Ichiro Kishimi e Fumitake Koga

“Não se trata de como o mundo é, mas como você é.”

Obra: A coragem de não agradar. Introdução. Sextante, 2018, Rio de Janeiro. Tradução de Ivo Korytowsky. De Ichiro Kishimi e Fumitake Koga.

Decidi me presentear com duas obras: o provocante livro da dupla Kishimi/Koga e a tradução de Rachel de Queiroz do romance Wuthering Heights.

Como passar pelo inóspito trânsito do Recife e pelo rush do Shopping me conectou com um ensinamento de A coragem de não agradar

Enquanto “matava a saudade” do trânsito da cidade onde nasci e me criei, logo compreendi oportuna a sabedoria do filosofo que ensina a vê o mundo simples, cuja primeira lição ao jovem do livro (que de certa forma se parece com o meu eu de 21 anos) está no trecho (introdução) desta Leitura.

Pensei no que tinha acontecido durante o trajeto à livraria, quando “esqueci” de dar vazão ao estresse daquele medonho trânsito, onde o mundo pode parecer mesmo um “caos complicado”, ao pensar na visão de quem desafia o filósofo na introdução da obra, e então liguei à experiência no caminho à proposta do filósofo quando em determinados pontos da cidade me vieram recordações de minha infância e da juventude e o significado da cidade para mim. Notei que cada lugar pode ter um relicário e assim o caminho até o Shopping Recife se transformou em um passeio no parque. Dei-me conta que o filósofo tem razão: o mundo é mesmo simples, e isso depende do meu modo de vê-lo.

Quem me conhece sabe que é um fenômeno raro me dispor a ir a um shopping, principalmente nesta época do ano (em um sábado?!), contudo estava decidido a pegar meus dois presentes à moda antiga, de uma forma diversa neste tempo em que muitas coisas se resolvem com alguns cliques, e foi destarte que, ainda celebrando as memórias que tenho com a cidade de meu coração, nem me dei conta da morosidade e do desconforto de encontrar uma vaga naquele concorrido estacionamento, bem como a caminhada até a livraria naquele templo do consumismo onde, sem pressa, preferi contemplar a beleza da diversidade da vida na forma de uma pequena multidão de jovens, idosos, crianças, de mãos dadas casais heteros e LGBT+ (com todas as outras letrinhas), tudo pulsando naquele intenso ambiente, cuja apreciação me poupou até mesmo do incômodo que costumo ter com o barulho típico do lugar.

Mais uma vez pensei no filósofo ao desenvolver sua primeira abordagem com o jovem; o mundo fica simples quando o enxergo sem algum filtro que possa descaracteriza-lo, ou seja, por minha concepção enviesada, meus anseios de querer um mundo conforme minha “ideia de mundo”, em tudo que instrumentalizo, a lembrar uma figura que utiliza ao falar de quem deseja vê-lo como se fosse natural usando óculos de sol, quando na verdade tudo acaba parecendo escuro. Se posso encontrar melhor sentido para vivenciar o mundo no desarme de minha “visão de mundo”, careço de entender que não se trata de como o mundo é, mas como eu sou e estou disposto a mudar para melhor vê-lo pela simplicidade das coisas. Eu posso mudar para ter essa experiência, eis o ensinamento do filósofo, todos podem fazer isso, todos podem tirar seus “óculos de comodidade” que filtram o mundo por ideias acabadas e, libertando-se disso, possam ter a experiência sublime de ver o mundo sendo coisa simples para, sem afobação, enxergá-lo como realmente é.

No meio daquele rush, passei confortavelmente e cheguei à livraria. Certo do que iria comprar, logo separei os dois livros e fui ao caixa onde um jovem casal estava com uma pilha de livros para passar. Ao sair do caixa, resolvi andar pela loja. Comecei a reparar na riqueza humana ao meu redor. Presenciei um menininho e uma menininha no fascinante contato com a literatura infantil do século XIX, lida por quem parecia ser a avó deles. Notei mães e pais se revezando entre ficar de olho nas crianças e encontrar livros. Dois rapazes discutiam sobre uma edição na língua original (inglês) da obra que adquiri traduzida por Rachel de Queiroz. Um senhor e duas adolescentes, que pareciam suas filhas, separavam obras de Machado de Assis.

Gente em busca de literatura…

Ora, ora, pensei, no país do povo que não lê (dizem), eis o que me encanta.

Decidi então ir ao café da livraria, pedi um expresso, abri o Kindle e me senti em casa em uma experiência de leitura, como se estivesse aqui, no meu segundo andar. Ao lado um senhor, com ar de professor universitário, estava compenetrado em uma leitura, e do outro uma senhora e uma jovem conversando à francesa, elegantemente, fazendo-me lembrar de uma das coisas que me chamaram a atenção em minhas passagens pela França: a discrição com que as pessoas de lá normalmente conversam, sob um relativo silêncio em restaurantes e cafés.

Mudar a si mesmo, desarmar-se para aprender com a simplicidade do mundo, eis o primeiro passo em A coragem de não agradar, obra que farei diversos registros aqui.

2 Replies to “08/12/2025 20h00 A coragem de não agradar. Introdução”

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