem: paulogala.com

André Roncaglia e
Paulo Gala

“Viramos a economia da padaria, dos cabeleireiros, das manicures e dos lojistas de shopping: serviços não escaláveis, sem produtividade, sem desenvolvimento tecnológico. […]”

Obra: O Salto do Sapo. A difícil corrida brasileira rumo ao desenvolvimento econômico. 2. Desenvolvimento depende de maior complexidade econômica e não somente de maior escolaridade, de André Roncaglia e Paulo Gala. Akademy, 2021, Taubaté. Organizadores: André Galhardo Fernandes e Franklin Lacerda.

Em meu universo (paralelo) de leituras, na mesa um tanto dialética (e desconfortável para quem faz parte de grupinhos disso ou daquilo), Hayek fica próximo dos dois economistas brasileiros desenvolvimentistas que considero mais interessantes, sobretudo na forma como questionam, por exemplo, “a fé ingênua nas capacidades do espontaneísmo de mercado e do livre comércio em promover o progresso material das nações”, o que se relaciona como uma das causas do problema apontado no trecho (p. 42) desta Leitura.

Recuso ler a dupla sob o “barulho” de minhas posições sobre pensamento econômico, apenas “escutá-los”, entendo, regra elementar para uma leitura saudável que possa produzir algum aprendizado. E eis que Roncaglia e Gala, ao apontarem a fé no “espontaneísmo de mercado” vinculado ao livre mercado”, entendem, ter sido o que predominou “algumas décadas” no Brasil em um apontamento que fazem associado ao (neo)liberalismo, no entanto, também mencionam as “velhas receitas”, as quais indicam em síntese com uma ressalva: “o protecionismo tarifário e cambial, porém em novos moldes” (p 42).

Para entender sem sofrer com economês, embora os argumentos sejam interessantes, principalmente nos tópicos Reabilitando o mercantilismo e a política industrial, e Complexidade Econômica e sofisticação produtiva, além das referências bibliográficas, concentro-me no que Roncaglia e Gala defendem neste capítulo como chave que localizei no segundo parágrafo na página 43, a qual me envidei ao resumo do que compreendi do texto: a lógica de mercado em si não é suficiente para um desempenho onde são ofertados empregos “condizentes com o grau de desenvolvimento almejado”. Não basta investir maciçamente em educação sem um bom plano de desenvolvimento voltado para promover negócios tecnologicamente avançados que demandem a base de pessoas bem instruídas, o que entendo como “capital humano” na forma de recurso compatível, devidamente capacitado para assumirem os empregos qualificados, pois, caso contrário, teremos uma sociedade de engenheiros, advogados e demais profissionais com certo nível de instrução, no entanto ocupados em funções bem distantes do que poderiam realizar em termos de sofisticação e renda mais elevadas. Se o mercado em sua lógica não pode dá o suporte satisfatório, o que poderia então resolver? O Estado, na visão dos autores, seria então o meio para articulação e coordenação política para que a economia com pessoas instruídas seja capaz de gerar tais empregos à altura do que podem fazer no melhor aproveitamento do “potencial produtivo de uma nação instruída, educada e qualificada.”

Imagem: Nobel Prize

Friedrich August von Hayek

“[…] O conceito de um ser que age como ser humano ou como uma mente humana parece-me mais um fruto da arrogante superestima das capacidades da mente humana.”

Obra: Os Erros Fatais do Socialismo. Por que a teoria não funciona na prática. Capítulo IX – A religião e os guardiões da tradição. Faro Editorial, 2017, São Paulo. Tradução de Eduardo Levy. De Friedrich August von Hayek (Áustria/Viena, 1899-1992).

Torno à derradeira obra de Hayek no ponto (p. 189) onde o mais bem considerado pensador da Escola Austríaca, pelo menos no mainstream, fez-me lembrar de Spinoza e Einstein.

Antes, Hayek discorre no capítulo nono como a moralidade seguiu ao longo da “ordem ampliada” no desenvolvimento das sociedades e da cooperação econômica, e aponta as religiões, sobretudo as de cunho monoteísta como fatores relevantes na preservação de tradições e “verdades simbólicas” (p. 185), como sugere, mediante a “forte oposição dos instintos e, mais recentemente, dos ataques da razão” (p. 184). Aqui, penso, está um núcleo do pensamento de Hayek sobre interações entre razão, intuição e tradição a formar uma complexa teia de conhecimentos na sociedade e na economia mediante a ação humana.

As crenças em Hayek têm um peso considerável no entendimento que chegou acerca do desenvolvimento da “ordem ampliada”, a ponto de afirmar que a perda (das crenças) “sejam verdadeiras ou falsas, cria grandes dificuldades” (p. 185). O austríaco co-agraciado com o “Nobel de Economia” de 1974 assim não entra no mérito das crenças religiosas, enquanto reconhece o suporte dado por elas para compor relações entre agentes econômicos na “ordem ampliada” onde aponta uma conexão histórica da religião com valores da civilização, tais como a família e a propriedade privada, mas isso não significa que tal conexão seja intrínseca, pois ocorreram fenômenos religiosos que se opuseram à propriedade e à família, contudo, “as únicas religiões que sobreviveram são aquelas que apoiam a propriedade e a família”, o que deixa o comunismo em uma posição não promissora, aponta (p. 186).

Volto à crítica de Hayek no destaque desta Leitura e penso sobre quanto o ser humano, que não é onipotente, nem onisciente, tampouco onipresente, muitas vezes se demonstra mesmo arrogante quando sistematiza o divino sob suas referências tão limitadas, onde apela a uma teologia própria que define o mesmo divino como onipresente, onisciente e onipotente. Além dos limites da razão humana se encontra a fé como um saber que não sucumbirá em arrogância se estiver aliado à consciência da pequenez dos arranjos, tudo isso diante do que Karl Barth preferiu pensar como “Totalmente Outro”.

Imagem: The Palestinian Return Centre

Nur Masalha

“The term Palestine was also extensively used in referring to the entire area connected with modern Palestine in 5th century BC Ancient Greece. The name Παλαιστίνη (Phalastin) was widely used by the most important ancient Greek historians, cartographers, writers, philosophers and scientists, including Herodotus, Aristotle and Ptolemy.”

Obra: Palestine: A Four Thousand Year History. The conception of Palestine in Classical Antiquity and during the Hellenistic Empires (500‒135 BC). Zed Books, 2018, London. De Nur ad-Din Masalha (Israel/Galileia, 1957).

Com certa frequência encontrei o argumento de que o termo “Palestina” foi aplicado inicialmente pelos romanos na ocupação da Judeia. A mudança de Judeia para Palestina teria sido uma forma de desassociar a região do povo de Israel. Um exemplo desse viés pode ser conferido na obra Myths And Facts: A Guide to the Arab-Israeli Conflict, de Mitchell Bard [379]. Parece razoável quando se pensa que seria conveniente a um imperador romano comprometer a identidade de um povo dominado em relação à sua terra. O termo “Palestina” seria, nessa ótica, meramente político, enquanto tardio e assim afastado da raiz mais antiga que estaria com Israel.

Uma coisa foi o Império Romano ter preferido o termo, outra é alegar este suposto fato como argumento em favor da proeminência de Israel por um critério de identidade mais antiga que a dos palestinos.

Um problema grave dessa narrativa se verifica na obra Meteorologica [380], onde Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C) utiliza “Palestina” (Παλαιστίνη) para se referir à região. Na leitura de hoje, o historiador palestino me fornece mais referências sobre a utilização do termo bem antes dos romanos. Além de Aristóteles, Masalha cita Ptolemeu e afirma que o nome ‘Palestina’ “é comumente encontrado nos principais textos clássicos gregos, especialmente em Heródoto, o primeiro a utiliza-lo (p. 52). Heródoto, em meados do século V a.C, refere-se cinco vezes à “Palestina” ou à “Síria” para apontar uma área que abrange a região distinta entre a Fenícia e o Egito [381]. Cita-se um trecho onde o termo é utilizado (pp. 78-79).

Masalha lembra que “autores judeus de língua grega helenizada, como Filo e Josefo escreveram em grego padrão para as classes judaicas educadas e estabelecidas na região, além do público romano e grego. Como escritores gregos e romanos, cidadãos judeus romanos, tanto Josefo como Filo, compreenderam e aplicaram o termo ‘Palestina’ para a ‘grande Palestina’ estendendo-se do Líbano moderno até Egito, e não apenas para a ‘Filístia’, a região costeira da Palestina, ou a antiga ‘terra dos filisteus’ de Gaza para Tantur” (p. 95), a citar como referências [382] Robinson (1865: 15) e Jacobson (1999).

O termo então não foi invenção dos romanos e tem profundas raízes históricas com a região, cuja derivação vem dos filisteus. Talvez tenha sido conveniente para os romanos utilizá-lo durante a consolidação do domínio sobre a Judéia. No entanto negá-lo é ignorar uma história de quatro mil anos e aqui me lembro de um típico pregador evangélico “protestante” sob o peculiar fetiche por Israel no negacionismo da antiguidade dos palestinos, narrativa não raramente parceira de outro tipo de narrativa baseada em conspiração “antissemita” (“semita”, outro termo distorcido nesse meio).

379. 12/10/2023 13h12

380 26/09/2024 21h12

381. Nota do autor: Rainey, Anson F. (2001) ‘Hereodotus’ Description of the East Mediterranean Coast’, Bulletin of the American Schools of Oriental Research, No. 321 (February): 57‒63

382. Notas do autor: Robinson, Edward (1865) Physical Geography of the Holy Land (Boston: Crocker & Brewster) e Jacobson, David M. (1999) ‘Palestine and Israel’, Bulletin of the American Schools of Oriental Research (313, February): 65–74

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