Bem vindos à seção de recomendações de leitura do blog. Uma leitura ao dia é um espaço neste blog onde compartilho algumas de minhas experiências como leitor.

28/02/2022 22h58

Imagem: Demodaran online

Aswath Damodaran

Oscar Wilde definiu um cínico como aquele que “sabe o preço de tudo e o valor de nada”. O mesmo pode ser dito de muitos investidores que consideram o investimento como um jogo e definem a vitória como estar à frente do pacote. Um postulado de investimento sólido é que um investidor não pague mais por um ativo do que vale a pena.”

Tradução livre.

Obra: The Little Book of Valuation. How to Value a Company, Pick a Stock, and Profit. Edição de John Wiley & Sons, Inc. Hoboken, New Jersey, 2011, p. 3. De Aswath Damodaran (Índia/Chenai, 1957).

Leitura que considero indispensável para quem deseja ter uma boa base de estudo para ingressar no âmbito da avaliação de empresas. O indiano “papa do valuation”, professor de finanças (Stern School of Business, New York University), que tem um site simples e com muito conhecimento compartilhado (o que considero admirável), trabalha na obra com fluxo de caixa descontado em exemplos práticos, matematicamente bem explicados. A forma como ele apresenta as questões e as planilhas ajuda o leitor a assimilar bem os conceitos. Consoante ao uso de conhecimentos de contabilidade na obra, recomendo também a contadores que perderam a identificação com a “ciência da riqueza” e passaram a tratá-la como uma coisa qualquer da burocracia.

27/02/2022 15h34

Imagem: shakespeare.org.uk

William Shakespeare

“POLÔNIO:

Ainda estás aqui, Laertes!
Já devia estar no navio! Que vergonha!
O vento está soprando na popa de teu navio
e só se espera tua chegada;
Aproxima-te. Que minha bênção te acompanhe,
bem como esses poucos preceitos que confio em tua memória:
pensa antes de falar e pensa antes de agir.

Sê amistoso, mas nunca vulgar.
Os amigos comprovados, sujeita-os à tua alma com arcos de aço,
mas não calejas a palma de tua mão com apertos a todo sujeito
mal saído da casca do ovo.

Tem cuidado em não entrar em briga, mas, uma vez nela,
faze tudo para que teu adversário sinta temor.
Presta ouvido a todo mundo, mas a poucos a tua voz.

Escuta as censuras dos demais, porém reserva teu juízo.
Que tua roupa seja tão cara quanto tua bolsa o permitir,
mas sem afetação; rico, mas não extravagante,
porque a roupa revela o homem e, na França,
as pessoas de mais alto conceito e posição
são, a este respeito, modelo de finura e distinção.

Não peças nem dês emprestado a ninguém,
pois emprestar faz perder ao mesmo tempo o dinheiro e o amigo
e, pedir emprestado, embota o fio da economia.

E, acima de tudo, sê sincero contigo mesmo e disto te seguirá,
como a noite segue o dia, que não poderás ser falso com quem quer que seja.
Adeus! Que minha benção faça frutificarem estes conselhos em ti!”

Obra: Hamlet. Ato primeiro, Cena III, Sala na casa de Lord Polonius. Martin Claret, 2002, São Paulo. Tradução de Pietro Nassetti. De William Shakespeare (UK/England/tratford-upon-Avon, 1564-1616).

Lord Polonius é retratado (p. 27), pelo dramaturgo mais reverenciado de todos os tempos, como um típico nobre aparentemente mais preocupado com as etiquetas em torno da honra, visando preservar o prestígio da família, do que com o estado emocional do filho em si, embora sejam belos aforismos. Hamlet, ambientado no Reino da Dinamarca, me faz lembrar a Roma do antigo Império por conta das tragédias familiares: fratricídio por envenenamento, conspirações, adultério da mãe com o assassino do rei-pai, a loucura fingida do príncipe Hamlet em meio a ideias espíritas em torno de um fantasma da vítima, o desejo de vingança e o anseio pelo castigo divino, tudo temperado com mais tragédias: suicídio, tramas, conspirações, enfim, até parece que Shakespeare se inspirou na realpolitik das famílias da antiga Roma para produzir a monumental peça dramática em torno do poder, onde a ficção se alinha a um realismo chocante.

26/02/2022 16h10

Imagem: Reprodução de ALJAZEERA

Mikhail Gorbachev

“A lógica do velho pensamento político levou à divisão da Europa em dois blocos militares opostos. Circula uma versão no Ocidente segundo a qual a Europa foi dividida pelos comunistas. Mas o que dizer do discurso de Churchill em Fulton? Ou da doutrina Truman? A divisão política da Europa foi iniciada por aqueles que causaram a desintegração da coalização anti-Hitle., declararam a Guerra Fria contra os países socialistas e montaram o bloco da OTAN como um instrumento de confronto político-militar na Europa. Deve ser reiterado que o Pacto de Varsóvia foi assinado depois da formação da OTAN.

Por causa da OTAN, mas uma vez a Europa se viu atrelada a um carro de guerra, desta vez carregado de explosivos nucleares. E, atualmente, a principal culpa pela continuada divisão da Europa deve ser colocada sobre aqueles que a transformaram numa arena de confronto de mísseis nucleares e estão pedindo uma revisão das fronteiras, ignorando realidades político-territoriais.”

Obra: Perestroika. Novas ideias para o meu país e o mundo. Editora Best Seller, São Paulo, 1987, p. 227. De Mikhail Sergeevitch Gorbachev (Rússia/Privol’noe, 1931).

Gorbachev ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1990 “pelo papel de liderança que desempenhou nas mudanças radicais nas relações Leste-Oeste” [10]. Primeira leitura no final daquele mesmo ano, durante os primeiros sinais que percebia da crise que assolava a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), fato que combinou com a derrocada no ano seguinte. A URSS me fascinava; fui um menino romântico na política, sonhador, leitor de Marx, que acreditava no planejamento central do socialismo, nas “boas intenções” de líderes comunistas.

Quanto ao termo perestroika (em português se traduz por “restruturação”) estava no pacote de Gorbachev (seria o último premiê soviético, tinha assumido o governo em 1985) junto com a glasnost (transparência); eram supostas mudanças para atualizar ou “aperfeiçoar” (no sentido do livro) o socialismo na URSS, mas que não passou de um discurso para tentar convencer o público leigo, não versado em política, acerca das mudanças que flexibilizariam a posse privada no modelo socialista de Moscou, enquanto tentavam, desesperadamente, viabilizar a continuidade do totalitário regime soviético, à beira da falência com sérios problemas de escassez e corrupção. Sobre o trecho em destaque, serve para começar a entender melhor o incômodo com a OTAN nas raízes das relações tensas entre russos e europeus do Ocidente, desde 1949 quando foi criada, sendo o “Pacto de Varsóvia” uma resposta socialista em 1955 na criação de um bloco alinhado com o sistema soviético. Não se trata, portanto, de um problema originalmente argumentado, nesses dias de conflito na Ucrânia, pelo agora presidente Vladimir Putin, que na época de Gorbachev estava na elite militar dos comunistas, versado em serviços de contra-inteligência como major de justiça no setor investigativo do Комите́т Госуда́рственной Безопа́сности (KGB), lotado na Alemanha Oriental, na chefia do departamento de fronteiras. Putin é um profissional de contra-inteligência, um político raposeiro mestre em geopolítica; preparadíssimo na arte da confusão por narrativas, que tem o potencial de colocar no bolso as fracas lideranças europeias na atualidade, assim como o presidente Joe Biden e suas bravatas. Só tem um poder que Putin, estimo, tende a respeitar nesse mundo; o PCC (Partido Comunista da China), o resto, ele apenas testa por balões de ensaio. Dias difíceis, parece-me, estão adiante…

10. The Nobel Peace Prize 1990

25/02/2022 22h22

Imagem; ABM

Sophia de Mello Breyner Andresen

Senhor, dai-me a inocência dos animais
Para que eu possa beber nesta manhã
A harmonia e a força das coisas naturais.

Apagai a máscara vazia e vã
De humanidade,
Apagai a vaidade,
Para que eu me perca e me dissolva
Na perfeição da manhã
E para que o vento me devolva
A parte de mim que vive
À beira dum jardim que só eu tive.”

Obra: Reza da manhã de maio. Poema. Coral e outros poemas Edição da Companhia das Letras, São Paulo, 2018, formato físico. De Sophia de Mello Breyner Andresen (Portugal/Porto, 1919-2004).

Em 1999, entrou para a história ao ser a primeira poeta portuguesa a ganhar o Prêmio Camões [9]. Quando fui ao Oceanário de Lisboa, em 2018, pude apreciar seus poemas intimamente ligados à temática do mar (“Antologia do Mar”). Deixou registrada em suas obras o apreço pela literatura clássica, seja pelo uso de grafia antiga ou por referências que convidam o leitor a conhecer melhor a cultura grega. A obra de Sophia de Mello Breyner Andresen é um encontro do moderno com o clássico; maravilhosa.

9. Prêmio Camões 1999.

24/02/2022 22h52

Imagem: IHU

Bruno Forte

“A decadência não é o abandono dos valores, a renuncia a vivenciar algo pelo qual, todavia, se pensa valer a pena viver. Bem mais sutilmente, a decadência priva o homem da paixão pela verdade. tira-lhe o gosto de lutar por uma razão mais elevada, despoja-o daquelas motivações fortes que a ideologia ainda parecia oferecer-lhe. […] A décadence esvazia de força o valor, porque não lhe interessa medir-se com ele: tende a levar os homens a não pensar mais, a fugir da lida e da paixão do verdadeiro, para abandonar-se ao imediatamente desfrutável, calculável com o único interesse do consumo imediato.”

Obra: À escuta do Outro. Capítulo X: Resistência e Revelação. Tradução de Mário José Zambiasi. Paulinas, 2003, São Paulo, página 149, formato físico. De Bruno Forte (Italia/Napoli, 1949).

Leitura de 2007. Na passagem em destaque, o teólogo católico-romano italiano e, atualmente, arcebispo de Chieti-Vasto, analisa uma descrição precisa – típica da maestria luterana em fazer síntese – na obra Ética, feita pelo teólogo e pastor protestante Dietrich Bonhoeffer (Polônia/Wrocław, 1906-1945), da Igreja Confessante, que combateu o nazismo: “Como não há nada de duradouro, rui o fundamento da vida histórica, a confiança, em todas as suas formas. Como não se tem confiança na verdade, os sofismas da propaganda lhe tomam o lugar. Como não há confiança na justiça, declara-se justo o que convêm. Essa é a situação do nosso tempo, que é um tempo de verdadeira decadência.”.

Bonhoeffer conspirou para assassinar Hitler; acabou preso e enforcado. Além de Bonhoeffer, À escuta do Outro tem análises sobre pensamentos de Hegel, Schelling, Karl Barth, passando por Karl Jaspers, Heidegger, Lévinas, De Lubac, Dostoievski, Rahner, Emmanuel Mounier, Nietzsche e Rudolf Bultmann, um dos teólogos protestantes que mais influenciaram minha formação cristã na passagem pelo seminário; no Capítulo IV há uma interessante crítica à abordagem antropológica existencial.

23/02/2022 23h26

Imagem: Brown University

Thomas Skidmore

“Quando Médici assumiu, o Brasil tinha 45 emissoras de TV licenciadas. Seu governo concedeu mais 20 licenças e nesse processo ajudou consideravelmente o crescimento da Rede Globo. Criada por um império jornalístico conservador muito bem-sucedido, a TV Globo aceitara anteriormente financiamento parcial das organizações Time-Life. Seus adversários – especialmente ligados a uma rede de TV concorrente que estava perdendo suas licenças para a TV Globo – denunciaram que os laços financeiros desta com Time-Life violavam a lei brasileira de telecomunicações que proíbe a propriedade por estrangeiros de órgãos de comunicação. O governo rejeitou a denúncia, e a TV Globo continuou a crescer ultrapassando suas concorrentes como líder de audiência. Diziam seus críticos que essa ascensão podia ser explicada pela defesa dos interesses oficiais através da programação da Rede Globo durante o governo Médici.”

Obra: Brasil: De Castelo a Tancredo. Ed Paz e Terra, 5a. reimpressão, 1988, Rio de Janeiro. Tradução de Mario Salviano Silva. De Thomas Elliot Skidmore (EUA/Ohio, 1932-2016).

Leitura de 1996. O que o americano brasilianista Skidmore aborda no capítulo V (Médici: a fase autoritária) desta obra pode servir de uma boa reflexão atualmente sobre uma visão comum entre saudosos do regime militar desta época, enquanto ferrenhos críticos da Rede Globo, cujo império foi construído com o apoio do mesmo regime militar que tanto reverenciam. O crescimento da Rede Globo é um típico caso de grande companhia forjada no capitalismo de compadrio, e nesse contexto se pode analisar melhor o amplo apoio de sua administração ao regime militar.

A questão nunca foi ideológica e sim de exploração simbiótica de relações com o poder. A Globo apoia quem esteja disposto a lhe conceder e/ou preservar privilégios. Fez isso com os militares entre 1964-1985. No governo Sarney (1985-1989). Com FHC entre 1994 e 2002, na era petista entre 2003 e 2015 (basta ver o que arrecadou com publicidade do governo federal, cuja dissonância cognitiva de petistas não permite enxergar) e nos mandatos “tampões” do PMDB com Itamar Franco (1992-1993) e Temer (2015-2017). A Globo, ao perceber qualquer oposição aos seus interesses de poder econômico de laços com o político no Estado se torna, de fato, oponente no uso de sua poderosa máquina de mídia, como no caso de Collor (1992), Dilma (2015) e Bolsonaro (atualmente).

22/02/2022 23h30

Imagem: Mises Institute

Friedrich August von Hayek

“[…] quanto mais elevada a educação e a inteligência dos indivíduos, tanto mais se diferenciam os seus gostos e opiniões e menor é a possibilidade de concordarem sobre determinada hierarquia de valores (p.141). […] Serão, assim, aqueles cujas ideias vagas e imperfeitas se deixam influenciar com facilidade, cujas paixões e emoções não é difícil despertar, que engrossarão as fileiras do partido totalitário (p.142).”

Obra: O Caminho da Servidão. Capítulo X – Por que os Piores Chegam ao Poder. Instituto Mises Brasil, 2010, São Paulo. Tradução de Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro. De Friedrich August von Hayek (Áustria/Viena, 1899-1992).

Meu primeiro contato com esta obra foi em 2007, o que me despertou para a Escola Austríaca de Economia. O capitulo X foi o mais interessante.

Pude estudar melhor Hayek distante da faculdade e do patrulhamento ideológico tão comum no ensino dito “superior”. Consoante à analise do economista e filósofo político agraciado com o “Nobel de Economia” de 1974: a luta pelo poder político, a busca de uma forte base de apoio consistirá em padrões ou concordâncias que são menos complicadas de serem obtidas entre os que não possuem certo discernimento diante dos problemas em pauta, que formam a massa de eleitores.

Os piores chegam ao poder explorando a potencialidade eleitoral que faz a maioria entre desavisados e carentes de mínimos conhecimentos; os piores crescem formando capital político entre indivíduos com ideias rasas, limitadas, que são os mais fáceis de serem manipulados enquanto esperam por soluções rápidas ou “práticas” para problemas de elevada complexidade. Todo político demagogo sabe que é preciso se concentrar em eleitores prosélitos dispostos ao “custe o que custar” priorizando o perfil do eleitor menos esclarecido. Indivíduos mais esclarecidos atrapalham, dividem, pensam demais; são tendentes a contestar, criticar, analisar, com mais qualidade, algo que compromete a solidez política e a unidade de um movimento de massa. A ignorância dos eleitores passa a ser uma peça importante  no tabuleiro da disputa eleitoral, onde os piores candidatos se identificam com facilidade. Quanto mais bestializado for o eleitor, quanto mais recalcada for a sua maneira de pensar, melhor será para arregimentar e assim construir uma via robusta para a vitória, sobretudo quando se está diante de um regime de democracia onde o voto de um incauto tem o mesmo peso em comparação com o voto de uma pessoa melhor consciente da realidade.

21/02/2022 22h26

Imagem: Recanto do Poeta

João Cabral de Melo Neto

“— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.”

Obra: Morte e Vida Severina. Poesia completa, Organização, estabelecimento de texto, prefácio e notas de Antonio Carlos Secchin, edição da Alfaguara, 2020, eBook Kindle. De João Cabral de Melo Neto (Brasil/Pernambuco/Recife, 1920-1999).

João Cabral de Melo Neto talvez tenha sido o brasileiro mais próximo do Nobel.

Em Morte e Vida Severina, faz uso da técnica medieval da literatura dramática, constrói sob a temática social do retirante trágico, do sertão ao litoral, da terra seca ao mangue, cercado em desilusão em uma trajetória que passa pela renovação da vida, por um Auto de Natal em meio à miséria e à morte.

O que mais me fascina no estilo de João Cabral é a riqueza de vocabulário e a técnica de construção com um toque de inteligência que surpreende e impele minha mente a interagir melhor com a língua nativa. Reverenciado internacionalmente, enriqueceu a literatura brasileira com uma disciplina singular e monumental.

20/02/2022 10h56

Imagem: Reprodução de The Economist

John Maynard Keynes

“Um ato de poupança individual significa – por assim dizer – uma decisão de não jantar hoje, mas não implica, necessariamente, a decisão de jantar ou de comprar um par de sapatos daqui a uma semana ou um ano, ou de consumir uma coisa específica numa data especificada. Assim sendo, produz um efeito depressivo sobre as atividades econômicas aplicadas na preparação do jantar de hoje, sem estimular as preparam algum ato futuro de consumo. Não é uma substituição da demanda de consumo presente por uma demanda de consumo futuro, mas apenas uma diminuição líquida desta demanda. Além disso, a expectativa de consumo futuro está de tal modo baseada no conhecimento do consumo presente que qualquer redução do último provavelmente deprimirá o primeiro, com o resultado de que esse ato de poupança não apenas fará baixar o preço dos bens de consumo, independentemente da eficiência marginal do capital existente, como também pode enfraquecer esta última. Nesse caso pode reduzir a demanda de investimento atual tanto quanto a demanda de consumo presente.”

Obra: A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Edição da Atlas, São Paulo, de 1982, formato físico. De John Maynard Keynes (Reino Unido/Cambridge, 1883-1946).

Referência bibliográfica elementar em economia. O Lorde abre o Capítulo 16 intitulado “Observações diversas sobre a natureza do capital”, página 167 nesta edição que adquiri em meados dos anos 1990 no antigo sebo da Praça do Sebo, Avenida Guararapes, em um tempo em que me orgulhava de estudar keynesianismo, onde todo aluno prendado tinha o dever de estudar muito este clássico, no mínimo lê-lo três vezes, se possível, no original, reza a lenda. Keynes foi, à mon àvis, o mais importante economista do século XX (favor não confundir com o maior, pois tenho outro em mente em minha concepção) e representou uma autêntica visão de terceira via sobre as coisas que incomodavam quando se discutia política econômica em uma era de recessão, com bolhas estouradas nos anos 1920, e um sentimento de que as ideias tradicionais dos liberais não atendiam aos desejos emergenciais para as economias, enquanto do outro lado estava um modelo reconhecidamente socialista, planificado, muito mais intervencionista, se formando na então União Soviética que viria a ocupar o leste europeu. Keynes buscou ideias intervencionistas [8] como um moderado a sintetizar uma visão que apela à razão, precisamente no uso da matemática para justificar e assim romper com a visão neoclássica, assim como o laissez-faire, além do que se tinha de compreensão sobre a (desgastada) visão liberal e a famosa (e tão mal falada hoje, parecendo até um palavrão entre influencers catedráticos progressistas) “mão invisível” de Adam Smith. No capítulo 16 fica claro o incômodo de Keynes com a poupança e, penso, é um caminho para se entender bem seu pensamento, sem entrar no mérito aqui se está correto ou não do ponto de vista da economia como ciência da escassez; o britânico fala o óbvio sobre o efeito na demanda do potencial consumidor em optar pela poupança, a servir de referência para uma compreensão em relação ao contexto histórico-econômico de seu tempo. Aqui penso como um pensador em economia bem considerado pode ser útil para o lobismo em torno de conceitos até então tidos como heterodoxos e tentadores, quando se pensa em “aquecer a economia”, onde a inflação fica subestimada e ciclos econômicos são impactados para dar vazão a bolhas financeiras. O resultado é que o intervencionismo de Keynes acabou sendo muito bem recebido por políticos, grandes empresários do capitalismo de laços e catedráticos um tanto frustrados com o socialismo marxista, isso no mundo ocidental, quando tinham certos alinhamentos sobre o Estado como instrumento de intervenção econômica, sobretudo para tempos difíceis, e se hoje temos progressistas em grande evidência que ainda insistem em defender ideias marxistas, é por conta dos trabalhos de Keynes que conseguem ganhar tempo e ocupação de espaço (aqui em um sentido dado por Gramsci) no debate político para se manter, pois se adotassem mesmo apenas as ideias de Marx, teriam o mesmo destino da União Soviética quanto ao prestígio no mainstream. O que “liberais” como o ministro da economia Paulo Guedes e equipe fizeram em 2020 e 2021 como medidas “anticíclicas”, em programas emergenciais, tomando como exemplo, foi por conta da grande influência do pensamento de Keynes.

8. E não eram tão originais assim, enquanto ideias, considerando o que ocorrera ao longo da história econômica., não sendo preciso ir tão distante, por exemplo, ao intervencionismo do Império Romano. Na aula “La bancarotta dello stato: le cause della rivoluzione francese”, o professor e historiador italiano Alessandro Barbero fala sobre o intervencionismo francês na pré-revolução, em aula de 21 de novembro de 2019, na Intesa Sanpaolo.

19/02/2022 07h26

Imagem: Il Tempo

Andrea Scanzi

Matteo Salvini não é o novo Mussolini: é o enésimo fanfarrão. Um ‘fanfarrão verde’ como o batizou Marco Travaglio. Nunca tive medo de Matteo Salvini. Tenho medo da morte, do tempo que passa e de Borghezio in guêpière, mas de Salvini não. Demonizá-lo significa superestimá-lo e jogar seu jogo. Salvini não faz medo: faz rir (p. 11). […] Matteo Salvini come Nutella. Faz política desde os 17 anos. E não trabalhou praticamente nunca (p. 34). […] Salvini foi e continua sendo muito bom a encarnar o melhor do pior dos italianos (p 72). […] Dizer que Salvini é a causa de algo significa – mais uma vez – superestimá-lo. Salvini não é causa, mas efeito de um país que adora se rebaixar e ficar feio (p. 98). O arúspice contemporâneo mais implacável, Pietro Fassino, imediatamente após o nascimento de Mazinger, de fato profetizou o seguinte: “Esqueça Salvini, a aliança PD-MS5 pode realmente mudar a política italiana”. Eu sei que, para colocar nas palavras do poeta, vamos tomar (*) novamente desta vez (p 131-132).”

Tradução livre

Obra: Il cazzaro verde. Ritratto scorretto di Matteo Salvini. PaperFIRST, Roma, 2019. De Andrea Scanzi (Italia/Arezzo, 1974).

Após passar pela Piazza del Parlamento (lugar apropriado para refletir sobre o livro, com alguns repórteres em chamadas), em uma manhã com um friozinho agradável, antevéspera de Natal de 2019 na cidade eterna, em um shopping próximo entrei em uma livraria e lá estava esta obra em destaque, do midiático jornalista italiano sobre a trajetória de um dos principais líderes da direita, Matteo Salvini.

Da primeira a última página, Scanzi conta histórias, ironiza, ridiculariza e demonstra indignação em um “Arnaldo Jabor” à moda italiana. Salvini é um senador que goza de um certo prestígio como líder da Liga Norte; ele chegou a ser ministro do interior em uma aliança incoerente, mas caiu após forçar uma crise em que visivelmente se voltou contra o próprio governo em que fazia parte, tentando derrubar o então primeiro-ministro, Giuseppe Conte; seu estilo é mesmo fanfarrão (daí vem o termo “cazzaro” e creio que “demagogo” seja uma aproximação no contexto brasileiro) e assim posa de conservador, piedoso, explora o sentimento religioso dos eleitores, assim como tenta passar uma imagem de baluarte dos valores tradicionais da família. Também tenta fazer o papel de ferrenho nacionalista.

Alguma semelhança com um certo político brasileiro? E foi Matteo Salvini que recepcionou muitíssimo bem o atual ocupante do Alvorada quando visitou a Itália, durante a pandemia. Tive que suavizar a tradução na última página devido à profunda irritação de Scanzi com uma aliança política que fez nascer um governo que cairia durante a pandemia.

Scanzi tem um estilo que aqui chamaríamos de “isentão”, com um viés progressista mas sem assumir, algo típico em jornalistas brasileiros. No mais, a leitura só me ajudou a reforçar um entendimento de que a Itália é um Brasil dentro da Europa, sobretudo entre políticos cujos valores universais indicam que para se ter sucesso na carreira, a receita principal envolve uma grande capacidade de aplicar demagogia combinada com uma exploração eficiente de meias verdades para espalhar fake news e constituir um vasto curral eleitoral.

18/02/2022 22h54

Imagem: Rocco

Clarice Lispector

“Pois não é que quis descansar as costas, por um dia? Sabia que se falasse isso ao chefe ele não acreditaria que lhe doíam as costelas. Então valeu-se de uma mentira que convence mais que a verdade: disse ao chefe que no dia seguinte não poderia trabalhar porque arrancar um dente era muito perigoso. E a mentira pegou. Às vezes só a mentira salva. Então, no dia seguinte, quando as quatro Marias cansadas foram trabalhar, ela teve pela primeira vez na vida uma coisa a mais preciosa: a solidão. Tinha um quarto só para ela. Mal acreditava que usufruía o espaço. E nem uma palavra era ouvida. Então dançou num ato de absoluta coragem, pois a tia não a entenderia. Dançava e rodopiava porque ao estar sozinha se tornava: l-i-v-r-e!”

Obra: A Hora da Estrela. Edição da Rocco Digital, eBook Kindle, 2020. De Chaya Pinkhasivna Lispector (Ucrânia/Chechelnyk,1920-1977).

Leitura para se compreender bem uma mudança na produção de Clarice Lispector, vencedora na categoria Romance do Prêmio Jabuti 1978 [6]. Derradeiro livro publicado em vida [7] desta talentosíssima ucraniana, romancista, naturalizada brasileira e que gostava de ser vista como pernambucana, dada a sua ligação forte com o Recife.

A personagem central desta obra, a nordestina Macabéa, das Alagoas, órfã de pai e mãe, de infância difícil, sofrida, criada por uma tia que a oprimia, carente de quase tudo, sem beleza física, com uma inocência retratada em sua virgindade, assim se torna uma retirante que vai tentar a vida no Rio de Janeiro e arruma um emprego como datilógrafa, cuja temática social reflete um estilo diverso de Clarice Lispector, onde ela trabalha personagens diferentes, além de Macabéa, inserindo narrador (Rodrigo), com um realismo que revela uma marca distinta dos romances produzidos até então.

6. PREMIADOS 1978 – ROMANCE;

7. Após a morte da escritora, lançado “Um sopro de vida – Pulsações”, ver em IMS por Clarisse Fukelman .

17/02/2022 23h02

Imagem: Suno Research

Décio Bazin

“Estou convencido de que ninguém precisa de palpites alheios para decidir onde empregar o próprio dinheiro – esse dinheiro que é tão difícil de ganhar. Entendo que, se precisar depender de um especialista para administrar os seus bens, você não merece o dinheiro que tem.

Qualquer um precisa realmente não mais do que uma orientação. E depois de obtê-la deve partir sozinho para o seu voo, como fazem as borboletas quando saem das crisálidas. Só uma orientação, nada mais.”

Obra: Faça fortuna com ações antes que seja tarde. Edição da CLA Cultural, 2017, no Kindle, página 220. De Décio Bazin (Brasil, 1931-2003).

Uma das melhores leituras de investimento que fiz. Recomendo bastante para iniciantes começarem bem uma caminhada de investimentos com busca de maturidade. É um clássico brasileiro sobre investimentos em ações com enfoque em dividendos. Luiz Barsi costuma mencioná-lo com grande reverência. Décio Bazin começou estudando contabilidade (anos 1950), depois se tornou corretor de investimentos e desenvolveu um método baseado em interpretação de conceitos financeiros, onde discorre em detalhes na obra. Foi um dos grandes investidores da Bolsa e atuou também como jornalista na área econômica da Gazeta Mercantil e na revista Balanço Financeiro.

16/02/2022 23h16

Imagem: Estrategistas

Viktor Frankl

“Se é que a vida tem sentido, também o sofrimento necessariamente o terá. Afinal de contas, o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma, do mesmo modo que o destino e a morte. Aflição e morte fazem parte da existência como um todo.

A maioria preocupava-se com a questão: ‘Será que vamos sobreviver ao campo de concentração? Pois, caso contrário, todo esse sofrimento não tem sentido’. Em contraste, a pergunta que me afligia era outra: ‘Será que tem sentido todo esse sofrimento, essa morte ao nosso redor? Pois caso contrário, não faz sentido sobreviver ao campo concentração’. Uma vida cujo sentido depende exclusivamente de se escapar com ela ou não e, portanto, das boas graças de semelhante acaso – uma vida dessa nem valeria a pena ser vivida.”

Obra: Em busca de sentido. A liberdade interior. Vozes, 2018,Petrópolis. Tradução de Walter O. Schulupp e Carlos C. Aveline. De Viktor Emil Frankl (Áustria/Viena, 1905-1997).

Leitura do tempo de seminarista.

Viktor Frankl, fundador da terceira escola vienense de psicoterapia.

Obra inspiradora. Como encontrar sentido no viver diante de um profundo sofrimento? O autor desenvolve o tema na indelével experiência de sobrevivente de campo de concentração nazista, ter perdido pai, mãe, irmão e esposa na mesma experiência, tendo apenas a irmã sobrevivido.

A forma como Frankl esmiuçou o próprio sofrimento em condições tão extremas, mergulhando em seu significado para o encorajamento da vida adiante, de certa forma produziu um grande sentido para o surgimento de um trabalho cuja envergadura deu a Logoterapia para a psicologia.

15/02/2022 23h21

Imagem: RCIA

Arnaldo Jabor

“[…] Aos 13 anos, descobri um livro roído de traças na casa de meu avô: O Primo Basílio, que minha avó tentou proibir (‘Isso não é para criança!…’). Li e minha vida mudou. Era como se toda a névoa confusa da infância, vagas tias, vultos, rezas, tristes salas de jantar, secos padres jesuítas, tivesse subitamente se dissipado. O mundo ficou claro, através das personagens de Eça. Ali estavam todos os tipos que eu conhecia, ali estavam explicados os arrepios de horror, diante do teatrinho pequeno-burguês do Rio. O primo Basílio chegava com sua vaidade brutal e me explicava os cafajestes brasileiros, o padre Amaro me decifrava a tristeza sexual das clausuras dos colégios, o conselheiro Acácio era a burrice solene de professores e políticos. Damaso Salcede espelhava centenas de mediocridades gorduchas, Gonçalo Ramirez era o frágil caráter de hesitantes como eu e tantos outros. […]”

Obra: Pornopolítica. Paixões e taras na vida brasileira. Edição da Objetiva, 2006, Rio de Janeiro, formato físico. De Arnaldo Jabor (Brasil/Rio de Janeiro, 1940-2022).

Faleceu hoje o autor e revisitei uma de suas obras, lida em 2007. Interessante leitura em um contexto de crise política.

O trecho é da crônica “Eça de Queiroz e o Brasil”, a que mais me identifiquei no livro por conta de minha admiração pelo estilo literário realista do escritor português. Vejo Pornopolítica como uma espécie de manifesto de Arnaldo Jabor, bem ao seu estilo indignado de fazer crônicas um tanto ácidas e apresentá-las com uma vibrante energia. O contexto da indignação está nos escândalos de corrupção durante meados do primeiro mandato do então presidente Lula, no entanto, Jabor também aborda outros temas, fazendo uso de diálogos, demonstrando sua criatividade de cineasta, dramaturgo e roteirista com a peculiar e admirável irreverência para refletir sobre fatos da política e da cultura.

14/02/2022 23h34

Imagem: UFPE

Ruy Barbosa

“Tenham por averiguado que, onde quer que o colocarem, dará conta o sujeito das mais árduas empresas e solução aos mais emaranhados problemas. Se em nada se aparelhou, está em tudo e para tudo aparelhado. Ninguém vos saberá informar por quê. Mas todo o mundo vo-lo dará por líquido e certo. Não aprendeu nada, e sabe tudo. Ler, não leu. Escrever, não escreveu. Ruminar, não ruminou. Produzir, não produziu. É um improviso onisciente, o fenômeno de que poetava Dante:

In picciol tempo gran dottor se feo‘. [3]

A esses homens-panacéias, a esses empreiteiros de todas as empreitadas, a esses aviadores de todas as encomendas, se escancelam os portões da fama, do poderio, da grandeza, e, não contentes de lhes aplaudir entre os da terra a nulidade, ainda, quando Deus quer, a mandam expor à admiração do estrangeiro.

Pelo contrário, os que se tem por notório e incontestável excederem o nível de instrução ordinária, esses para nada servem. Por quê? Porque ‘sabem demais’. Sustenta-se aí que a competência reside, justamente, na incompetência. Vai-se, até ao incrível de se inculcar ´o medo aos preparados’. de havê-los, como cidadãos perigosos, e ter-se por dogma que um homem, cujos estudos passarem da craveira vulgar, não poderia ocupar qualquer posto mais grado no governo, em país de analfabetos. Se o povo é analfabeto, só ignorantes estarão em termos de o governar. Nação de analfabetos, governo de analfabetos. E o que eles, muitas vezes às escâncaras, e em letra redonda, por aí dizem.”

Obra: Oração aos Moços. Martin Claret, 2004, São Paulo. De Ruy Barbosa de Oliveira (Brasil/Bahia/Salvador, 1849-1923).

Leitura de 2005. A citação de Dante Alighieri em ironia que me remete a uma questão que há anos procuro meditar: Por que os piores chegam ao poder? Hayek se tornou uma das minhas principais referências neste assunto, em um contexto de ocupação de poder político a considerar certos efeitos da democracia a refletir na exploração política de um eleitorado predominante em termos de pouquíssimo discernimento e, por isso, capacidade crítica nula, sendo facilmente manipulável e que forma uma maioria a definir pleitos [4].

Os demagogos, populistas e demais sociopatas idolatrados e que militam na política sabem disso e assim exploram incautos com a peculiar competência inescrupulosa que lhes é tão peculiar. Contudo, sempre que penso nesta passagem de Ruy Barbosa, tomo a questão em um sentido ainda mais amplo, abrindo um leque a uma serie de questões que vêm à baila sobre o Brasil e os brasileiros: o desprezo pelo conhecimento, a glamourização da ignorância, o efeito Dunning-Kruger em corporações, sobretudo em burocratas que as lideram sejam estatais ou privadas e, sobretudo, a ilusão do “intervencionista ingênuo” na análise de Taleb [5], que pode ser traduzida também em especialistas de elevada cultura, saber notório, boa formação cientifica e ilibada conduta que se acham capazes para lidarem, de forma eficiente, com problemas complexos na dispersão de conhecimentos que fluem nas sociedades e eis que assim arquitetam grandes arranjos de planejamento central, através de governos públicos (estatais). Por fim, o trecho também revela como Ruy Barbosa foi um homem sensível na inteligência, a ponto de produzir uma reflexão tão atual ao Brasil bem brasileiro.

3. La Divina Commedia, Paradiso, XII, 85;

4. O Caminho da Servidão, capítulo X;

5. Antifrágil, capítulo 7.

13/02/2022 12h46

Imagem: Instituto Lula

Fernando Morais

“Quando perguntei a um influente jornalista cubano se lá existe liberdade de imprensa, ele deu uma gargalhada e respondeu: ´Claro que não´. ´E completou, com naturalidade: ´Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês. Só um idiota não é capaz de ver que a imprensa está sempre a serviço de quem detêm o poder. E aqui em Cuba quem detêm o poder é o proletariado. Estamos todos os jornalismos cubanos, portanto, a serviço do proletariado´.”

Obra: A Ilha (Um repórter brasileiro no país de Fidel Castro). Imprensa. Alfa-Omega, 1987, São Paulo. De Fernando Gomes de Morais (Brasil/Minas Gerais, 1946).

Li pela primeira vez aos 16 anos de idade, quando vivia os tempos românticos de adolescente socialista. Revisitei esta obra algumas vezes e entendo o seu precioso valor, independente das ideias do autor. Recomendo estudá-la com afinco.

Neste capítulo (pp. 61-64), Morais conta como se deu o processo de estatização dos meios de comunicação e o alinhamento com as ideias revolucionárias sob a liderança de Fidel Castro, o que em certo sentido acabou sendo similar ao que ocorreu em regimes fascistas e nazistas, do ponto de visto do controle ou patrulhamento ideológico. Quanto à liberdade de imprensa em Cuba, quando observo um típico jornalista brasileiro, de mentalidade progressista, não raramente simpático à imagem narrada sobre Fidel, penso se estariam movidos por interesses ideológicos totalitários, por militância no jornalismo onde o cinismo é ferramenta elementar, ou se padecem de seríssimos problemas cognitivos sobre o significado da liberdade de expressão, caríssima à imprensa. Talvez, em alguns casos, um pouco das duas coisas.

Quanto à resposta do influente jornalista cubano a Morais (p.61), na primeira parte há um sentido que considero parcialmente: a imprensa tem compromissos diversos, entre os quais não deve ser desprezado o que diz respeito aos poderes políticos e econômicos da sociedade, independente do regime político em evidência e falar em liberdade plena em seu exercício é ingenuidade, pois uma grande corporação de imprensa se mantêm por anunciantes que, porventura, podem ter laços com políticos e sendo assim, quem garante que não haverá alguma restrição em caso de conteúdo que contrarie seus anunciantes em determinadas análises e publicações? No entanto, apesar desse problema em uma sociedade com certa economia liberal, tal questão não se compara com as restrições de liberdade de expressão na imprensa em regimes socialistas mais avançados, como é o caso do cubano; então, o problema gravíssimo da fala do influente jornalista está na segunda parte, em considerar ser uma simples troca de regime de controle de imprensa como se ambos tivessem a mesma proporção, cabendo tão-somente uma escolha para algo melhor que a direcione e, por esse análise rasa, muitos se conformam com regimes de forte restrição ao livre pensamento, com controles sociais diversos, ocasionando em policiamento rígido da imprensa pela via política de Estado, como se tais coisas, típicas de um “regime de proletariado”, não resultassem em um totalitarismo, mediante crescente concentração de poder tirânico do supremo líder e seu aparato partidário, tão ou mais nociva, sendo o próprio regime cubano um exemplo, assim como fora o stalinismo na extinta URSS à época da publicação do livro, tudo isso em relação a regimes que seus adeptos dizem combater: no passado, o fascismo (que morreu com Mussolini), o nazismo (que se foi com Hitler); atualmente o neofascismo em suas variantes de compadrio com a iniciativa privada, assim como o neonazismo, além de visões neoliberais sobre a política e a economia, que apelam a controles sociais e flertam com formas mais avançadas de socialismo na atualidade, onde a imprensa reproduz certos vícios editoriais censurando algumas formas de expressão de liberdade por meio de um patrulhamento velado, tais como evitar publicações de conservadores, além das que prezam em revisitar ideias do liberalismo clássico e/ou do libertarianismo austríaco.

12/02/2022 18h38

Imagem: katholish.de

Hans Küng

“Segundo os evangelhos, o homem de Nazaré praticamente junca usou a palavra igreja. Não há falas de Jesus em público que programaticamente chamem a atenção para a necessidade de uma comunidade de eleitos e da fundação de uma igreja. Críticos bíblicos concordam nesse ponto. Jesus não proclamou uma igreja, nem a si mesmo, mas sim o reino de Deus.”

Obra: A Igreja Católica. 1. Os Primórdios da Igreja. Edição da Objetiva, 2002, Rio de Janeiro. Tradução de Adalgisa Campos da Silva. De Hans Küng (Suíça/Sursee, 1928-2021).

Leitura dos tempos de seminarista. O texto parece vir de algum sectário anticatólico e antiprotestante ou “desigrejado”. No entanto, o autor tendo sido doutor da Igreja Católica Apostólica Romana, pode soar um tanto polêmico para católicos romanos.

Hans Küng foi ordenado padre em 1954 e nomeado, em 1962, pelo papa João XXIII, peritus (consultor teológico) para o Concílio Vaticano II. Na mesma década de 1960, o doutor suíço se envolveu em polêmicas acerca de doutrinas da Igreja e acabou punido com censura pelo Vaticano em 1979. Contudo, o que ele discorreu na abertura da obra não é novidade, independente de confissão religiosa, para quem estudou teologia com seriedade, por mínima exegética bem trabalhada sobre textos bíblicos e um apurado senso crítico, assim para quem conhece, mesmo que razoavelmente, a história da Igreja. A honestidade intelectual nos textos do teólogo Hans Küng é uma das mais importantes referências que tenho em minha vida de leituras.

11/02/2022 22h34

Imagem: The New York Times

Roger Scruton

“O negócio do conservadorismo não é corrigir a natureza humana ou moldá-la de acordo com alguma concepção ideal de um ser racional que faz escolhas. O conservadorismo tenta compreender como as sociedades funcionam e criar o espaço necessário para que sejam bem-sucedidas ao funcionar. O ponto de partida é a psicologia profunda da pessoa humana.”

Obra: Como ser um conservador. Capítulo 10 – A verdade no conservadorismo. Record, 2017, Rio de Janeiro. Tradução de Bruno Garschagen. De Roger Vernon Scruton (Inglaterra/Lincolnshire, 1944-2020).

Para estudo inicial sobre conservadorismo, recomendável.

O trecho abre o capítulo 10 (A verdade no conservadorismo). Sempre curioso o caso de muitos intelectuais e professores no Brasil, normalmente de viés progressista, que versam sobre “conservadorismo” carregados de estereótipos e parecem desconhecer (ou estariam com outra intenção?) conceitos básicos sobre o termo, cuja obra de Scruton, no caso efetivo de ignorância, lhes serviria bem de curso básico.

O que mais incomoda os que dão aula sobre conservadorismo com tom panfletário, penso, é o fato de que a cosmovisão conservadora considera como valioso o espaço para o indivíduo se conscientizar e assumir suas responsabilidades no exercício de escolhas, o que contraria quem prefere ter apreço por aqueles que coletivizam as responsabilidades e se apresentam como engenheiros da sociedade, supostamente capazes de lidar com o que Hayek considerou como “dispersão do conhecimento”.

10/02/2022 22h30

Padre António Vieira

“A dor moderada solta as lágrimas, a grande as enruga, as congela e as secca. Dor que pode sair pelos olhos, não é grande dor […] A mesma causa quando é moderada e quando é excessiva, produz efeitos contrários: a luz moderada faz ver, a excessiva faz cegar; a dor, que não é excessiva, rompe em vozes, a excessiva emudece.”

Obra: O Pranto e o Riso, de Sermões Escolhidos, edição da Martin Claret, página 192, formato físico. De António Vieira (Portugal/Lisboa, 1608-1697).

O Pranto e o Riso ou As Lágrimas de Heráclito é uma reflexão filosófica deste gigante jesuíta da oratória sacra, que conhecia profundamente as obras clássicas.

Argumentação no vernáculo apresentada no palácio da rainha Cristina da Suécia, em 1674, deixou a nobre impressionada com os sermões de Vieira, que deixou Lisboa e foi à Roma, em meio à perseguição da Inquisição. A rainha pode conferir a envergadura das reflexões filosóficas e teológicas, e por que não dizer também psicológicas, deste grande intelectual e pregador.

09/02/2022 22h12

Barry Miles

“[…] Não tenho certeza se ela usou as palavras ‘Deixe estar’ (Let it be), mas essa era a essência de seu conselho, no sentido de “não se preocupe muito, vai dar tudo certo.” Foi um sonho tão doce que acordei pensando: Oh, foi realmente ótimo visitá-la novamente. Eu me senti muito abençoado por ter esse sonho. Então isso me fez escrever a música “Let It Be”. Eu literalmente comecei com “Mãe Maria”, que era o nome dela, depois segui “quando eu me encontro em tempos de dificuldade”, no qual eu me encontrava. *A música foi baseada naquele sonho. Para muitas pessoas, “Let It Be” se tornaria uma canção inspiradora, ajudando nos momentos difíceis de suas vidas.”

Tradução livre.

Obra: Paul McCartney: Many Years from Now, edição da Henry Holt & Company (1998), formato físico. De Barry Miles (Inglaterra/Gloucestershire, 1943).

Parte em que Paul McCartney conta sobre o processo que culminou no fim dos Beatles e uma tentativa de reaproximação e gravação de um álbum, no contexto da criação da composição Let it be que muitos pensam ser de referência cristã em relação à Maria, Mãe de Jesus Cristo. Como se verifica na obra de Barry Miles, não foi essa a intenção de Paul, o que não deixa de ter um contexto de criação belo e sublime.

08/02/2022 23h12

Imagem: ACAMFE

Eça de Queirós

“Foi aquele o período mais feliz da vida de Amaro.

‘Ando na graça de Deus’, pensava ele às vezes à noite, ao despir-se, quando por um hábito eclesiástico, fazendo o exame de seus dias, via que eles se seguiam fáceis, tão confortáveis, tão regularmente gozados. Não houvera, nos últimos dois meses, nem atritos nem dificuldades nos serviços da paróquia, todo o mundo, como dizia o Padre Saldanha, andava de um humor de santo. D. Josefa Dias arranjara-lhe muito barata uma cozinheira excelente, e que se chamava Escolástica. Na Rua da Misericórdia, tinha a sua corte admiradora e devota,, cada semana, uma ou duas vezes, vinha aquela hora deleitosa e celeste na casa do tio Esguelhas, e para completar a harmonia até a estação ia tão linda, que já no Morenal começavam a abrir as rosas.

Mas o que o encantava era que nem as velhas, nem os padres, ninguém da sacristia suspeitava os seus rendez-vous com Amélia. Aquelas visitas à Totó tinham entrado nos costumes da casa; chamavam-lhe ‘as devoções da pequena’; e não a interrogavam com particularidades, pelo princípio beato que as devoções são um segredo que se tem com Nosso Senhor.”

Obra: O Crime do Padre Amaro. Capítulo XVII, Martin Claret, 2002, São Paulo. De José Maria de Eça de Queirós (Portugal/Póvoa de Varzim, 1845-1900).

Lembro-me que foi no final de uma chuvosa noite no inverno de 2004 que li as 391 páginas na edição deste romance e, ao concluir, me dei conta que raiava o dia; eis a capacidade do ícone português em manter este leitor empolgado.

A paixão proibida entre o padre Amaro e a beata Amélia, no realismo romanceado, com um toque de ironia fina e irreverência sofisticada do estilo de Eça de Queiroz, um dos maiores escritores da sagrada língua portuguesa.

07/02/2022 23h04

Imagem: Revista Bula

Cecília Meireles

“O choro vem perto dos olhos
para que a dor transborde e caia.
O choro vem quase chorando
como a onda que toca a praia.

Descem dos céus ordens augustas
e o mar chama a onda para o centro.
O choro foge sem vestígios,
mas levando náufragos dentro.”

Obra: Epigrama n. 04. Poema no livro Viagem, edição da Nova Fronteira, 1982, formato físico. De Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Brasil/Rio de Janeiro, 1901-1964).

Cecília Meireles, primeira mulher brasileira aclamada como extraordinária escritora da sagrada língua portuguesa; poliglota, uma síntese de apurada técnica e profunda sensibilidade quando verbaliza símbolos, movimentos e imagens.

No epigrama 04, genialidade que decifra, traduz, emerge com o significado do choro em uma “perfeição intemporal”, tomando aqui por empréstimo o que dela pensou o crítico literário austríaco, naturalizado brasileiro, Otto Maria Carpeaux [2].

2. Curso de Literatura Brasileira, de Sergius Gonzaga.

06/02/2022 10h04

Imagem: Reprodução de site oficial

John M. Barry

“O sangue que cobria tantos deles não vinha de feridas […] A maior parte vinha de hemorragias nasais. Alguns marinheiros tinham tossido o sangue. Outros sangraram pelos ouvidos. Alguns tossiam com tanta força que as autópsias mais tarde mostrariam que haviam dilacerado os músculos abdominais e a cartilagem das costelas. […] Alguns vomitavam. Na autópsia, seus pulmões se assemelhavam aos de homens que morreram de gás venenoso ou peste pneumônica, uma forma mais virulenta de peste bubônica.”

Tradução livre.

Obra: The Great Influenza: The Story of the Deadliest Pandemic in History, prólogo da edição em inglês, no Kindle. De John M. Barry (EUA/Rhode Island, 1947), disponível em português pela EDITORA INTRÍNSECA sob o título “A grande gripe: a história da Gripe Espanhola (a pandemia mais mortal de todos os tempos)”.

Para quem deseja ter uma boa base de estudos sobre o que aconteceu na pandemia da Grande Gripe, este é o livro. Assim foi o início da sintomatologia do que seria a pandemia de Influenza em 1918. Sintomas que lembram os do ebola filovírus em outra obra que li recentemente (The Hot Zone: The Terrifying True Story of the Origins of the Ebola Virus, de Richard Preston, USA/Massachusetts, 1954) e que podem impressionar mais que os da covid-19, sobretudo em relação aos casos de sangramento. Aqui também penso no que escutei de especialistas sobre os novos vírus gerarem doenças com sintomas mais graves e, na medida em que as mutações inevitáveis ocorrem, os sintomas se abrandam. Barry se refere nesta passagem ao que fora observado por Paul Adin Lewis (EUA/Illinois, 1879-1929), patologista americano que ingressou na marinha por força da Primeira Guerra, e se deparou com a chegada de pacientes militares com sintomas de uma forte gripe. Com as investigações, Lewis trabalhou com Richard Shope e identificou um vírus Influenza (A) possibilitando coinfecção [1] com a bactéria Haemophilus influenza suis, se tornando o subtipo a provocar os graves sintomas da doença observada. Lewis dedicou a vida profissional aos estudos de vírus e bactérias de maneira que morreu contraindo a doença em que investigava em campo: a febre amarela, no estado da Bahia, Brasil.

1. Ver matéria em The Rockefeller University, com citação de Lewis PA and Shope RE. Swine influenza: II. A Hemophilic bacillus from the respiratory tract of infected swine. J Exp Med, 1931, 54:361–371

05/02/2022 20h02

Imagem: Alchetron

Hans-Hermann Hoppe

“Até o final do século XX, a maior parte dos gastos públicos – geralmente mais da metade – tipicamente financiava o exército. Admitindo-se que as despesas do governo utilizavam 5% da riqueza nacional, o montante de gastos militares significava o uso de 2,5% da riqueza nacional. O resto era usado para as despesas coma administração pública. As despesas com a proteção social ou a “caridade pública” eram insignificantes. […] Em contraste, refletindo o igualitarismo inerente à democracia, a partir do início do processo de democratização no final do século XIX, surgiu a coletivização da responsabilidade individual. […] A maior parte das despesas governamentais, normalmente mais da metade das despesas totais – e 25 da riqueza nacional -, é agora direcionada para o custeio da rede pública de proteção, i.e., para o “seguro” governamental, compulsório, contra a doença, os acidentes de trabalho, a velhice, o desemprego (há uma lista – sempre crescente – de outros problemas, deficiências e incapacidades).

Assim, pelo fato de os indivíduos serem cada vez mais aliciados da responsabilidade de arcarem com os custos de sua saúde, da sua segurança, e da sua velhice, o alcance e o horizonte temporal das ações provedoras privadas foram sistematicamente reduzidos. Em particular, caiu o valor do matrimônio, da família, e das crianças, porque estes se tornam menos necessários em função da possibilidade de ser beneficiário do assistencialismo publico.”

Obra: Democracia, o Deus que Falhou. Capítulo II. Sobre a Monarquia, a Democracia e a Ideia de Ordem Natural. Edição do Mises Brasil, 2014, São Paulo. Tradução de Marcelo Werlang de Assis. De Hans-Hermann Hoppe (Alemanha/Baixa Saxônia, 1949).

O livro pode ser polêmico demais para progressistas bem formados no sistema estatal de controle da educação (fui um tipo assim), contudo, no capítulo II, deixando bem claro que não é um monarquista, Hoppe aprofunda seus argumentos em torno dos efeitos sobre a responsabilidade (individual) na transição de governos privados (com base na monarquia) para governos públicos, mediante o avanço de modelos republicanos e democráticos a partir do final do século XIX. Neste capítulo, o economista e filósofo alemão discorre em detalhes, citando fontes e dados, sobre os problemas pontuados nos trechos selecionados, trabalhando a tese desta importante obra da Escola Austríaca de Economia, apontando sobre as causas do agravamento de degeneração social que a coletivização da responsabilidade provoca e suas relações com a democracia moderna.

04/02/2022 22h06

Imagem: RIOTUR

Augusto dos Anjos

“Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

´Vou mandar levantar outra parede …´
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!”

Obra: O Morcego. Eu e outras poesias. Martin Claret, 2002, São Paulo. De Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Brasil/Paraíba, 1884-1914).

Talvez pelo tom de existencialismo, o estilo à própria consciência, tenha despertado maior interesse. Em O Morcego vejo momentos de reclusão cuja ilustração faz aflorar sentimentos de incômodo no juízo de si, em meio à meio ao que possa resultar em autocrítica enquanto insere um escapismo (“Vou mandar levantar outra parede…”), seguido de um enfrentamento (“Pego um pau, esforço faço. Chego a tocá-lo.”), até se chegar em um nível mais depurado de consciência, na última estrofe, em uma dialética de si mesmo, no foro íntimo, que muito me fascina.

03/02/2022 22h30

Imagem: El Español

Umberto Eco

“Mas o que é que a Idade Média entendia por beleza da luz e da cor? Um coisa sabemos certamente: apesar de falarmos sempre de Idade das Trevas (e deviam ser realmente escuras as salas e os corredores dos castelos e dos mosteiros e as casinhas dos camponeses), o homem medieval via-se, pelo contrário (ou pelo menos assim se representava, quando fazia poesia ou pintava), num ambiente hiperluminoso. […].”

Obra: Aos Ombros de Gigantes. A Beleza. Lições em La Milanesiana 2001-2015. Gradiva, 2018, Lisboa. Tradução de Eliana Aguiar. De Umberto Eco (Itália/Alexandria, 1932-2016).

Melhor lembrança em Lisboa não poderia ter sido diferente; livraria. Na página 50 há uma reprodução do quadro Maria Madalena penitente, de George de La Tour, 1618, Paris, Louvre, ilustrando a paixão medieval pela luz.

Além da arte barroca, na economia, no pensamento, em meio a um ambiente da fato sob o peso do fideísmo, muitas vezes percebo um contraste em relação a um exagero mediante narrativas de “idade das trevas” que desde menino escutei em sala de aula por professores que hoje, entendo, estavam um tanto enviesados, em comparação apenas rudimentar para estigmatizar a Idade Média, não raramente a associando à Igreja e, por tabela, à fé cristã, enquanto se voltavam a uma suposta era da “razão” e da “ciência”, ambas associadas ao período do “iluminismo”, como se tais coisas fossem totalmente estranhas ao medioevo, alimentando assim mais estereótipos.

02/02/2022 20h10

Imagem: PBS

Colin Powell

“Em toda organização militar, e desconfio que em todo empreendimento de êxito, é preciso haver estilos diferentes de liderança. Se o homem no posto mais alto não tem todas essas qualidades, os que estão à sua volta precisam supri-lo das que lhe faltam. Se o chefe tem visão, e só visão, precisa de um capataz para pôr suas ideais em ação. Se a organização tem um visionário e um capataz, precisa de um “capelão” para suavizar as incessantes exigências dos dois.”

Obra: Minha Jornada Americana. Editora Best Seller, 1995,São Paulo. Tradução de Rosane Albert e Tomás Rosa Bueno. De Colin Luther Powell (EUA/Nova Iorque, 1937-2021) com Joseph Edward Persico (EUA/Nova York/Gloversville, 1930-2014).

Uma lição (p. 184) vinda do ex-secretário de Estado dos EUA, com uma rica carreira militar, para quem gosta de liderar no pedestal e se acha auto suficiente. Powell ficou também conhecido pela invasão do Iraque e o enorme desgaste com a condução das “justificativas” encabeçadas pelo ex-presidente George W Bush.

01/02/2022 22h44

Imagem: SDS

Hans Woller

“Efetivamente, nos anos 1920 a Itália estava sobre a boca de todos. Na época, políticos, magnatas das finanças e intelectuais de toda a Europa estavam a procura de “terceiras vias” e soluções alternativas. Acompanhavam com interesse e atenção o que estava acontecendo na Itália; alguns, como Winston Churchill e David Lloyd George também se deixaram seduzir pelo ilusionismo da propaganda fascista, chegando ao ponto de expressarem opiniões entusiasmadas sobre Mussolini. Os artistas e os correspondentes da imprensa pareciam particularmente fáceis de serem conquistados.”

Tradução livre.

Obra: Mussolini, Il Primo Fascista. Bologna, 21 ottobre 1926. Il dittadore. Carocci, 2018, Roma. De Hans Woller (Deutschland/Aldersbach, 1952).

Sempre que viajo, minhas maiores lembranças são livros e esta foi de uma livraria de Milão, em 2018. Mussolini, o primeiro fascista; nesta excelente obra do historiador alemão Hans Woller, a vida de Mussolini, em especial a trajetória do ditador, dos tempos de líder do Partido Socialista Italiano, passando pela ascensão à queda com o fascismo.

No capítulo “Il dittatore” (O ditador), é possível ter uma visão mais profunda do contexto do fascismo como um movimento sedutor não apenas de massa, enquanto alternativo ao liberalismo, que estava em decadência na Europa, e ao comunismo, em outra extremidade. Sem dúvida o fascismo cresce como uma das “terceiras vias” em um mundo pós Primeira Guerra. Neste capítulo, Woller reproduz material da época evidenciando o entusiasmo que se tinha com as ideias de Mussolini, algo que foi muito além dos cidadãos de uma Itália em profunda crise econômica. Trazendo uma análise pessoal, considerando outras obras, incluindo as de economia, sintetizo que o fascismo combinava ideias coletivistas de governo central, e neste ponto Mussolini aproveitou bastante sua vasta formação socialista, com toques marcantes de personalismo e nacionalismo (o que o tornou muito íntimo do nazismo que crescia em paralelo na Alemanha) enquanto sem a estatização generalizada que o estágio socialista, rumo ao comunismo, sinalizava.

A ascensão do fascismo, aclamado na imprensa e entre intelectuais, serve de alerta à nossa geração sobre os modismos políticos que ganham força nas massas, com apoio de intelectuais, em torno de propostas para uma sociedade que se vê à beira do caos.

Comentar pelo Facebook

4 Replies to “Uma leitura ao dia (fev/22)”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *