Imagem: Instituto Santos Dumont

“Se parece tão difícil prever o comportamento coletivo de um grupo formado por apenas onze pessoas, como poderíamos ter esperança de entender o funcionamento dinâmico de uma população de neurônios amostrada de um pool de dezenas de bilhões de elementos do cérebro humano?”
Obra: Muito além do nosso eu. Capítulo 12. Computando com um cérebro relativístico. Planeta, 2017, São Paulo. De Miguel Angelo Laporta Nicolelis (Brasil/São Paulo/São Paulo, 1961).
Nicolelis abre o capítulo com uma envolvente descrição do quarto gol da Seleção na final de 1970 no Azteca (pp. 474-474), que serve de ilustração para a dinâmica do imprevisível no processo de criação: “Não importa quão capacitados e inteligentes fossem aqueles jogadores individualmente, a jogada que eles engendraram juntos jamais poderia ter sido predita ou planejada a priori” (p. 474), o que, na visão do neurocientista brasileiro, demonstra como a estratégia reducionista clássica não consegue explicar tais interações de natureza cerebral.
Nem mesmo a análise do genoma completo de cada jogador, a compor um vasto banco de dados, seria capaz de prever aquela “química futebolística” de oito jogadores que trocaram passes, entre dribles e jogadas de efeito, com seus sistemas interconectados a produzir um número astronômico de interações (p. 476), a indicar o dilema descrito no trecho (p. 477) desta Leitura a envolver as propriedades biológicas das unidades de processamento de informação dos circuitos cerebrais, consequência de uma evolução da física à biologia, seguida da “emergência do pensamento consciente” a resultar na propriedade emergente mais espetacular: a consciência humana, conceito em referência ao físico britânico John D. Barrow (1952-2020).
Não é possível prever a ação humana, obviedade que aprendi pela economia, quando se pensa em um fenômeno de cooperação pela sociedade. E, tornando ao que explica Nicolelis, dentro do universo que cabe em cada indivíduo portador de um sistema cerebral, uma série de fatores levados em conta pode até sugerir algumas combinações possíveis em interações entre agentes humanos, mas não consegue prever uma ação específica (p. 479) e, ao ponderar o contexto de um objetivo coletivo, insere sua visão onde “o sistema permanece relativístico, no sentido de que ações emergentes do pensamento coletivo dos elementos se mantêm em contínuo fluxo dinâmico de acordo com o contexto espaçotemporal” (p. 480).
Após descrever os dois fatos anatômicos e fisiológicos que definem o universo orgânico dentro do qual o cérebro opera (pp. 480-481) e discorrer avanços e hipóteses suscitadas (pp 481-502), quando então aponta a principal, do cérebro relativista, Nicolelis sugere que nem o sistema nervoso e nem a mente humana que dele emerge podem ser comprimidos como um algoritmo computacional clássico (p. 502), se contrapondo como um entrave para uma matemática de uma Teoria de Tudo, no entanto, não descarta que o cérebro relativista encontre algum meio para livremente interagir com máquinas (p. 503).
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