03/12/2024 20h49
Imagem: El Español
“Dell’unico amore terreno della mia vita non sapevo, e non seppi mai, il nome.”
Obra: Il nome della rosa. Quinto giorno. NONA. Bompiani, 2019, Firenze. De Umberto Eco (Italia/Alexandria, 1932-2016).
Adso da Melk a lamentar-se pelo destino da jovem que sequer sabia o nome e fora o único amor terreno de sua vida (p. 469), condenada a fogueira como bruxa.
Adso foi interpretado no filme pelo americano Christian Slater (1969) e a relação sexual com a jovem, interpretada pela chilena Valentina Vargas (1964), tem uma forte carga erótica que soa um tanto exagerada, bruta, penso, pois há formas mais sofisticadas de se passar a mensagem subentendida de que um ato sexual entrará em curso na trama, ou como ocorre no livro, onde Umberto Eco apresenta uma belíssima descrição (pp. 284-288) do encontro que desflorou a virgindade do noviço em metáforas que não foram bem aproveitadas no filme, além de que é enriquecido o drama do rapaz que contrariou suas pretensões de santidade em torno de abordagens sobre questões típicas da mentalidade teológica do medioevo permeada de dilemas sexuais, enquanto se aprofundam problemas filosóficos.
No filme a jovem consegue se livrar da fogueira, o que não consta no livro. O cineasta francês Jean-Jacques Annaud (1943), entendo, resolveu amenizar o triste final do livro e inverteu alguns desfechos, pois deu a jovem um destino poupado da tragédia daquela inquisição na abadia, enquanto o inquisidor Bernardo Gui, que existiu, terminou em uma morte violenta, diferentemente do livro, onde seguiu sua vida.
Em parte creio que em relação às diferenças, cabe um desconto ao bom filme em comparação com o livro, pois as linguagens são distintas. Quem sabe o cineasta deva ter pensado em tornar o romance menos complexo na adaptação para o grande público da sétima arte, enquanto Umberto Eco atuou no seu campo e não poupou erudição. Um detalhe é que Umberto Eco, nas ocasiões em que pude escutá-lo em depoimentos, demonstrou não ter tanto apreço pela própria obra em comparação com o grande sucesso que teve de público e crítica.
02/12/2024 23h13
Imagem: Jornal da Unicamp
“Usa a ameaça à democracia como argumento para endurecer o regime, uma aberração jurídica, incongruência em que todo regime autoritário se baseia (para defender a liberdade, precisamos acabar com ela. […]”
Obra: Ainda estou aqui. Parte 2. Merda de ditadura. Objetivo, 2015, Rio de Janeiro. De Marcelo Rubens Paiva (Brasil/São Paulo/São Paulo, 1959).
Não diretamente a este livro muito bem escrito e que deu origem ao filme dirigido pelo brilhante Walter Salles, mas a Rubens Paiva, veio-me uma recordação de 2018 quando fui chamado de “comunista” por um devoto bolsonarista, depois de ter afirmado o óbvio de que o regime que o interlocutor tanto defendeu, embora tenha se apresentado como “conservador nos costumes” e “liberal na economia”, foi uma ditadura, o que o deixou irritado de forma mais perceptível quando citei o caso da prisão e morte do político, que fora deputado federal, como uma das maiores infâmias da história política do Brasil.
Não é preciso ser comunista, petista, psolista ou qualquer outro “ista” de esquerda para ficar enojado do que fizeram com Rubens Paiva (1929-1971); é preciso ter humanidade mas, devido a uma doença espiritual chamada “paixão política”, muitos acabam se perdendo. Isso posto, aparentemente nessa seita nefasta que tratou de desmoralizar a já combalida direita brasileira, paira um medonho saudosismo a torturadores, e no caso do devoto, o que pude lhe dizer é que, no mínimo, carece de uma avaliação psicológica quem contemporiza, faz uso de subterfúgio e relativiza em favor de seus fetiches por algum político de estimação. Isso é salutar para ser refletido tanto entre bolsonaristas que passam pano para a mancha da tortura nos porões da ditadura, quanto para esquerdistas que defendem regimes como os da Venezuela, de Cuba e da Coreia do Norte.
No trecho (p. 78) desta Leitura, Marcelo Rubens Paiva argumenta no contexto do AI-5 e, penso, esmiúça o espírito pervertido que rege a mentalidade autoritária, o que me faz pensar em outro contexto onde essa mentalidade se tornou muito mais sofisticada no âmbito do estado democrático de direito, na medida em que o aparato estatal saiu da composição bruta que fora na última ditadura militar, para ser uma ameaça à liberdade em algo quase imperceptível para muitos, enquanto se arroga pela “defesa da democracia”.
A obra está está na perspectiva de um filho que perdeu o pai assassinado pelo regime enquanto se versa em uma serenidade disposta por uma crítica acerca dos fatos em torno do ocorrido, o que cabe considerar que se conduz na visão de quem fora criado em um ambiente simpático ao escopo soviético e a quem combatia o regime no Brasil, justamente o ponto que serviu de espantalho no contexto da Guerra Fria para a escalada de ditaduras alinhadas com a Casa Branca, mas em minha caminhada de leitor, aprendi a enxergar a perspectiva do autor sem me deixar levar abruptamente por meus julgamentos ideológicos, pois só assim é possível compreender melhor o que ele decidiu compartilhar, para então ter mais chances de aprender algo substancial com sua bagagem de vida via experiência de leitura. Entendo que é com esse espírito que este livro deve ser apreciado.
01/12/2024 22h12
Imagem: Forrówelt
“Mas eu não sei escrever como eu gostaria. Eu não sou poeta. Senão em geral eu pego a sanfona, aí vou procurando e melodia e gravo, pra não esquecer, que eu sou péssimo decorador. […]”
Obra: Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga. Capítulo XIX. Editora 34, 1996, São Paulo. De Dominique Dreyfus (France/Poitiers).
O trecho (p. 299) desta Leitura está no contexto do LP Eterno Cantador, lançado em 1982, em relação a uma letra de sua autoria: “Acácia Amarela, feita em “homenagem a maçonaria” (p. 299).
O novo álbum marcou sua volta de Paris, onde passou dez dias com a anfitriã Nazaré Pereira (p. 297) e teve que se adaptar a uma disciplina de ensaios (o que normalmente não fazia no Brasil), por uma semana, quatro horas por dia, tendo em vista que os músicos locais (da anfitriã) “não conheciam o repertório e tinham que treinar” (p. 296).
As limitações que o Rei do Baião confessa não foram determinantes para definir a grandiosidade de sua carreira e assim foram superadas, penso ao considerar esta biografia, por dois fatores:
Primeiro, dado o talento extraordinário de Luiz Gonzaga para compreender a posição de sua arte e das tradições sertanejas, pelas quais foi formado, na cultura brasileira, combinada com a capacidade genial de interpretação das composições que recebeu dos parceiros.
Em segundo lugar, ao ler todo o parágrafo, ficou-me claro que o Rei do Baião entendeu que sua obra não poderia ter sido feita melhor sem “um companheiro pra tapar os buracos”; um poeta, de maneira que acreditava que “não é bom o cantor ser também autor e compositor”, e assim pautou sua obra a apresentar o tema depois de encontrar a melodia em seu viés criativo para que, na parceria, saísse uma música depurada ou, em suas palavras, com “muito mais respeito”.
Comentar pelo Facebook