Imagem: Mark Baker Oficial Site

“[…] Ele era confiante sem ser arrogante, acreditava em valores absolutos sem ser rígido e tinha clareza sobre sua própria identidade sem julgar os outros.”
Obra: Jesus, o maior psicólogo que já existiu: Como os ensinamentos de Cristo podem melhorar nossa saúde emocional e nos ajudar a lidar com os desafios da vida. Capítulo 1. Sextante, 2005, São Paulo. Tradução de Cláudia Gerpe Duarte. De Mark W. Baker (1965).
“Não julgueis”
O dia em que recebi a maior lição sobre esta sabedoria de Jesus, dada por um ateu… e comunista
A referência a Sartre e a Kiekegaard é sempre inspiradora para se manter secreto na própria revelação…
Seis anos se passaram desde nossa primeira conversa, após quatro anos de seminário teológico e mais dois anos consumindo Freud e Jung. A muralha de livros no gabinete estava ainda mais imponente e o cheio forte, que eu pensava ser de cigarro, também. Então ele acendeu um charuto e me ofereceu um por pura provocação, o qual se orgulhava de dizer “um cubano legítimo” (em alusão à sua crença comunista). Mais uma vez testou se havia ainda algum resquício de um gatilho originado em 1996.
Eu, cristão, formação protestante, “pequeno burguês” (como você costuma definir meu tipo periférico no capitalismo) e caminhando para o austrolibertarismo. Ele professor, doutor, ateu e comunista; uma bela dupla dialética.
Amigo: E aí?, já abriu a sua igreja, irmão? – com o velho sorriso sarcástico.
Leonardo: Já estou livre do seminário
Amigo: Livre? – deu uma baforada e seguiu – pelo jeito deve ter sido profundamente reveladora a experiência lá com os teólogos. Estou a fim de caminhar pelo campus e pelas redondezas, vamos?
Leonardo: Vamos!
Era final de tarde, às portas da primavera no Recife, estava aprazível para uma caminhada. A perda de meu pai em 2007 trouxe um novo ingrediente traumático em relação aos dilemas que versei ao amigo entre 1997 e 2002. Então, após atualizarmos os assuntos, entramos em um bar, “tomou uma” e me surpreendeu citando Mateus 7:1 e mudou a perspectiva que eu tinha sobre os problemas que enfrentava.
Leonardo: Curiosa citação vinda de um ateu, mas qual seria o sentido aqui?
Amigo: Há seis anos você veio com tantas certezas sobre si mesmo, lembra-se?, me procurou querendo respostas sobre os anos de Ferris Bueller que viveu em poucos meses de 1996, sobre a decisão drástica que tomou no final do ano seguinte, no dia do aniversário, só para dar um toque a mais de dramaticidade. Fobia de pessoas fumando e consumindo bebida alcoólica, injeção, insetos, animais e de escuridão, se eu não esqueci de alguma… Chegou convicto de que sofria de transtorno obsessivo compulsivo, pelo menos desde o final de 2000, confundindo com alguns gatilhos. Estava carregado preconceitos sobre si mesmo.
Leonardo: Sim, e daí?
Amigo: Há um ponto final a ser vencido.
Leonardo: Qual?
Amigo: Você ainda se incrimina pelas decisões erradas que tomou porque desconhecia sua psique. Para com isso. Pare de considerar um TOC que não existe e pare de se julgar se poderia ter feito algo para evitar a perda de seu pai! Não julgue a si mesmo! – Fitou em meus olhos e com as duas mãos em meus ombros- Esta sabedoria atribuída a Jesus normalmente é aplicada quando julgamos os outros e não fazemos autocrítica, não é isso?, é a questão de olhar o cisco no olho do outro e ignorar a trave que tem no próprio, não é mesmo?
Leonardo: Isso – eu começava a lacrimejar.
Amigo: Chorar faz bem… Mas o “outro” pode ser um outro que está no inconsciente, você sabe muito bem que há um Leonardo infante que está aí dentro de você, subestimado, que age meio que na surdina, imperceptível, seu “eu reprimido” que pode te induzir a erros, e que você ainda não conhece como deveria. Esse outro te induz ao juízo impulsivo e de forma deliberada, impiedosa. A maioria das pessoas passa a vida inteira fugindo de si mesmas, em subterfúgios, evitando saber de certas coisas na intimidade mais profunda da psique, porque o processo de autoconhecimento, você sabe muito bem, é doloroso, muito constrangedor. Você não é desse tipo. Você quer saber! Isso é belo! Aqui releio esta passagem do Evangelho e o “Não julgueis” começa pelo outro que há em você no inconsciente, não é apenas “outra pessoa”, entendeu agora? Se você não se conhece como deveria, como ousa julgar a si mesmo?
Leonardo: Não consegui ler essa passagem dessa forma!
Amigo: Você deve ter lido, fez muito sucesso entre crentes… Jesus, o maior psicólogo que já existiu. Mark Baker menciona a clareza nos ditos de Jesus sobre a própria identidade, além de que quase tudo o que fazemos na vida baseia-se simplesmente na fé.
Leonardo: Sim, logo no início do livro. Mais uma coisa curiosa vinda de um ateu.
Amigo: É verdade, é preciso ter fé, pelo menos na vida. Alguns a estendem ao que consideram Deus, outros não, o meu caso, mas todos carecem de alguma fé para tocar a vida. Vamos nos ater agora apenas ao conceito de “eu reprimido”.
Leonardo: Jung, certo.
Amigo: Sim. Pense agora no conceito e considere o Leonardo oculto que precisa ser melhor conhecido, ainda. Você avançou bem no autoconhecimento, mas está longe de ser o bastante, precisa pelo menos ser dobrado. Precisa conhecer melhor sua identidade, saber com mais detalhes quem você realmente é, qual foi o processo de vida que culminou do seu eu reprimido ao seu eu de hoje, os danos do passado, de onde veio e para onde pode estar indo. Então, com esse conhecimento depurado, deixará de se ocupar com o que os outros pensam sobre você e o julgamento que possa ter dos outros, e entenderá que esse “outro” começa de seu outro eu reprimido, aí escondido dentro de você.
Leonardo: E se não há razoável conhecimento sobre si, qualquer juízo será passivo de imprecisão e injustiça autoinfligida, enquanto o ato de julgar os outros se torna ainda pior, porque o julgador que não se conhece como deveria, reproduz o erro de si para uma escala ainda maior, no outro, no objeto exterior, e mesmo que eu me conhecesse bem, julgar o outro exterior ainda sempre será uma tarefa muito complexa e certamente passiva a erros porque envolve um campo o qual pouco ou nada se sabe normalmente: a psique do outro.